EspeciaisIndependiente

35 anos da mais épica final argentina

Pastoriza
Trossero (que era torcedor do arquirrival Racing), Pastoriza e Larrosa em êxtase

O Independiente é um dos clubes de mais glórias da Argentina, repleto de títulos internacionais. Ainda é o recordista de troféus da Libertadores (7, tendo igual recorde de obtê-la 4 vezes seguidas), tendo ainda 2 Intercontinentais, 2 Supercopas, uma Recopa e uma Copa Sul-Americanas. Mas, provavelmente, nenhum saboreado tão dramaticamente como um dos 16 campeonatos argentinos já levantados pelo Rey de Copas. Hoje, a conquista em questão completa 35 anos.

O clube iniciara os anos 70 na fase mais brilhante de sua história, com o mencionado tetra seguido na Libertadores, entre 1972 e 1975, ciclo encerrado com a queda nas semifinais de 1976. Emblemas daquele período já haviam saído: os goleiros Santoro e Carlos Gay, os defensores Commisso, Garisto, Sá (maior campeão da Libertadores: venceu também as duas primeiras do Boca), Miguel López e Pavoni, os meias Raimondo, Saggioratto e Semenewicz e os atacantes Maglioni, Balbuena e Percy Rojas.

Os remanescentes dos anos dourados eram o ex-meia Pastoriza (agora técnico) e os jovens Rubén Galván, Bochini e Bertoni, estes últimos uma dupla das mais celebradas do futebol argentino, em que o primeiro fornecia cirurgicamente passes para os gols do segundo – por conta de Bochini, jogadas de grande precisão na Argentina eram apelidadas de bochinescas. Maior e mais vitorioso rojo da história, El Bocha seria vital para o logro de 35 anos atrás, obtido exatamente no 24º aniversário do meia.

Das caras novas, se destacariam a dupla de zaga, Trossero e Villaverde (entrosados desde os tempos de Colón), o lateral-direito Pagnanini, o meia Larrosa e o atacante Outes. O título foi o torneio nacional válido pelo ano de 1977, só encerrado em 25 de janeiro de 1978. Em 1977, os Rojos já haviam ficado no vice do torneio metropolitano, faturado por um River Plate com dois pontos de vantagem.

Galván, Rigante, Pagnanini, Pérez, Villaverde e Trossero; Brítez, Larrosa, Outes, Bochini e Biondi. 10 dos 11 titulares de 35 anos atrás (Magallanes começou no lugar de Biondi)

Havia dez anos que o calendário doméstico argentino para as principais equipes se dividira no torneio metropolitano, restrito aos clubes de Rosario, Santa Fe, La Plata e da Grande Buenos Aires; e no nacional, em que os melhores colocados do metropolitano enfrentavam os melhores das ligas do interior. O metropolitano de 1977 já havia consumido quase o ano todo, só se encerrando em novembro. Uma semana depois de sua rodada final, a bola já era chutada no certame nacional.

Os times do nacional de 1977 foram divididos em quatro chaves de oito cada. Apenas os primeiros colocados seguiam adiante, para as semifinais. Os de Avellaneda não tiveram tanto trabalho nessa fase: sem maiores sustos, venceram 10 dos 12 primeiros compromissos, com adversários que incluíam o ainda forte Huracán da época e o Argentinos Juniors de Maradona, e empataram outro, diante do Unión.

O segundo colocado, porém, foi o Belgrano, de Córdoba. O nacional permitia um lugar ao sol a grandes equipes do interior, especialmente as cordobesas, com muitos de seus atletas conseguindo vitrine e chegando à seleção (Osvaldo Ardiles e Mario Kempes, meses depois campeões mundiais, por exemplo, receberam as primeiras convocações vindos do Instituto) e/ou clubes mais prestigiados. E foi diante do Belgrano que a vaga foi selada, em um 3×0 na Doble Visera quatro dias depois do ano-novo.

A única derrota inicial do campeão havia sido exatamente diante dos celestes, 1×2. Após a classificação, diablos reservas perderam os dois jogos que restavam, contra o Atlético Ledesma de Jujuy e o Argentinos Juniors. Dez dias depois de vencer o Pirata, os vermelhos disputaram a primeira semifinal, diante do Estudiantes, arrancando um empate em 1×1 em La Plata (Outes e Carlos López).

O sucesso dos rivais cordobeses Belgrano e Talleres em capa de El Gráfico da época; Valencia e Bochini em edição da véspera da segunda final

O escore da ida se repetiu quatro dias depois em Avellaneda, com Pérez para os mandantes e Alejandro Onnis para os platenses. Na prorrogação, os locais fizeram valer o poder territorial e impuseram um 3×1, com Trossero e Bochini fechando o placar. Três dias depois, receberiam o adversário da final, outro cordobês: o Talleres, arquirrival do Belgrano, que eliminara o Newell’s Old Boys nas semifinais após deixar para trás os grandes Racing e River, além do Vélez Sarsfield, na fase de grupos.

La T não fugia da grande safra que o futebol argentino teve nos anos 70, uma das últimas realmente douradas do país: três jogadores seus iriam à Copa do Mundo que os hermanos receberiam em meses – o zagueiro Luis Galván, que seria titular, e os meias Valencia e Miguel Oviedo. Humberto Bravo poderia ser outro; foi um dos três pré-convocados cortados, ao lado de Víctor Bottaniz e Maradona.

Mas, além do bom time, o clube de Córdoba contaria com forte fator extracampo: a pressão do governador da província, general Luciano Menéndez, da ala mais dura e violenta da ditadura argentina e ansioso pelos bons frutos que um inédito título local poderiam render-lhe. A ida foi na Doble Visera e um gol de pênalti para cada lado (Trossero e Ricardo Cherini) sacramentou empate em 1×1. Para os diablos, restava então vencer ou conseguir empates a partir de 2×2 – havia critério de gols fora de casa.

Em 25 de janeiro, o quadro de Avellaneda pôs-se inicialmente em vantagem, em cabeceio certeiro do artilheiro Outes aos 29 minutos. A polêmica começaria a partir dos 15 da segunda etapa, em pênalti duvidoso assinalado para os mandantes, após a bola resvalar na mão de um defensor rojo. Cherini empatou. 14 minutos depois, veio um favorecimento ainda mais explícito: Roberto Barreiro validou gol de mão de Bocanelli. “Tenho dois filhos e isso me dá vergonha. Expulse-me, expulse-me”, bradou o Galván do Independiente, Rubén (também na Copa 1978), ao árbitro, que lhe “atendeu”.

Bochini (camisa 10) no lance do seu gol e comemorando-o

Barreiro, que nunca mais apitaria, mostrou o vermelho ainda a Trossero (suspenso por 135 dias por ficar a um passo das vias de fato com o juiz) e Larrosa: “isto é uma usurpação”, comentara este, “por que não me expulsam também?”. “Era mais provável que fizessem 3 ou 4 do que empatarmos”, admitiu Bochini, que pensou em ser outro a sair. “Vamos, Bocha, que somos homens”, chegou a lhe tentar Larrosa. O técnico Pastoriza, com serenidade mantida, demoveu os oito restantes da ideia. “Obrigado, senhor Pastoriza. Por esse nacional 1977 que me deu a oportunidade de dar a última volta olímpica com meu velho, enquanto ele dava os últimos dribles na morte”, dedicou-lhe o escritor Eduardo Sacheri.

A improvável igualdade viria a 7 minutos do fim, dos pés do aniversariante, naquele que Pastoriza considera o gol que mais comemorou em toda a vida – e seria ele o técnico das últimas Libertadores e Intercontinental do Independiente, as de 1984. O milagroso empate viera após tabela com o amigo Bertoni (que entrara após a virada no lugar de Magallanes), desta vez com o Bocha concluindo, a exemplo do que ocorrera na decisão da primeira Intercontinental do clube, em 1973.

O forte chute no alto das metas adversárias há 35 anos, na opinião do próprio Bochini, chegou a superar o daquela final contra a Juventus dentro da própria Itália como o momento mais alegre da carreira: “Isto supera. Se juntam muitas coisas. Meu aniversário, a primeira vez que saio campeão (argentino) com o Independiente, porque até agora havia ganhado somente Copas. E tudo o que envolveu a partida”.

“Foi um dos dias mais felizes da minha vida. Não é comum conseguir empatar uma partida com 3 homens a menos, faltando tão poucos minutos e em um campo tão difícil quanto o do Talleres”, também declarou ele, calando os cânticos de vitória dos hinchas cordobeses (que reconheceram o mérito dos campeões, aplaudindo a volta olímpica) e a própria torcida roja, que vinha entoando “Ladrones, Ladrones, así salen campeones”. Como bem sintetizou a El Gráfico: “ia ser drama. Foi epopeia”.

A conquista em relatos da época

FICHA DA PARTIDA (em negrito, jogadores campeões mundiais em 1978)

TALLERES: Rubén Guibaudo; Eduardo Astudillo, Luis Galván, Víctor Binello, Victorio Ocaño; José Reinaldi (Antonio Syeyyguil), Luis Ludueña, Daniel Valencia; Ángel Boccanelli, Humberto Bravo, Ricardo Cherini. T: Ricardo Saporiti

INDEPENDIENTE: Roberto Rigante; Rubén Pagnanini, Hugo Villaverde, Enzo Trossero, Osvaldo Pérez; Omar Larrosa, Rubén Galván, Ricardo Bochini; César Brítez (Mariano Biondi), Norberto Outes, Pedro Magallanes (Daniel Bertoni). T: José Omar Pastoriza.

Local: Estádio Francisco Cabasés (La Boutique)

NOTA: Há exatamente dois anos, já havíamos contado a respeito desta histórica final. Ver aqui.

 

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

3 × 3 =

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.