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Copa Roca: A hegemonia brasileira (1945-1963)

Pelé marca seu primeiro gol com a camisa do Brasil

A Argentina vivia uma fase de ouro em 1945: vencera duas edições do Campeonato Sul-Americano, se reafirmava como uma das nações mais ricas do mundo, mantinha a posse da Copa Roca e revelava os melhores jogadores do continente. No final do ano, a albiceleste foi ao Brasil para defender o título da Copa Roca, após cinco anos.

Estavam previstos dois jogos: um em São Paulo e outro no Rio de Janeiro. Assim, no dia 16 de dezembro, um domingo, Brasil e Argentina entraram no gramado do recém-inaugurado estádio do Pacaembu para a disputa do primeiro jogo da Copa Roca. E já aos nove minutos a Argentina abriu o marcador, com um toque da “Máquina” do River Plate: Labruna roubou a bola do zagueiro Zezé Procópio e cruzou a Pedernera. O genial atacante se livrou de Domingos da Guia e tocou rasteiro na saída de Barbosa. Mas os argentinos não contavam com a reação imediata brasileira. Assim que deu reinício à partida, Zizinho chegou pela direita e, ao tentar driblar Sobrero, adiantou demais a bola. O goleiro Vacca saiu para pegar a bola, mas não viu que Leônidas e Salomón apostavam corrida. O zagueiro argentino chegou primeiro, mas ao tentar atrasar a bola para o goleiro errou e mandou a bola para a rede.

Após os dois gols-relâmpago, o ritmo da partida caiu. Mas, aos 23 minutos, novamente a Argentina passou à frente. Boyé recebeu um passe de Méndez, entrou na área e bateu cruzado, sem chances para Barbosa. Com o gol, os argentinos passaram a cadenciar a partida, mas não contavam com o empate brasileiro, que saiu no finzinho da primeira etapa: Zizinho recebeu passe de Ademir, trouxe da esquerda para o meio e chutou forte, alto, no canto direito: 2 a 2.

Logo no início do segundo tempo a seleção brasileira chegaria à virada. Tesourinha avançou pela esquerda e cruzou para Leônidas. Este, bem marcado por Salomón, fez um corta-luz genial e a bola sobrou para Ademir de Menezes. O “Queixada” dominou e chutou forte, sem chances para Vacca. Mas a Argentina não se entregava fácil e chegou ao empate aos 15 minutos. Labruna recebeu passe de Boyé e cruzou na direção de Pedernera. Porém Domingos o acompanhava e os dois caíram no gramado. Na sobra, Sued chutou de longe, rasteiro e a bola entrou no gol.

Com moral após o gol de empate, a Argentina veio para cima do Brasil e virou o marcador aos 24 minutos. Labruna recebeu passe de Ramos no meio do campo e avançou pelo meio com velocidade. Driblou Rui e chutou inesperadamente para o gol, pegando Oberdan, que no intervalo substituíra Barbosa, desprevenido. A Argentina fazia 4 a 3 e chegava a mais uma vitória em território brasileiro. Em quatro dias, a revanche seria no Rio de Janeiro.

Mais de 50 mil pessoas lotaram o estádio de São Januário para ver o segundo jogo da Copa Roca. A partida esteve extremamente equilibrada e o Brasil teve um pênalti aos 18 minutos, que foi desperdiçado por Zizinho. E aos 30 minutos, veio o castigo: após uma cobrança de escanteio, Sued foi derrubado na área. Pedernera bateu e marcou 1 a 0 para os platinos. A torcida carioca continuou a incentivar a seleção local e o empate veio cinco minutos depois. Ademir recebeu passe de Leônidas, entrou na área e empatou o jogo. Com o resultado, os brasileiros se empolgaram e foram para cima dos argentinos. Num desses ataques, outro pênalti para o Brasil surgiu. E Lêonidas não desperdiçou, colocando o Brasil na frente.

O segundo começou sob garoa e logo a um minuto a Argentina empatou. Martino avançou e, livre de marcação, chutou forte da entrada da área. Mas o Brasil não se deu por vencido e seguiu no ataque. Aos 15 minutos, Chico recebeu um passe magistral de Zizinho e fez 3 a 2. Heleno de Freitas, que tinha entrado no lugar de Leônidas, serviu a Zizinho, que chutou forte e ampliou o placar para o Brasil. E os gols não terminaram: aos 36 minutos Chico avançou pela esquerda e cruzou para Heleno, que marcou o quinto gol. Dois minutos depois, Ademir acertou um lindo voleio de fora da área e marcou o sexto gol dos brasileiros, dando números finais à histórica goleada. O Brasil forçava assim a terceira partida para a decisão da Copa Roca.

Na ante-véspera do Natal de 1945, Brasil e Argentina novamente mediam forças em São Januário. Após um primeiro tempo onde a principal figura foi o goleiro argentino Ogando, o segundo tempo teve gols. O primeiro foi de Heleno, após cobrança de escanteio de Chico. A Argentina logo depois empatou, com Martino. E o panorama permaneceu o mesmo do primeiro tempo, com o goleiro Ogando sendo o prinicipal nome do jogo. Mas, aos 40 minutos, Ademir cruzou a Leônidas que fez um belo corta-luz, deixando a bola para Lima, que de cabeça fez o segundo gol brasileiro. Três minutos depois, o tiro de misericórdia: Lima e Leônidas começaram a jogada pela direita e cruzaram para a área na direção de Ademir. Ogando saiu para cortar o cruzamento mas não esperava que Fonda chegasse antes e empurrasse para o gol. O Brasil venceu por 3 a 1 e a Copa Roca, depois de 22 anos, voltou para o Brasil. E nunca mais sairia de lá.

Passaram-se 12 anos, a CBD e a AFA cortaram e reataram relações, o Brasil havia sido vice-campeão do mundo, a Argentina encantou a América do Sul com seus “Carasucias” e viu seus principais jogadores saírem do país e a Copa Roca foi colocada novamente em disputa. O Brasil novamente receberia os jogos do torneio, sendo o primeiro no Rio, no novo estádio do Maracanã, e o segundo no estádio do Pacaembu. A Copa Roca de 1957 veria pela primeira vez um garoto de 16 anos vestir a camisa da seleção brasileira. Pelé entrou no segundo tempo de um jogo que começou equilibrado.

A Argentina se acertou em campo mais cedo e chegou ao gol aos 29 minutos. Herrera recebeu a bola de costas dentro da área e passou de calcanhar ao veterano Labruna. O “Feo” entrou na área sem marcação e chutou a bola por baixo de Castilho. No segundo tempo, com Pelé em campo, o Brasil melhorou. Aos 32 minutos, Moacyr (que jogaria mais tarde no River Plate) achou Pelé dentro da área rival. O garoto dominou a bola com um toque e, na saída de Carrizo, empatou, marcando assim seu primeiro gol com a camisa da seleção brasileira. Mas a Argentina voltou a ficar na frente dois minutos depois. Após falha de Castilho, Labruna encontrou Juárez sozinho na área para que ele marcasse o segundo gol argentino. Final de jogo, a Argentina venceu por 2 a 1 e as duas seleções voltariam a se enfrentar, agora em São Paulo.

Equipe brasileira posada antes de Argentina 4 x 2 Brasil pela Copa Roca de 1960

Com algumas alterações, argentinos e brasileiros entraram no gramado do Pacaembu no dia 10 de julho, três dias depois do primeiro jogo no Rio. O Brasil começou melhor e aos 21 minutos chegou ao gol. Após levantamento na área, Mazzola passou a bola para Pelé que, no meio da área, chutou com precisão e fez 1 a 0. O Brasil seguiu dominando e poderia ter chegado ao segundo gol, mas Djalma Santos desperdiçou um pênalti. No segundo tempo o Brasil seguiu no ataque e a Argentina também se lançou à frente, buscando o empate. No entanto, logo aos 11 minutos o jogo foi decidido por Mazzola. O atacante do Palmeiras recebeu lançamento de Zito, passou por Biagioli e chutou no canto, sem defesa para Carrizo. O Brasil fez 2 a 0 e venceu, o que forçaria uma terceira partida para decidir a Copa.

No entanto, a delegação argentina tinha pressa em voltar para Buenos Aires, por conta do início do campeonato local. Assim, o regulamento foi alterado para que, se houvesse dois empates ou uma vitória para cada seleção, haveria uma prorrogação de 30 minutos após o segundo jogo. Se o empate persistisse, a Copa Roca ficaria com o vigente detentor da taça. Como cada seleção ganhou uma partida, Brasil e Argentina jogaram a prorrogação. Apesar de duas equipes terem buscado o gol, a prorrogação terminou empatada e a Copa Roca permaneceu no Brasil.

Pouco menos de três anos depois, novamente Brasil e Argentina disputariam a Copa Roca. Em 1960 o Brasil pela primeira vez na história atravessava um melhor momento futebolístico que a Argentina. Conquistaram a Copa do Mundo dois anos antes, revelou excepcionais jogadores como Pelé, Garrincha, Didi e Nilton Santos e seus clubes faziam grande sucesso na América do Sul e na Europa. Os argentinos vinham de uma conquista do Sul-Americano e queriam a Copa Roca de volta após 15 anos. Mesmo com todo o cartaz, o Brasil mandou à capital argentina uma seleção sem os jogadores de Santos, Fluminense e Botafogo, que eram a base da seleção campeã mundial na Suécia.

Na noite de 26 de maio, uma quinta-feira, mais de 50 mil pessoas foram ao Monumental de Núñez prestigiar mais um encontro entre argentinos e brasileiros. Jogando em casa, a Argentina impôs seu ritmo e fez 1 a 0 logo aos 13 minutos, com Nardiello. Aos 25, novamente Nardiello marcou. Cobrou uma falta pela direita, bem próxima à linha de fundo. O cruzamento saiu fechado, Gylmar não conseguiu interceptar a bola entrou diretamente no gol. 2 a 0 e a Argentina jogava melhor.

No segundo tempo, Djalma Santos diminuiu cobrando pênalti. Mas D´Ascenzo, aos 15 minutos, marcou o terceiro gol argentino. Com um 3 a 1 adverso, o Brasil foi ao ataque e conseguiu diminuir. Depois de grande jogada de Julinho Botelho pela direita, Delém recebeu o passe e fez o segundo gol do Brasil. Quando se esperava que o Brasil viesse com tudo para tentar o empate, o ritmo do jogo caiu e a Argentina marcou o quatro gol no final, com Belén. Bela vitória argentina e dali a três dias a decisão da Copa Roca de 1960.

Argentina e Brasil novamente entraram no campo do Monumental de Núñez. O técnico brasileiro realizou algumas alterações para melhorar a marcação e dar mais velocidade à equipe. Com isso, o Brasil dominou desde o início. Já aos cinco minutos o endiabrado Julinho Botelho foi à linha de fundo na direita e cruzou na medida para Delém, que marcou 1 a 0. Mesmo após o gol, o Brasil seguiu pressionando e parou na boa atuação do goleiro Ayala. No segundo tempo, Delém marcou mais um para o Brasil, após rebote de Ayala. O 2 a 0 para o Brasil forçou a realização da prorrogação, tal qual ocorreu em 1957.

No começo da prorrogação, a Argentina saiu na frente com Sosa. Mas o Brasil não se intimidou e seguiu no ataque. Faltando um minuto para o término do primeiro tempo, Julinho tabelou com Delém pela direita e chutou forte para o gol. A bola desviou em um zagueiro argentino e enganou Ayala. Era o empate brasileiro. Na segunda etapa da prorrogação, o Brasil marcou o segundo gol. Sabará arrancou do meio-campo e foi até a linha de fundo pelo lado esquerdo, onde viu Servílio. O ponta fez um cruzamento na medida e o Brasil chegava ao seu quarto gol, vencendo a prorrogação e retendo por mais uma vez a Copa Roca.

Três anos depois o Brasil já era bi-campeão mundial, o Santos encantava o mundo conquistando o bi-campeonato da Taça Libertadores e do Mundial Interclubes e os jogadores brasileiros seguiram fazendo muito sucesso no mundo inteiro. A Argentina, após a Copa de 1958, dera início a um trabalho de reformulação de sua seleção. Tinha grandes jogadores, mas sua seleção já não dava mais mostras de ter forças suficientes para dominar o continente.

Ao contrário da edição de 1960, a Copa Roca de 1963 contaria com vários jogadores brasileiros que foram bi-campeões mundiais no Chile. O torneio seria disputado em São Paulo e no Rio de Janeiro. No primeiro jogo, ocorrido num sábado, dia 13 de abril, o Morumbi recebeu mais de 40 mil pessoas. Apesar do favoritismo local, a Argentina conseguiu encaixar uma marcação ótima e fez o gol aos 29 minutos, com Lallana. No segundo tempo, a Argentina chegou aos 2 a 0 novamente com Lallana aos dois minutos. O Brasil, vaiado, foi para cima e conseguiu diminuir aos oito minutos, com Pepe. Mas o dia era mesmo dos argentinos. Dez minutos depois, Juárez entrou livre na área brasileira e fez 3 a 1. Ainda que Pepe tenha diminuído o placar, os argentinos venceram e prometeram muita emoção para o segundo jogo da Copa Roca de 1963.

Três dias depois, mais de 130 mil pessoas vieram ao Maracanã para ver a revanche entre Brasil e Argentina. Ao contrário do que ocorreu em São Paulo, a defesa argentina não conseguiu parar Pelé e sua turma. Aos 20 minutos, Pelé saiu em disparada pelo meio do ataque, deixou Vázquez para trás e foi derrubado na área. Pênalti marcado, pênalti convertido por Pelé. Dois minutos depois, Pelé novamente disparou pela direita, chegou até a linha de fundo e cruzou na medida para Amarildo, num chute de primeira, fazer o segundo gol brasileiro. Mesmo com a correria imposta pelo Brasil, a Argentina conseguiu diminuir aos 26 minutos, com um gol de Fernández.

No segundo tempo novamente Pelé entrou na área adversária e novamente foi derrubado. Mais um pênalti que o 10 brasileiro cobrou com perfeição, marcando o terceiro gol brasileiro. Naquela noite não havia quem segurasse Pelé. Apenas 10 minutos depois do terceiro gol, novamente Pelé recebeu passe na intermediária, driblou três zagueiros e chutou forte, da entrada da área. Com os categóricos 4 a 1, mais uma vez a Copa Roca seria decidida na prorrogação.

O tempo extra começou com a Argentina surpreendendo a todos: aos quatro minutos um jovem jogador chamado Menotti fez boa jogada pela direita e cruzou para Rodríguez, que marcou o primeiro gol argentino. O gol desestabilizou o time brasileiro, que não se encontrava em campo. Mas aos 12 minutos, o melhor do jogo entrou novamente em ação. Pelé e Amarildo tabelaram e o “Rei” deixou Amarildo na cara do gol para que o “Possesso” empatasse. No segundo tempo, as duas seleções se alternavam no ataque, mas o resultado terminou 1 a 1. Como o empate beneficiava o detentor da taça, novamente o Brasil ficou com a Copa Roca, consolidando seu domínio desde meados da década de 40.

A hegemonia brasileira, que começou com a conquista da Copa Roca de 1945, perdurou até a última edição da Copa Roca, disputada em 1976, em conjunto com a Taça do Atlântico. Representou o início da quebra da supremacia platina e os confrontos entre brasileiros e argentinos passaram a ficar cada vez mais disputados e acirrados, tendo alguns episódios de violência. Amanhã veremos a última Copa Roca do século passado.

Alexandre Leon Anibal

Analista de sistemas, radialista e jornalista, pós-graduação em Jornalismo Esportivo e Negócios do Esporte. Neto de argentinos e uruguaios, herdou naturalmente a paixão pelo futebol da região. É membro do Memofut, CIHF, narrador do STI Esporte (www.stiesporte.com.br ) e comentarista do Esporte na Rede, programa da UPTV (www.uptv.com.br ).

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