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25 anos da primeira final de Libertadores do Newell’s

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Lance do jovem Batistuta na final. Parece nervoso e desajeitado. E era mesmo, como foi o Newell’s na final há 25 anos. Bati só demonstraria mais amadurecimento já no Boca Juniors, em 1991

O Newell’s é o clube argentino da moda. Entre os brasileiros, especialmente pela trajetória na Libertadores, onde poderia ter sido finalista – como o apagão na semifinal deu-se não no estádio dele, mas no do Atlético, não se “sentenciou” por aqui que ele é desleal e catimbeiro. Na verdade, os rubronegros vêm é retomando sua melhor época, entre 1988 e 1992, quando foram três vezes campeões argentinos (se igualando em títulos ao rival Rosario Central) e duas vezes vice na mesma Libertadores. O primeiro desses vices completa hoje 25 anos.

Um pouco de 1988? Quem ocupava o Afeganistão eram os soviéticos. O Congresso Brasileiro promulgava uma Constituição (poucos dias antes da final sul-americana, por sinal, em 5 de outubro) de primeiro mundo que um país de terceiro ainda luta para efetivar, e nem imaginava que décadas depois um dos parlamentares seria um jovem atacante do Vasco bicampeão carioca com sabor de cocada: Romário, transferido ao recém-campeão europeu PSV Eindhoven após fazer sucesso nas Olimpíadas de Seul. Jogos marcados por um jamaicano: não Usain Bolt, mas Ben Johnson. Naturalizado canadense, ele quebrou o recorde dos 100 metros rasos, mas perdeu o ouro ganho com folga após ser flagrado no antidoping – exato um mês antes, em 26 de setembro.

Ao som de Appetite for Destruction, lançado ainda em 1987, o futebol europeu via a ainda respeitada URSS ser encoberta por Van Basten na Eurocopa da Alemanha Ocidental – falando nela, o Muro de Berlim entrava nos seus últimos meses. O Napoli de Maradona e Careca começar a vencer a Copa da UEFA e um brasileiro se destacava pelos gols no Atlético de Madrid: não Diego Costa, mas Baltazar, que de fato terminaria artilheiro do Espanhol na temporada. Na Itália, que lançava Cinema Paradiso, Rijkaard vinha para completar o trio holandês em um Milan que viraria o melhor time do mundo.

Naquela Libertadores, os brasileiros foram Sport e Guarani, proclamados campeão e vice do polêmico 1987. Realizaram suas partidas com a televisão tupiniquim acabado de ganhar a TV Pirata em abril, acabado de perder Chacrinha em junho e prestes a exibir o primeiro título de Ayrton Senna na Fórmula 1 (quatro dias depois das finais da Libertadores) antes de se dedicar a cobrir um Chico Mendes de repente célebre só após ser assassinado ao fim do ano. Um dia antes de Chico, dois argentinos estiveram entre as vítimas do atentado aéreo de Lockerbie, ordenado pelo ditador líbio Muammar Gaddafi.

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Botões de jogadores do time-base do Newell’s naquela Libertadores: Franco, Martino, Scoponi, Theiler, Pautasso e Sensini; Ramos, Rossi, Llop, Batistuta e Almirón

Do lado esportivo argentino, o cenário era assim: o Independiente ainda era o time respeitado, tanto que terminaria a temporada de 1988-89 campeão. O Racing havia conseguido um título, a da primeira Supercopa (clique aqui). O hoje poderoso Vélez se via em desvantagem para seu rival, o sumido Ferro Carril Oeste, então com mais títulos nacionais e premiado pela UNESCO em março (clique aqui). O Newell’s havia acabado de ser campeão da temporada 1987-88 (clique aqui) e assim disputou a Libertadores, na época realizada no segundo semestre.

Na época, o segundo representante argentino não era o segundo colocado e sim o campeão da liguilla pre-Libertadores, uma repescagem travada dos que ficaram da 2ª à 8ª colocação mais o campeão da segundona, o extinto Deportivo Mandiyú (clique aqui). Quem venceu a liguilla foi o San Lorenzo, do goleiro Chilavert. A liguilla, aliás, ela era uma das decepções que o Newell’s vinha sabendo contornar. Ele havia perdido a de 1986 para o Boca mesmo após ter vencido por 2-0 na Bombonera, com dois gols do atual técnico do Barcelona, Gerardo Martino, e aberto 1-0 no jogo de volta, em Rosário: os auriazuis conseguiram virar para 4-1: clique aqui.

Em seguida, no campeonato de 1986-87, Martino e colegas terminaram vices justo para o maior rival, o Rosario Central, que acabava de voltar da segundona (clique aqui). Mas o título de 1987-88, se foi uma volta por cima, também teve efeitos colaterais: as revelações ofensivas leprosas, Gustavo Dezotti e Abel Balbo, foram à Lazio e River (que também levou o lateral Fabián Basualdo), respectivamente; eles, que eram concorrentes e não uma dupla, estariam juntos na Copa de 1990.

Outro atacante histórico, Víctor Ramos, maior artilheiro da história do Ñuls, já estava à beira da aposentadoria. Sem suprir direito esses desfalques, o clube empatou seus quatro primeiros jogos na Libertadores: 0-0 em casa com o San Lorenzo, 1-1 e 0-0 respectivamente com os equatorianos do Filibanco (gol de Balbo em um de seus últimos jogos) e Barcelona (o time de Guayaquil, vale a curiosidade, contava com o veterano ídolo flamenguista Adílio) fora; e outro 0-0 com o San Lorenzo, em Buenos Aires. Mesmo assim, a Lepra terminou líder, em um grupo onde só o Filibanco destoava.

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O goleiro Scoponi impede as intenções de gol do San Lorenzo; Gabrich marca na ida da final

Venceu-se por 1-0 o Filibanco no quinto jogo, gol de Jorge Theiler, segundo maior zagueiro-artilheiro do clube; e garantiu a classificação em confronto direto contra o Barcelona: 3-0 em Rosario (dois de Juan José Rossi e um de Jorge Pautasso, atual assistente de Martino). E ainda venceu o San Lorenzo por um play-off pela primeira colocação – 1-0, em um dos últimos gols de Víctor Ramos. Outros deles seria nas oitavas, na vitória por 1-0 sobre o Bolívar, que havia vencido pelo mesmo placar em casa – um golaço, erguendo a bola na entrada da grande área e girando para emendar com um chute. Nos pênaltis, Scoponi brilhou, pegando o de Fernando Salinas.

A fase seguinte não foi quartas-de-final, e sim terças: reuniu só três mata-matas, mas classificaria quatro times. Como? Na engenhosidade da Conmebol, seriam os três vencedores junto com o “melhor perdedor”. Os argentinos tiveram pela frente a dupla uruguaia, que na época só se focava na Libertadores: o campeonato uruguaio foi vencido em sequências inéditas por clubes pequenos na época (Defensor, duas vezes, Danubio, Progreso e Bella Vista, entre 1987 e 1991). O San Lorenzo eliminou o Peñarol, mas o Nacional levou a melhor sobre o Newell’s: 1-1 em Rosario e 2-1 em Montevidéu.

Só que o NOB, com 2-3 no agregado, foi exatamente o “melhor perdedor” (na outra terça, o América de Cali dos argentinos Ricardo Gareca e Julio César Falcioni fez 3-1 agregado no Oriente Petrolero) e passaram às semis: novo encontro caseiro com o San Lorenzo. O oponente é, ainda hoje, o único dos cinco grandes argentinos (Boca, River, Racing e Independiente são os outros) que não venceu a Libertadores e mais do que nunca esteve perto de uma final, que também nunca disputou. Sem nem casa própria – perderam o estádio Gasómetro em 1979 e só ergueriam o Nuevo Gasómetro em 1993 – mas com muita raça, aquele elenco sanlorencista, conhecido como Camboyanos, estava muito querido.

Insensível a isso, os rosarinos venceram em casa por 1-0, gol de Alfaro. E, em Buenos Aires, abriram 2-0. O segundo gol teve destaque histórico não percebido na época; foi o primeiro da carreira de um recém-lançado das juvenis leprosas para substituir Balbo e Dezotti: Gabriel Batistuta, que nem sonhava que seria um dia o maior artilheiro da seleção. O Sanloré ainda descontou, mas não foi além. Meteoricamente, um Newell’s que não há muito colecionava desgostos e ainda sentia visivelmente a ausência dos recém-vendidos estava na final da Libertadores, de novo com o Nacional pela frente.

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Os garotos Batistuta e Darío Franco, lançados naquele segundo semestre, comemoram a vitória na ida; mas, na volta, a apreensão de Theiler, Scoponi e demais era visível na saída do túnel do Centenário

Se o San Lorenzo tinha motivos extras para vencer, o novo adversário também: o Peñarol fora o campeão de 1987 (falamos aqui) e os tricolores queriam diminuir a desvantagem. O mítico Hugo de León, que até pensava em se aposentar, voltou ao clube justo para as fases decisivas da Libertadores. O primeiro jogo foi em Rosário e os argentinos sonharam: Jorge Gabrich saiu da reserva para marcar o gol da vitória por 1-0. O técnico José Yudica colocou para a volta em Montevidéu praticamente o mesmo time titular, mas com Gabrich no lugar de quem substituiu na ida, Sergio Almirón.

Não deu. Então tarimbadíssimos na Libertadores, os uruguaios, com 36 minutos de jogo no Centenário, já haviam feito 2-0, com Vargas e Ostolaza, grande herói da Intercontinental sobre o PSV de Romário e Koeman. O que não garantia o título ainda, mas praticamente. Se no ano anterior a quantidade de gols não importava a princípio na final (se cada finalista vencesse uma partida, forçaria um jogo-extra em campo neutro, onde aí sim o de melhor saldo teria vantagem do empate), naquele também não, em outra estranheza da Conmebol: em vez de jogo-extra, haveria prorrogação, onde aí sim o saldo de gols seria usado. A doze minutos do fim, o simbólico De León marcou o terceiro.

Veio a prorrogação, mas o placar muito adverso não renovou as energias dos novatos. Os 3-0 se mantiveram ao fim dos 120 minutos. O Nacional e o futebol uruguaio venciam a Libertadores pela última vez. Já a Lepra, que não deixou de ser bem recebida pela torcida na volta à Argentina, entraria em baixa momentânea: em 1990, promoveu um técnico juvenil, Marcelo Bielsa, pensando em não ser rebaixada. Com um time quase todo reformulado, à exceção de Rossi, Scoponi e a dupla de volantes Llop e Martino, um novo Newell’s iria um pouco mais longe. Essa história você vê clicando aqui e aqui.

FICHA DA PARTIDA – Nacional: Jorge Seré, José Pintos Saldanha, Felipe Revelez, Hugo de León e Carlos Soca; Yubert Lemos, Santiago Ostolaza, Martín Cardaccio e William Castro (Héctor Morán 11/1º); Ernesto Vargas (Daniel Carreño 9/2º) e Juan de Lima. T: Roberto Fleitas. Newell’s: Norberto Scoponi, Juan Llop (Víctor Ramos), Jorge Theiler, Jorge Pautasso e Roberto Sensini; Gerardo Martino, Darío Franco, Roque Alfaro (Sergio Almirón 1/2º) e Juan José Rossi; Jorge Gabrich e Gabriel Batistuta. T: José Yudica. Árbitro: Arnaldo Cézar Coelho (BRA). Gols: Vargas (13/1º), Ostolaza (36/1º) e De León (33/2º)

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A derrota não manchou aquele Newell’s para seus torcedores. 25 anos depois, o clube reuniu para partida festiva os jogadores da época com os atuais, cumprimentados por Tata Martino, técnico deles até pouco tempo atrás e hoje no Barcelona (acaba de vencer seu primeiro clássico contra o Real Madrid)

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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