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Há 20 anos, o Vélez entrava na sua era dourada

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Trotta, Gómez, Sotomayor, Chilavert, Almandoz e Basualdo; Pico, Bassedas, González, Asad e Horacio Bidevich

Há uma semana, contamos o fim dos vitoriosos anos 90 do Vélez (aqui). Agora, lembraremos do início: há 20 anos, o clube voltava a emergir e tornava-se campeão argentino pela segunda vez, a primeira em 25 anos. O técnico? Carlos Bianchi.

Bianchi participara do primeiro título, em 1968, quando ainda era um atacante promissor. O Fortín, porém, não se firmou naquele momento. Depois dali, até os hoje bastante decadentes Chacarita Juniors (1969) e Huracán (1973) conseguiram títulos argentinos. O Vélez chegou no máximo a vices, em 1971 (por conta do próprio Huracán), 1980 e 1985.

Nos anos 80, o clube resolveu trazer medalhões. Omar Larrosa, Osvaldo Piazza, Norberto Alonso, Vicente Pernía, Daniel Killer passaram pelo clube, sem êxito. Os fortineros ainda viram o rival Ferro Carril Oeste ter o melhor período de sua história, inclusive ultrapassando os velezanos em títulos argentinos: o FCO venceu em 1982 e 1984. O nanico Argentinos Jrs também conseguiu dois. Mas estrelas veteranas continuaram a ser a principal aposta: Ubaldo Fillol chegou ao clube para aposentar-se. No início dos anos 90, vieram Juan Gilberto Funes, Oscar Ruggeri e o atual treinador Ricardo Gareca.

Embora nem todos tenham ido de todo o mal em Liniers, não bastaram para que o clube do bairro voltasse às taças. O time vencedor começou a sair do forno três anos antes, com garotos da base e reforços desacreditados. Em 1991, pelo Clausura, surgiram os jovens Christian Bassedas, Mauricio Pellegrino, Héctor Almandoz, Roberto Pompei e José Turu Flores. No Apertura, Patricio Camps e Carlos Compagnucci. É nessa época que chegam Roberto Trotta, ex-Estudiantes, e José Luis Chilavert, chutado do Real Zaragoza. Já com essa base, a equipe consegue o vice no Clausura 1992.

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El Virrey Bianchi como atacante e, há 20 anos, como técnico campeão

O técnico era Eduardo Luján Manera, mais identificado com o Estudiantes mas que havia crescido no bairro de Liniers. Teve o mérito de trazer de fora ou promover da base todos os pilares mencionados acima, mas acabou caindo pouco depois, no Apertura 1992, após uma série de seis jogos sem vitórias. Polido, declarou que “o Vélez assumiu um protagonismo que me permite supor que algo está se gestando. Está faltando ao clube dar um golpe importante. E se deve buscar isso com ansiedade mas sem desespero”.

O interino Roberto Mariani lançou Omar Asad: pesado (92 quilos para 1,77 metros), logo se entrosaria com Turu Flores. A equipe conseguiu ganhar quatro seguidas e empatar duas nos últimos seis jogos, mas preferiu convencer Carlos Bianchi, radicado na França, a voltar para treinar o antigo time. “Voltei porque é o Vélez”, admitiu o Virrey. Que, embora tropeçasse no idioma no início, por vezes dando ordens ou broncas em francês, já sabia de antemão o que esperar, tamanha a dedicação: tinha um informe detalhado das qualidades e defeitos de todos os jogadores, além de passar um mês estudando vídeos das últimas vinte partidas.

Deixando claro a cara do time, Bianchi afirmou ainda que “quando entrei em contato com a gente do Vélez, o primeiro que lhes disse é que minha inquietude era poder trabalhar a longo prazo com um projeto que emoldure o seguimento do jogador desde as divisões inferiores. Porque, por exemplo, um marcador de ponta ou certos postos, o clube os tem que formar e não sair a busca-los afora. O Vélez tem divisões inferiores muito boas e não tem que investir somas de dinheiro nestes postos”.

Bianchi trouxe consigo antigos colegas dos tempos de jogador para trabalharem na base, casos de Pedro Larraquy (na escolinha infantil, criação de Bianchi), Heriberto Correa e Osvaldo Piazza – que sucederia com sucesso Bianchi em 1996, vencendo Clausura e Supercopa naquele ano e a Recopa em 1997. Permitiu-se a saída de Gareca e Alejandro Mancuso, então figuras da equipe e ambos torcedores fanáticos fortineros, mas vindos de fora (El Tigre se formou no Boca e Mancu, no rival Ferro).  Sabia-se que poderiam ser repostos respectivamente no ataque e no meio com os prata-da-casa Asad e Marcelo Gómez. E mandou-se para o ostracismo o ídolo Sergio Zárate (irmão mais velho dos irmãos Rolando e Mauro Zárate, de brilho nos anos 2000), considerado líder negativo por um comandante que não tolerava estrelismos.

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Os artilheiros González e Asad (contra o Talleres do futuro gremista Rivarola) só marcaram 5 cada: a força daquele Vélez era o conjunto

El Turco Asad, com apenas cinco jogos no time adulto e após dezenas de rejeições por inúmeros clubes da Grande Buenos Aires (incluindo o próprio Vélez, em uma primeira tentativa), correspondeu e logo marcaria os dois dos 2-0 sobre o Deportivo Español, na estreia do Clausura 1993. Não houve um grande destaque individual. Asad seria um dos artilheiros dos campeões, mas marcando apenas cinco vezes (especialmente no início), número baixo mesmo para um torneio de turno único em 19 rodadas.

Embora alguns tenham tido suas chances posteriormente, apenas um jogador daquele time alcançou a seleção na época, o experiente meia José Basualdo, que já era componente da Albiceleste anteriormente. A força estava no trabalho eficiente de todas as engrenagens: Almandoz, Trotta, Víctor Sotomayor e Raúl Cardozo formando uma defesa que colaborava bem com Chilavert, fazendo o Vélez sofrer apenas sete gols na campanha toda. Basualdo, Gómez e Bassedas carregavam o piano no meio-de-campo com pegada e velocidade para o enganche Walter Pico armar a dupla ofensiva, formada por Asad e, em revezamento, Esteban González (ausente no início por doença) e Flores. 

González foi o outro artilheiro de 5 gols e era outro reforço desacreditado: surgira no rival Ferro nos anos 80, integrando os verdolagas bicampeões sem muito alarde; destacou-se mais na Libertadores pelo clube, sendo o maior goleador do FCO na competição (7 gols). Mas a carreira não ascendeu e, após passagem apagada pelo Málaga, chegara a Liniers em 1990, logo sendo o artilheiro da temporada argentina de 1990-91. Faltava ao Gallego o título. Há 20 anos, ele tornou-se o primeiro (e, ainda, único) campeão argentino pelos rivais do oeste portenho – ver aqui.

“Ninguém falhou, e hoje posso dizer com orgulho que nunca tive que reprovar-lhes em nada. Cumpriram com essas ganas de ganhar que se necessita para alcançar grandes objetivos. E esta equipe conseguiu. Por isso, estamos felizes. Eles e eu”, declarou Bianchi. “O grupo no meu Vélez era o mais importante. Aquele foi um grupo em que imperava o respeito. Em algum momento vieram nos observar técnicos estrangeiros e o que mais os assombrou foi o grande estado de ânimo que o plantel tinha durante todos os treinos”. Os mais experientes, como Basualdo, Chilavert ou Trotta aconselhavam até a garotada dos juvenis, dos quais muitos adiante seriam integrados no time adulto.

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Chilavert, Sotomayor, Flores, Pellegrino e Pico puxam o Vélez para o jogo do título

A campanha não teve maiores contratempos. Foram só duas derrotas, a primeira só na 7ª rodada, para o River (1-2), então o concorrente pela ponta. E o clube poderia ter sido campeão com duas rodadas de antecipação se não viesse a segunda, na antepenúltima, para o Rosario Central (0-2). Curiosamente, ambas em casa. Ou seja: como visitante, o campeão foi invicto, vencendo quatro (destaque para os 3-0 no Racing) e empatando as outras cinco vezes. O jogo do título, na rodada seguinte ao revés para o Central, também foi fora de casa.

Além de ser campeão antecipado, ainda o time de Bianchi ainda o foi com um empate. Contra o Estudiantes em uma chuvosa La Plata, os titulares foram Chilavert, Almandoz, Pellegrino, Sotomayor e Raúl Cardozo (no clube desde 1986); Basualdo, Gómez, Bassedas e Pico, Flores e González. Já o nome mais conhecido do adversário era um jovem Martín Palermo. O autor do gol do título que abriu uma nova era para o pequeno Vélez não poderia ser mais simbólico: Chilavert.

Velezano já havia dois anos, o paraguaio, de pênalti, aos 30 do segundo tempo, marcou pela primeira vez no clube (e pela terceira na carreira), iniciando uma tônica dos anos 90. Claudio París empatou dez minutos depois, mas o visitante acabou campeão naquele dia mesmo: o novo concorrente, o Independiente, precisava vencer o Belgrano para manter-se na disputa, mas ficou no 0-0 em casa, impedindo a virtual final que ficaria para a rodada seguinte, com um confronto entre ambos previsto para o bairro de Liniers.

O gol de Chilavert foi descrito pela Placar, na época, apenas como “um luxo” ao qual o campeão se permitiu, sem haver como imaginar que Chila viria a se tornar um goleiro-estrela da bola parada, especialmente a partir de 1996 (a mesma impressão pode ser vista na narração e imagens do vídeo abaixo). Assim como nem o mais fanático fortinero imaginaria seriamente que a conquista, cujo temperos extras na época foram a quebra de jejum e igualadade ao Ferro, seria apenas a propulsão para uma era de glórias seguidas pouco vista no país. Desde então, o Vélez Sarsfield tornou-se o mais consistente candidato a entrar no rol dos grandes argentinos, ainda restrito pelos conservadores a Boca, River, Racing, Independiente e San Lorenzo.

http://www.youtube.com/watch?v=LtrdfhYPsyA

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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