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50 anos dos penais em Superclássico que valeram o campeonato

O pênalti histórico. Na imagem do canto superior esquerdo, pode ver-se Roma bem adiantado

Um dos Superclásicos mais históricos já ocorridos completa meio século neste 9 de dezembro de 2012. Histórico por ter praticamente valido um campeonato disputado pelos arquirrivais mais midiáticos da Argentina. Mas também por outros significados.

Era a penúltima rodada do campeonato argentino de 1962. Boca Juniors e River Plate, únicos ainda com chance de título, estavam empatados na liderança, cada um com 39 pontos, e se enfrentariam na Bombonera. Ambos já estavam há um tempo considerável sem obter o torneio, enfrentando seus maiores jejuns até então no profissionalismo: oito anos para o Boca, enquanto o River entrava no quinto ano, igualando sua outra maior seca, entre 1947 e 1952 (mal sabia que o jejum da vez viria a durar 18 anos). O que, naturalmente, só poderia aumentar as temperaturas daquele dérbi.

O River contava com o artilheiro do torneio, o supergoleador Luis Artime, recém-contratado junto ao grande Atlanta do início da década. Artime, por sinal, marcara dois no Superclásico do primeiro turno, também histórico: vitória millonaria em casa por 3×1, de virada, com os três gols caseiros vindos em três minutos seguidos, dos 5 aos 8 do segundo tempo. Ainda assim, o Boca terminou a primeira metade na liderança, com três pontos de vantagem sobre os de Núñez e o Independiente.

Os reforços boquenses Carmelo Simeone (sem parentesco com Diego), Alberto González (ex-colega de Artime no Atlanta), José María Silvero e Norberto Menéndez – este, antigo ídolo do River nos anos 50 – vinham se adaptando bem aos remanescentes dos fracos anos anteriores: Antonio Rattín, Silvio Marzolini, os brasileiros Paulo Valentim e Orlando Peçanha e aquele quem personificaria o título, o goleiro Antonio Roma.

Novidades dos rivais para 1962: Menéndez (ex-River) e González no Boca; e Artime no River

Sem sobressaltos, os xeneizes lideravam desde o início e estavam invictos antes daquela derrota para o River, mais errático (depois de ganhar o clássico, perdeu em casa para o Gimnasia y Esgrima La Plata, posteriormente terceiro colocado), na 14ª rodada. Os auriazuis, porém, ficaram três rodadas sem vencer, entre a 20ª e a 22ª: empate com o San Lorenzo e derrotas em casa para Rosario Central e para o mesmo Gimnasia fora; e folgaram na 23ª.

O River, invicto nos oito jogos entre a 16ª e a 25ª rodadas e vencendo em seis delas (folgou na 17ª), conseguiu alcançar e superar em 2 pontos (valor da vitória na época) os bosteros, na 24ª. Na seguinte, porém, os novos líderes perderam para o Huracán em Parque Patricios, enquanto o Boca venceu em seus domínios o Ferro Carril Oeste, impondo a co-liderança. Cada um venceu todos os seus jogos dali até aquela 29ª rodada, onde, segundo a El Gráfico, espectadores experientes em Superclásicos jamais viram recepção, barulho, duelos verbais e fogos de artifício na mesma intensidade antes.

Roma; Silvero, Simeone, Rattín, Orlando e Marzolini; Héctor Pueblas e Menéndez; Paulo Valentim, Miguel Pezzi e González, treinados por José D’Amico, foram os boquenses titulares há 50 anos (figura abaixo), recebendo a escalação adversária do técnico Jorge Kistenmacher, formada por Amadeo Carrizo; Mario Ditro, Marcelo Sainz, Vladislao Cap e José Varacka; Marcelo Etchegaray, Martín Pando e Juan Carlos Sarnari; Artime e os brasileiros Delém e Roberto Fernando.

Silvero, Rattín, Marzolini, Orlando, Roma, Simeone; Pueblas, Menéndez, Valentim, Pezzi e González

De acordo com reportagens da época, os anfitriões jogaram mal e um tanto desorganizados. As chances mais claras teriam sido do River. Mas o Boca abriu a contagem, aos 15 minutos, de pênalti. Paulo Valentim, maior artilheiro xeneize contra o maior rival e quem marcara na derrota no primeiro turno, venceu o veterano Carrizo, que caiu para a esquerda enquanto a bola foi no canto oposto: 1×0.

Seguiu-se um impasse, com os vencedores procurando manter a vantagem impedindo os visitantes de jogarem, enquanto estes corriam atrás do prejuízo, mas sem efetividade. Até que, a cinco minutos do fim, o árbitro Carlos Nai Foino assinalou outro pênalti, desta vez para os riverplatenses. O encarregado para cobrar foi outro brasileiro: Vladém Lázaro Luiz Quevedo. Mais conhecido como Delém, o ex-Vasco vinha sendo o único a vingar na legião brazuca contratada para vestir a banda roja no ano anterior (ele, Roberto e o campeão mundial em 1958 Moacyr vieram após vencerem a Copa Roca de 1960).

Entendendo-se bem com Artime, Delém era o terceiro na artilharia do campeonato, com 19 gols, incluindo outro no Superclássico do primeiro turno e também nos três jogos anteriores ao de meio século atrás; o último, justamente de pênalti, em um 3×1 no Rosario Central. Já havia convertido outros dois penais no torneio, ambos em um 4×1 no Vélez. Sempre no canto direito do goleiro oponente.

Contra ele, estava El Tano Roma. Robusto e alto (tinha 1,90 m), ofuscava seus arcos ao agir como um urso, em depoimento de outro histórico atacante riverplatense, Ermindo Onega. O arqueiro começara como titular em 1962, mas, após a 5ª rodada, perdeu a posição para o reforço Néstor Errea enquanto ocupava-se com a seleção para a Copa do Mundo do Chile, tendo reassumido o posto já na 17ª.

Delém (segundo) com os brasileiros Moacyr (negro) e Roberto (quinto) e após a derrota de 50 anos atrás

Há 50 anos, Roma e Delém correram para a bola naquele pênalti. O brasileiro, para chutá-la e o goleiro, adiantando-se em dois ou três passos, para intercepta-la e jogá-la para escanteio. A irregularidade clamorosa do boquense foi reclamada pelos rivais, mas o juiz Nai Foino foi inflexível. Sustentou que “um pênalti bem batido é gol, então não protestem”, enquanto a massa bostera invadia o campo e interrompia a contenda por onze minutos.

Outra versão atesta que foi exatamente por conta da numerosa invasão que Foino nem pensou em ordenar nova cobrança: “Estão loucos, querem me fazer apitar de novo o penal… olhe a gente que tem! Que querem, que me matem?”, teria dito o árbitro a Menéndez, sobre reclamações de Cap e Varacka.

Ao fim, o River Plate deixou o gramado ainda com chances de título, mas a impressão geral, como reportou na época o La Nación, era a de que o campeonato acabara ali. De fato, há quem esqueça que o River poderia forçar um jogo extra caso se reigualasse ao rival na última rodada, em que venceu por 4×1 o terceiro colocado Gimnasia em La Plata. Mas o Boca, ao qual bastava um empate, garantiu a taça ao também marcar quatro gols no outro platense, o Estudiantes.

O lance que definiu o campeonato de 1962 continuou a marcar e praticamente resumir a carreira dos envolvidos. Roma naturalmente seria lembrado como ídolo pela dúzia de anos em que protegeu as metas do Boca, mas aquela defesa bastou para inseri-lo no panteão da instituição. Delém, por seu lado, afirmou que sempre seria lembrado pelo pênalti que perdeu, não importasse o que fizesse pelo River. E fez muito, sobretudo comandando as categorias de base nos anos 90, conforme contamos aqui.

Roma saudado por um dirigente e a El Gráfico pós-jogo

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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