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Dossiê La 12: Quando o futebol dá lugar ao sangue, guerra e terror

De Buenos Aires – A história da “La 12”, tradicional e poderosa barra brava do Boca Jrs, é digna de um filme. Do estilo mafioso à la “O Poderoso Chefão”, o roteiro incluiria traições nas sucessões de poder, dinheiro sujo em negociatas, assassinatos, acertos com a polícia e ligações com as mais importantes autoridades da Argentina. Ingredientes que não faltam na consagrada trilogia de Francis Ford Coppola.

Durante os anos 60, era Enrique Ocampo ou “Quique el Carnicero” quem ditava as regras nas arquibancadas da Bombonera. Era uma época distinta e os níveis de agressividade dos torcedores ainda não eram tão elevados como os de hoje.

Mas, mesmo neste tempo de relativa tranquilidade, Quique inaugurou alguns costumes que perduram atualmente, como a participação em reuniões do clube e a exigência de certa quantidade de entradas para os membros do seu grupo. Seu reinado a frente da “12” durou aproximadamente 20 anos quando foi destituído do comando por aquele que viria a ser o líder mais violento que a barra brava do Boca Jrs já conheceu: José Barrita ou “El Abuelo”.

O segundo mandante da facção foi o responsável pelo período mais tenebroso e temido da “12”. Governava a arquibancada com extrema violência e não se privava da companhia do inseparável revólver calibre 38. O mesmo com o qual obrigou seu antecessor a abrir mão do poder.

Ganhou o apelido por seu cabelo grisalho que o destacava dentro da “12”. Não havia quem o detivesse dentro do clube e era costume que fosse pessoalmente exigir melhor desempenho dos jogadores. Anos atrás, Maradona contou a um canal de televisão seu primeiro encontro com o temido chefe da barra, quando ainda era uma jovem promessa.

Seu período como líder da mais poderosa torcida argentina termina após sua prisão por ataques à tiros a um caminhão que transportava torcedores do River Plate antes de um superclássico em 1994. Neste momento assume o controle Rafa Di Zeo, braço direito de Abuelo até então. Em muitas fotos do período anterior a prisão, pode se ver Abuelo ombreado por Rafa Di Zeo nas arquibancadas da Bombonera

Rafa tratou de assegurar uma base que não ameaçasse seu poder. Arquitetou alianças importantes e tirou de cena o único que poderia afrontar seu comando: o próprio Abuelo. Quando tentou se reaproximar da barra após sair da prisão, Abuelo foi alvo de um atentado à tiros, mas escapou ileso. Depois disso não retornou mais ao estádio onde foi por anos figura inquestionável.

Di Zeo implementou uma visão “empresarial” dos negócios ilícitos da “12”. Recebia ingressos do clube e também garantiu uma parte do dinheiro daqueles vendidos nas bilheterias. Uma das maiores demonstrações de poder foi o direito de administrar o estacionamento da rua Del Valle Iberluzea, uma das principais que dão acesso ao estádio do Boca.

“Não sou poderoso, mas tenho o telefone dos poderosos” diz Rafa. Sua rede de contatos atingia inclusive a funcionários do governo portenho. Tinha acerto com os policiais da 24ª Delegacia, sediada no bairro de La Boca e inclusive compartilhava com eles, os mesmos advogados. Um dos fatos inusitados é o casamento de Rafa Di Zeo com a secretária particular de Felipe Solá, à época governador de Buenos Aires. Também foi o homem forte no Boca de Maurício Macri, atual governador da província, quando este era presidente do clube. Foi preso em 2007 em função de uma emboscada que armou contra torcedores do Chacarita durante uma partida amistosa na Bombonera. As câmeras de segurança filmaram todas as ações de Di Zeo e seus comparsas.

Mas, tal como sucede nos melhores filmes de máfia, depois que Di Zeo é preso, assume o poder seu braço direito: Mauro Martín. Com a promessa de devolver o comando da barra quando Rafa saísse da prisão. Neste ano Di Zeo foi solto e em uma entrevista exclusiva a um canal de televisão aberta no final de agosto (confira a entrevista ao fim da matéria), avisou que queria sua barra de volta.

Tal retorno, com prometido, aconteceu no último fim de semana. Na partida contra o Rafaela. E, para o mal do futebol argentino, algo inédito marcou o retorno de Di Zeo aos estádios. Duas torcidas, duas barras bravas na Bombonera. Uma atrás de cada gol, olhando-se frente a frente e insultando-se. Pura demonstração de poder e intimidação. O futebol é mais uma vez deixado de lado.

Di Zeo chegou pelo lado oposto ao que sempre se acostumou a frequentar a Bombonera. Entrou pelo gol do Riachuelo, onde fica a torcida visitante. Com aproximadamente 900 seguidores, vindos em mais de 30 ônibus e peruas, estendeu a tradicional bandeira com os dizeres: “La Barra de José”, numa tentativa de ganhar o apoio do torcedor comum que assistia a tudo sem acreditar.

Do lado de Mauro, “La 12”. Bumbos, bandeiras e faixas, uma delas com os dizeres: “Mauro = La 12”. Os canais de televisão por momentos esqueciam-se dos jogadores no campo e do que acontecia no palco principal, para filmar as duas personalidades penduradas nas arquibancadas. Inclusive com tela dividida e close nos novos protagonistas da tarde.

Com o final da partida, a polícia resolveu mudar o esquema usual de saída de torcedores nos estádios argentinos. Saíram os visitantes e logo depois os torcedores comuns do Boca, ficando dentro de uma Bombonera de luzes quase apagadas, as duas facções da mesma barra, medindo-se e cantando ameaças para o próximo jogo contra o Vélez, quando teriam que dividir o mesmo espaço na arquibancada destinada aos visitantes.

Na saída do estádio e nos programas de televisão conhecidos como “terceiro tempo”, o que se via não era entrevistas a jogadores ou técnicos, mas um primeiro quadro de Rafa Di Zeo caminhando com sua gente e dois microfones de redes distintas captando todas suas falas: “Isso vai acabar como eles quiserem que acabe”, declarava.

Dentre os diversos fatores que envolvem essa briga pelo poder, o único que pode ser descartado é o próprio Boca Jrs. Perto das eleições no clube, a serem realizadas em dezembro, o aparecimento de Di Zeo neste momento não poderia ser mais oportuno para a oposição.

O lado de Mauro Martín exibiu no último domingo, uma bandeira do ex-presidente Néstor Kirchener, e deixou claro que o kirchenismo está com eles e apoia o atual mandatário e candidato a reeleição, Jorge Amor Ameal. Rafa Di Zeo, conturbando todo o cenário que poderia ser de calmaria em função do atual momento do time, parece estar alinhado com a oposição encabeçada por Daniel Angelici e apoiado pelo macrismo. Antiga associação dos tempos que o atual governador de Buenos Aires era o presidente do Boca e Rafa o chefe da “12”.

Di Zeo já declarou que La Bombonera é sua casa e se sente bem nela. Mas será que essa casa, é apenas sua? Somente a sua paixão pelo Boca é a que vale? Essa casa é de todo torcedor do Boca Jrs. Membro da “12” ou não. Todos têm o direito de sentir-se cômodos em sua própria casa e isso não é o que está acontecendo hoje.

Leonardo Ferro

Jornalista e fotógrafo paulistano vivendo em Buenos Aires desde 2010. Correspondente para o Futebol Portenho e editor do El Aliento na Argentina.

18 thoughts on “Dossiê La 12: Quando o futebol dá lugar ao sangue, guerra e terror

  • Guilherme Cunha

    Muito bacana a matéria. A cada dia o site traz uma matéria melhor que a outra.
    Essa briga pelo comando da La 12 foi muito bem explicado. Uma coisa eu penso, Nenhum é mais torcedor que o outro. Só isso.

  • Olá Guilherme!

    Agradecemos os elogios quanto ao nosso material. Fazemos de tudo para trazer uma informação de qualidade para os nossos leitores. Infelizmente, esse é um mal do futebol latino num geral. Na Argentina, todavia, as proporções são maiores, como bem explicamos no texto.

    Aproveite para divulgar tais matérias no twitter através de nosso perfil (@futebolportenho) ou compartilhe e curta em nossa página no Facebook e nos ajude a crescer.

    Abraços

    Thiago Henrique – Editor

  • Diogo Terra

    Se o capitão Nascimento dizia, em Tropa de Elite 2, que “o que esses caras querem é voto”, sobre os políticos que sustentam as milícias, a gente pode dizer que “o que esses caras querem é grana”.

    Desde o tempo do Abuelo isso acontece. Em 1987, por exemplo, o lendário Gatti re$olveu fazer campanha eleitoral para o candidato Juan Manuel Casella, da Unión Cívica Radical. As ho$te$ do Abuelo, no entanto, pediam voto$ para Antonio Cafiero, candidato peroni$ta, que acabou vencendo. Mas o Loco não foi perdoado pelo$ torcedore$, e não teve mai$ clima para jogar no Boca.

    O presidente do Boca à época, o falecido Antonio Alegre, já andava se estranhando com a barra por tentar colocar limites em seu poder. Apesar de já idoso, foi agredido em pelo menos duas ocasiões; a filha de Carlos Heller, seu vice de futebol, também sofreu na pele a ira financeira do Abuelo e seus a$$ecla$, entre eles, como a matéria menciona, Rafa Di Zeo.

    A menção à política do clube, por fim, é mais que pertinente. É típico do macrismo posar de bonzinho enquanto faz a sacabagem por baixo dos panos. Boa parte da impren$a aceita e$$a versão.

  • Diogo Terra

    A propósito: botón, como aparece na foto, é uma gíria usada antigamente para se referir à polícia (tipo “Old Bill” na Inglaterra). Com o tempo, passou a denominar os dedos-duros (como Di Zeo e o Abuelo, que abriram o bico quando a Justiça os chamou para prestar contas). Ambos, no entanto, não perderam poder por seus crimes, mas pelo excesso de ambição e, no caso do Abuelo, criador da suspeitíssima Fundación Jugador Nº 12, por enroscos com a Receita argentina. Como Al Capone na Chicago dos anos 30.

  • Willian Alves de Almeida

    A menção à política do clube, por fim, é mais que pertinente. É típico do macrismo posar de bonzinho enquanto faz a sacabagem por baixo dos panos. Boa parte da impren$a aceita e$$a versão. (2)

  • PARABENS A TODA EQUIPE DO FUTEBOL PORTENHO QUE NOS TRAS INFORMAÇÕES SOBRE O FUTEBOL ARGENTINO, ADORO A REPORTAGEM DO BOCA JUNIORS UM TIME Q TORÇO DESDE DE 2000 COM UM TITULO DA LIBERTADORES AQUI NO BRASIL.

  • ESSA CONFUSÃO NÃO TEM NADA HAVER SO MANCHA A INSTITUIÇÃO BOCA JUNIORS, ESPECIALMENTE AGORA QUE ESTAMOS NO MOMENTO LINDO QUASE CAMPEÃO ARGENTINO, E INDO PARA LIBERTADORES DA AMERICA QUE ESTAMOS DESDE DE 2008 SEM DISPUTAR, ACHO QUE E HORA DE TODO TORCEDOR XENEIZE SE UNIR RUMO AO TITULO E DA LHE BOCA.

  • Cará como esses caras sabem de tudo isso ? Nen imaginava q na argentina existia esse tipo de coisa

  • Renato Pais da Cunha

    Pessoal, espero que essa briga pelo poder não venha a atrapalhar a ótima campanha do Boca, e também espero que não afaste os torcedores da Bombonera!!!

  • igor carter

    sinceramente, acho que o que Riquelme disse, em uma entrevista, esclarece tudo. ”se pedem dinheiro, não são tão torcedores assim”

    tambem espero que, dentro de campo, o time continue jogando da mesma maneira.

  • David Lopes

    ótima matéria…adorei!
    o blog futebol portenho está de parabens…já algum tempo o blog está no meus favoritos…
    acompanho diariamente…sou torcedor de river plate aqui de são paulo…
    mais leio praticamente todas as noticias, pois é um ótimo meio de sabermos sobre os bastidores do futebol argentino, este no qual eu adoro!!!
    mais uma vez parabens!!!
    “BAMOS RIVER PLATE” ti amarei por toda vida!!!!
    abçs…

  • Ricardo Neves

    Fiquei com uma dúvida:
    Cada time só tem uma barra? Boca “La 12”, River “Los Borrachos del Tablon”, Racing “La Guardia Imperial”?

    Isso pq aqui no Brasil é comum o time possuir diversas torcidas, inclusive rivais entre si como a Jovem Fla e a Raça.

  • Na Argentina, em sua maioria, é só uma organizada, mas que tem vários problemas internos. No Brasil, alguns clubes seguem esses padrões, como o Vasco e Atlético MG, por exemplo.

  • dio cruz

    quero ver domingo que vem como vai ser em bombonera quando .. la guarda imperial chegar pra onde dizeo e martyin vai correr

  • Pibe

    RAFA DI ZEO DE VOLTA À LA 12 = H.U.A NO BOCA. ( FATO)

    (H.U.A = Hinchadas unidas argentinas)

    Espero sinceramente que Rafa retorne e tome o poder de fato, assim, existirá “cotas” para pobres e para às torcidas latinas nos estádios na copa do Brasil! AMERICA LATINA X EUROPA ( preparem-se)

    É a mafia a favor do povo. Infelizmente precisamos criar facções para mostrar o poder do povo no clube,(afinal o clube é de sua torcida e algo tem que representar a voz de milhoes) do contrario, com o sistema capitalista, onde o torcedor é considerado consumidor e fonte de renda, com certeza a cultura futebolistica, o ritual e o -espetaculo- de ir a cancha torcer, ficará restrito a uma minoria rica e amarga.

    ¡Dale Di Zeo, La doce vive!
    H.U.A
    ¡somos nosotros hasta siempre!

  • Maravilhosa matéria, esse tema é muito interessante, vemos que não é só no Brasil que as torcidas dão trabalho, gostaria de vcs fizessem uma mesma matéria sobre a hinchada do River, Los Borrachos del Tablon, daria uma matéria interessante também, já houve até assassinatos e prisões entre antigos companheiros de hinchada. Acho que pode acabar acontecendo como na torcida do meu Mengão, onde a Torcida Jovem e a Raça Rubro-Negra brigam entre si a décadas, várias vezes eles saem no pau dentro do estádio. Parabéns pelo trabalho galera, ótimo Blog sobre o futebol Argentino, o único porém é que as vezes vcs são “amargos” d + com o futebol do seu próprio país, eu entendo a paixão pelo futebol portenho, só não consigo entender a ojeriza ao futebol Brasileiro. Abração a todos e SRN.

  • PEPELUARSE

    Como argentino, morando no Rio, ex integrante de la Doce , , na epoca del abuelo, a barra mas temida da historia, a que deu porrada nos ingleses em Mexico 86,que jamais na historia de torcidas Argentinas a Doce correu, e menos co a Guardia Imperial, que ten a triste historia, q eu varios de seus integrantes se jogaron no Riachuelo, (rio podre, parecido com o Tiete), quando a Doce correu eles , na Bombonera, fato historico, ed so perguntar, aí foi a musica , na epoca, oh le le o lala compra u salvavida, para poder nadar, mas ou menos a traduçao.

  • Gera

    VOLTA RAFAAAAAAAAAAAAAAAAA
    MAURO MARTIN TRAIDOR E TORCEDOR DO VELEZ!
    RAFA NUNCA CORREU RAFA É O MELHOR BARRA BRAVA DA HISTÓRIA!
    AGUANTE RAFAAAAAA
    MAURO SOS CAGON TRAIDOR HIJO DE PUTA

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