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Argentinos de destaque no Nacional

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Mameli e Artime, campeões uruguaios, da Libertadores e da Intercontinental em 1971. Artime foi artilheiro dos campeonatos de 1969-71. Mameli, no de 1972

Há 110 anos, Argentina e Uruguai se enfrentaram pela segunda vez. Os orientales, escalados só com jogadores do Nacional – então um clube com quatro anos de vida -, venceram o clássico pela primeira vez, e em Buenos Aires: veja neste especial do ano passado. Onze décadas depois, vamos relembrar os argentinos de mais sucesso na equipe tricolor (o técnico atual é hermano: Rodolfo Arruabarrena, antigo ídolo do Boca). As cores e os nomes deste gigante mundial têm seus porquês.

Na época, o futebol uruguaio era dominado pela comunidade estrangeira, que vivia algo reclusa, alimentando preconceitos recíprocos com os descendentes de espanhóis e indígenas locais. O Peñarol, por exemplo, era o Central Uruguay Railway Cricket Club. Os outros competidores da liga uruguaia eram o Albion (nome antigo da Grã-Bretanha) e o Deutscher, da colônia alemã. Os uruguaios “nativos”, então, formaram o Nacional, a ter as cores da bandeira de Artigas, pai da independência do país. Por sinal, unia nelas as cores do Partido Blanco e do Colorado, que se digladiavam na política local.

Em tempos onde espectadores apenas aplaudiam, um roupeiro responsável por encher – hinchar, em espanhol – as bolas e que celebrava efusivamente o time fez com que hincha signifique até hoje “torcedor” na América Espanhola. Estádio tricolor, o Gran Parque Central foi o mais importante do país antes do Centenário: era a casa da seleção e lá se realizou o primeiro jogo de futebol do Uruguai, entre Montevideo Cricket e Montevideo Rowing, em 1881. E foi construído na área da chácara onde, em 1811, Artigas foi eleito líder uruguaio. Quem for ao Centenário, no bairro de Parque Batlle, estará a poucos minutos de caminhada do Gran Parque Central, no bairro vizinho de La Blanqueada.

O clube já forneceu vários ídolos ao futebol argentino (Walter Gómez, Juan Ramón Carrasco, Juan Carlos Mesías – mencionado no oscarizado O Segredo dos seus Olhos -, Tomás Rolán, Vladas Douksas, Marcelo Saralegui, Luis Sauco, o brasileiro Domingos da Guia ao Boca…) e teve alguns seus importados de lá, como o meia Marcelino Pérez, filho de espanhóis nascido em Buenos Aires e crescido em Montevidéu, ganhou a Copa América 1935 pela Celeste e é lembrado como um dos nove que jogaram 88 minutos contra os onze do Peñarol na vitoriosa final de 1933. Vamos a outros:

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Atilio García, “o maior atacante que o futebol uruguaio já viu”

O principal foi considerado pela Placar simplesmente como “o maior atacante que o futebol uruguaio já viu”. A matéria era sobre Obdulio Varela, mas a menção era sobre Atilio García, outro argentino na seleção uruguaia. Os números explicam: 464 gols em 435 jogos pelo Nacional. Ninguém marcou tanto no país. Nem no Superclásico local, que o viu anotar 34 gols no Peñarol. Foi oito vezes artilheiro do campeonato (e oito campeão); sete, seguidas. Formado no nanico Platense, viera em 1938 do Boca, onde ficara um mês no final de 1937. Mesmo com 6 gols em 8 jogos no Boca, foi posto à venda. El Bigote faz jus a batizar uma das quatro tribunas do Gran Parque também por outras razões.

Ao chegar, o Peñarol vencera os quatro títulos anteriores. Com o argentino, o Nacional abocanhou os cinco seguintes, algo inédito no país.  No Quinquenio de Oro, García protagonizou lendas, especialmente no clássico. Em 1940, fez quatro gols, recorde para um jogador em um só dérbi, em um 5-1. Em 1941, dois em um 6-0 (máxima goleada) na edição em que seu clube venceu todos os jogos, algo único em campeonatos profissionais de potências do futebol. Seus colegas foram a base da seleção que venceu a Copa América de 1942, a única das cinco em que a Argentina jogou e não ganhou na década.

Foram 32 partidas seguidas vencendo, recorde mundial. Em todo o Quinquenio, o Tricolor jogou 96 vezes e perdeu dez. Dez também foi o número de triunfos seguidos no clássico. O mais heróico, talvez um de 1942: García operou-se de furúnculos na cabeça pela manhã. À tarde, jogou. O Peñarol fez 2-0. O argentino, os três gols da virada, todos de cabeça. Em meio a uma geração uruguaia de ouro, ele, pertencente à também brilhante geração dourada da Argentina na época (veja), brilhou ainda mais. Jogou pelo Uruguai na Copa América de 1945. Parou em 1950. Na época, o clube era o maior campeão nacional e internacional do país e tinha mais vitórias no clássico.

Ao fim da carreira de Atilio, o Nacional teve outro García argentino: José García, apelidado de Miseria não pelo que fazia com a bola, mas pelo aspecto frágil. Reserva de Labruna no River, jogou de 1946-52, vindo como campeão com o Tigre na 2ª divisão de 1945. Fez 67 gols em 141 jogos, quase meio por jogo. Três vezes campeão, destacou-se na taça de 1950: Peñarol, base da seleção campeã mundial, e Nacional terminaram empatados e tiveram que jogar uma partida extra. Atilio García, veterano, já não era titular. E o Miseria resolveu: mesmo marcado por Obdulio Varela, marcou os dois dos 2-0.

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Martino e Sanfilippo, goleadores também no San Lorenzo. À direita, eles em cerimônia do centenário do Nacional, em 1999. Martino faleceria um ano depois

Aquela final contou com outros dois argentinos: o goleiro Andrés Peñalba e o atacante Rinaldo Martino, um craque do San Lorenzo, do qual ainda é o 3º maior artilheiro, e da seleção argentina, bi na Copa América de 1945-46. Defendeu também a italiana, em 1949: estava na Juventus, que com ele voltou a ser campeã depois de 15 anos (os 5 últimos, vencidos pelo rival Torino), hoje algo impensável. Mas não se adaptou à Itália. Resolveu voltar em 1950 mesmo perdendo a chance de disputar a Copa pela Azzurra, para jogar no Boca. Mas acabou impedido pelo regulamento argentino.

O Boca então o emprestou ao Nacional (eles têm amizade). Maravilhou tanto que o Tricolor, em momento de força da moeda uruguaia, o comprou posteriormente. “Atilio García foi o jogador de maior incidência, o de maior peso ao largo da história, mas o melhor jogador, o de mais qualidade, foi Rinaldo Martino. E vi a todos… Martino foi, de longe, o melhor”, atestou o dirigente Hernán Navascués. Campeão também em 1952, ficou até 1953. Chegou a marcar 3 gols em um clássico.

Outro ex-San Lorenzo campeão com o Nacional em 1952 (cujo artilheiro foi Jorge Enrico, também argentino – seria ele o técnico interino que promoveu a estreia de Maradona no time adulto do Argentinos Jrs, em 1976) foi Héctor Rial. Marcou 20 gols em 51 jogos em um passo fugaz, mais brilhante, entre 1952 e 1954, ano em que foi negociado com o Real Madrid de Di Stéfano. Integrante dos pentacampeões da Liga dos Campeões na década, Rial jogaria com Di Stéfano também na seleção espanhola.

A partir de 1958, o Peñarol entrou na fase mais brilhante de sua história. Também conseguiu um Quinquenio e venceu três Libertadores nos anos 60. Quando já tinha duas delas, o Nacional chegou pela primeira vez à final, em 1964. Com outro ex-San Lorenzo como figura. Se Martino é o 3º maior artilheiro, José Sanfilippo é o maior: 200 em 260 jogos e quatro vezes (seguidas) artilheiro do campeonato argentino – só Maradona o superou profissionalmente. Sanfilippo havia se destacado também no Boca; fora vice com ele na Libertadores anterior, e protagonista nas finais contra o Santos.

José García, Rial, Enrico e Rogelio Domínguez

No Tricolor, El Nene jogou pouco: 21 pelo campeonato uruguaio, até sair em 1965. Marcou 25. Autor de dois gols nos 4-2 na semifinal contra o Colo-Colo em plena Santiago, foi o grande desfalque da final daquela Libertadores de 1964, a primeira vencida pelo maior campeão do torneio, o Independiente: antes da decisão, fraturou-se em amistoso contra o Vasco. O oponente levou a melhor após empatar em zero no Uruguai e vencer só por 1-0 em Avellaneda. Rubén Navarro, defensor daquele Independiente e célebre pela truculência, reconheceu que, com Sanfilippo presente, seria quase impossível vencer o Nacional.

De volta da lesão, Sanfilippo foi campeão uruguaio em 1965 marcando 12 vezes em 12 jogos. Um dos colegas de ataque era Pedro Prospitti, vindo exatamente do Independiente algoz de 1964; Prospitti já em 1966 rumaria ao São Paulo, enquanto Sanfilippo acertaria com o Banfield. Em 1967, a Libertadores ficou outra vez no vice, agora para o rival do Independiente, o Racing. O goleiro tricolor era justamente um antigo grande ídolo racinguista, Rogelio Domínguez, que jogara também com Di Stéfano e Rial naquele super Real Madrid. Foi um dos últimos brilhos de sua carreira. Em 1969, em novo vice, agora contra o Estudiantes, o goleiro já era o brasileiro Manga, enquanto Domínguez aposentava-se no Flamengo. O argentino do elenco tricolor era Juan Carlos Mameli.

Ídolo do Belgrano, com o qual fora três vezes campeão cordobês, El Palito Mameli ainda era recém-chegado (estreou em março de 1969, a final foi em maio) e foi reserva ali. Mas depois firmou-se, a ponto de estar entre os dez maiores goleadores do Nacional. Foi sondado para naturalizar-se, mas a implosão de Fernando Morena, do rival Peñarol, afastou os planos de tornar Mameli uruguaio. Ainda assim, ele foi tetra seguido no país de 1969-73 e esteve no elenco que enfim venceu a Libertadores, na revanche contra o Estudiantes em 1971. E com uma dupla ofensiva argentina: Luis Artime.

Artime já se demonstrara um goleador implacável no Atlanta (50 gols em 67 jogos), River (70 em 80), Independiente (45 em 72) e seleção (24 em 25). Ele estava indo bem também no Palmeiras, até Luis Cubilla, com quem jogara no River, sugeri-lo. Falecido neste ano, Cubilla é o único que venceu a Libertadores por Peñarol e Nacional, sendo raro ídolo em comum neles. E o único campeão uruguaio por três times: venceu com o Defensor em 1976 a primeira edição que escapou da dupla principal desde 1931. Em uma equipe com oito integrantes entre os titulares dos semifinalistas da Copa de 1970, Artime mostrou a que veio: entre 1969-71, foi três vezes seguidas artilheiro do campeonato.

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Gallardo, campeão como jogador e técnico. À direita, a primeira revista que a argentina El Gráfico lançou sobre o centenário de um clube: Artime está no alto à esquerda e Atilio é o de bigode. Para não ficar em baixa com torcedores do rival, ela lançou no mesmo ano um sobre os 108 anos do Peñarol…

Na vitoriosa Libertadores de 1971, El Matador marcou dez vezes em 13 jogos, com destaque para dois nos 3-0 no Palmeiras dentro do Pacaembu e outro na finalíssima contra o Estudiantes. Artime também marcou os três gols da igualmente primeira Intercontinental vencida, nos 1-1 contra o Panathinaikos do técnico Puskás na Grécia e 2-0 no Uruguai. Como se não bastasse, destacou-se ainda nos clássicos: venceu 25 vezes o Peñarol, então um recorde de vitórias no dérbi para um jogador. Só foi superado por Pablo Bengoechea, ídolo do rival nos anos 90. O detalhe é que Artime jogou por cinco anos no Uruguai. Bengoechea, que venceu um clássico a mais, passou o dobro de tempo no Peñarol.

Artime e muitos outros debandaram após 1972. O clube só voltou a ser campeão uruguaio em 1977, ainda com um veterano Mameli, e de técnico também argentino, Pedro Dellacha. O hermano campeão seguinte foi o atacante Miguel Ángel Brindisi. Um dos maiores ídolos do Huracán e muito bem no Boca de Maradona, chegou em 1983 e integrou o elenco campeão com 16 pontos de vantagem, que teriam sido 27 se naquela época a vitória já valesse 3 pontos. Deixou sua marca, mas não tão forte: foi negociado ainda em 1983 de volta à Argentina, com o Unión, onde foi bem recordado.

Dali até 1998, o Nacional só seria campeão em 1992. Se os cinco campeonatos anteriores foram vencidos por clubes pequenos, época em que a dupla principal priorizou só a Libertadores, os cinco seguintes seriam todos do segundo Quinquenio de Oro do Peñarol. Em 1992, a taça veio no embalo do panamenho Julio Dely Valdés com sua dupla, o aguerrido Antonio Vidal González, ex-San Martín de Tucumán e Argentinos Jrs. Já o meia Ángel Morales foi campeão em 2008 sem tanta presença.

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Camiseta comemorativa, reproduzindo o modelo usado pela seleção há 110 anos

O último com certo destaque foi Marcelo Gallardo. Antigo candidato a “novo Maradona”, Gallardo foi um dos maiores ídolos do River, com idas e vindas lá. Mas conflitos com os barrabravas por não aceitar a extorsão de alguns que desejavam assistir na África do Sul a Copa de 2010 o tornou perseguido das arquibancadas. Lesões também lhe fizeram sair – pior para o River, que sem El Muñeco (“O Boneco”) acabaria rebaixado em 2011. No mesmo semestre em que o ex-clube passava pelo maior vexame de sua história, o meia encerrava a carreira como campeão uruguaio no Tricolor.

Gallardo seguiu no Nacional na temporada seguinte, agora como técnico, e foi outra vez campeão, algo que nem argentinos mais renomados na função conseguiram no clube: Alfio Basile (de grandes trabalhos no Racing e na seleção), Eduardo Luján Manera (no Estudiantes) e Juan Hohberg (no rival Peñarol, onde é ídolo, e na seleção uruguaia, onde também jogou) foram outros técnicos argentinos antes de Arruabarrena. Só Dellacha e Gallardo foram mesmo campeões. O clube também já teve dois presidentes argentinos: Bernardino Daglio e Roberto Espil.

*Acréscimo em 02-12-2013 – também fizemos especial só sobre Luis Artime: clique aqui.

*Acréscimo em 12-12-2013 – também fizemos especial só sobre Atilio García: clique aqui.

*Acréscimo em 12-03-2014 – também fizemos especial sobre argentinos de destaque no Peñarol: clique aqui.

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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