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105 anos do Huracán: é um grande com história

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Novembro sempre começa com um time tradicional completando idade nova: o Club Atlético Huracán. A equipe do bairro de Parque Patricios fez redondos 105 anos no dia 1, mas um equívoco nos levou a tratar disso hoje, no dia 11. Poucos clubes reproduzem tão bem a capital federal. Seja pela decadência, seja por ser de uma área mais “normal” e menos turística, seja por ter sido fundado duas vezes.

Há 110 anos, em 1903, a instituição foi fundada não em Parque Patricios, mas no vizinho Nueva Pompeya, por estudantes do Colégio Luppi. O time debandou e foi reorganizado meia década depois. Na época, Jorge Newbery, entusiasta do esporte (praticava boxe, natação, esgrima, vôlei, integrou o primeiro time não-britânico de rúgbi do país, o da Faculdade de Engenharia) e da aviação, causava sensação ao ir da capital à Bagé cruzando o Uruguai a bordo do balão El Huracán – “O Furacão”.

O aviador seria grande mecenas do time. Autorizou-o a usar o balão (Globo, em espanhol) como distintivo em 1911 e usou sua influência como diretor de iluminação pública para arranjar terrenos em tamanho de campo oficial e que fossem habilitados como huracanenses pelo presidente da Associação Argentina de Football, Hugo Wilson. A área ficava em Parque Patricios, a partir dali um reduto oficial.

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Newbery faleceu em 1 de março de 1914, em queda de avião. Já havia sido homenageado não apenas no nome da instituição: o time ingressou na Associação na 3ª divisão dela, em 1912, e a conquistou já ali. Outro ano depois, em 1913, novo acesso seguido, agora à elite. “Cumprimos. O Club Atlético Huracán, sem interrupção, conquistou três categorias, ascendendo à Primeira Divisão, tal como o balão que cruzou três repúblicas” foi o telegrama que os jogadores puderam enviar a um Newbery ainda vivo.

Só em 1915 é que o San Lorenzo, do bairro vizinho de Boedo, também entraria na elite, proporcionando o primeiro clássico. Outro ano depois, os primeiros jogadores na seleção: o volante Pedro Martínez e o próprio José Laguna, primeiro presidente do clube e que estreou de forma curiosa na Albiceleste: estava nas arquibancadas para o jogo contra o Brasil pela primeira Copa América. O racinguista Alberto Ohaco não poderia jogar. Buscaram Laguna aos gritos nas tribunas e ele marcou no empate em 1-1.

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Newbery no seu “globo” e o Huracán de 1925: Stábile é o terceiro agachado e Onzari, o último

No início, a rivalidade mais forte era com o Boca, também da humilde região sul de Buenos Aires: em 1919, houve cisão na Associação Argentina de Football. River e San Lorenzo (e Racing e Independiente) passaram à liga dissidente. Boca e Huracán permaneceram na AAF e disputaram os títulos: os auriazuis conseguiram os dois primeiros e os quemeros (Parque Patricios tinha áreas para queima de lixo), os dois seguintes, em 1921 e 1922. O terceiro veio em 1925. As ligas se uniram em 1927. O San Lorenzo foi campeão. O Globo respondeu sendo em 1928. Daí, a rivalidade entre estes foi acesa.

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Os anos 20 e seus quatro títulos foram a época dourada do clube, que virou uma inspiração para times recém-fundados no interior: os de Corrientes, Ingeniero White, San Rafael e Tres Arroyos, que revelou Rodrigo Palacio, já estiveram na elite. Nenhum outro clube teve tantas “cópias” nela. Dos jogadores daqueles tempos, destaque para Cesáreo Onzari, autor do primeiro gol olímpico, em 1924 (e primeiro jogador argentino operado nos joelhos, com técnica importada da Primeira Guerra Mundial…); e, especialmente, Guillermo Stábile, artilheiro da primeira Copa do Mundo, em 1930. Jogou só 4 vezes pela seleção, todas na Copa. Marcou 8.

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Se Stábile fez 2 gols por jogo pela Argentina, também foi do Huracán quem tem melhor média entre os que jogaram pela seleção mais de dez vezes: Herminio Masantonio. “Foi um goleador fantástico entre 1935 e 1942, marcou pela seleção 21 gols em 19 jogos: 1,105 [de média de gols]. E ninguém se lembra dele…”: palavras de abril de 2012 da brasileira Revista ESPN, em texto intitulado O que Messi nunca vai ser, em alusão à média de gols meio baixa dele pela seleção. Masantonio jogou de 1931 a 1943, e rapidamente em 1945, pelo Globo. É o maior artilheiro dele, com 254 gols, 10 deles no San Lorenzo. Na época, era o maior artilheiro desse clássico e também o segundo do futebol argentino.

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Masantonio, Méndez, Baldonedo e Di Stéfano: atacantes dos anos 40, quando o clube era “oficialmente” grande

Faltou a Masa (e ao colega Jorge Alberti, zagueiro que jogou de 1930 a 1947, sendo o mais longevo do clube) um título nacional. De 1931 a 1968, só cinco foram campeões: Boca, River, Racing, Independiente e San Lorenzo, exatamente “os cinco grandes”, oficializados assim em 1937 pela AFA (que lhes dera votos de peso triplo nas diretrizes) por terem ao menos 2 títulos, 20 anos ininterruptos na elite e 15 mil sócios – único quesito que faltava ao Globo.

Isso foi “resolvido” em 1939. Stábile voltava da Europa como técnico do Huracán, que desde a taça de 1928 não vinha passando do 6º lugar. Intrometeu-se com um vice, após ter liderado o primeiro turno. Em 1940, foi 3º. O número de sócios explodiu. Em 1941, La Quema também passou a ter peso triplo nos votos (diferenciação encerrada aos seis clubes em 1949), se popularizando ainda mais como “O Sexto Grande”. Em 1945, quando Masantonio parou, o clube só tinha 500 sócios a menos que o Boca.

Masantonio representou uma era, mas não resumia o Huracán. Tanto que a maior goleada do clube até então (10-4 no Rosario Central, em 1945) e a maior no clássico (5-1 no San Lorenzo em 1944) vieram sem ele. Outros goleadores eram Emilio Baldonedo, que chegou a marcar 7 no Brasil em 1940, e Norberto Méndez, maior artilheiro da Copa América, com 15. O jovem Alfredo Di Stéfano também passou por lá, em 1946, emprestado pelo River. Só que a defesa destoava (veja mais no especial de Méndez, abaixo). Em 1947, o novo estádio, o charmoso Tomás Adolfo Ducó, enfim foi estreado.

Especial: 15 anos sem o maior artilheiro da Copa América

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Especial: 1950 e os dois quase-rebaixamentos do Huracán

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Em 1949, após perder para o Racing o próprio Méndez e ainda Llamil Simes (que seria artilheiro do campeonato daquele ano e o Racing, campeão após 24 anos) e Juan Carlos Salvini (autor de 3 gols naquele 5-1 no San Lorenzo) o Huracán quase caiu. Os anos 50 foram mornos, mas o time seguia visto como Sexto Grande: é dessa época uma publicidade de cigarros que demonstra isso, assim como declaração do maior artilheiro do San Lorenzo, José Sanfilippo, que tem sobrinhos huracanenses: “o sexto grande é o Huracán. A pergunta não deveria ser feita. Os grandes sempre foram seis”.

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Brindisi; Houseman, Avallay e Basile com os loiros Babington e Larrosa; Menotti; e Ardiles: dos saudosos anos 70

Mas vieram os anos 60 e o cenário piorou. Seguia longe das cabeças e via clubes de porte menor campeões (Estudiantes, Vélez e Chacarita) e o San Lorenzo em sua melhor época. A ressurreição veio no início dos anos 70. Em 1973, um jejum de 45 anos, ainda maior que o atual, acabou em uma campanha arrasadora de um futebol que enchia os olhos de quem vivera a romântica era argentina dourada dos anos 30 e 40. Já dedicamos diversos especiais a esta trajetória:

Especial: Huracán 1973: O único título del Sexto Grande

Especial: Huracán, a 38 anos do último título

Especial: 40 anos do Huracán campeão pela última vez

Especial: Noite do Futebol em Catamarca, ou “Por que vale a pena torcer por um time pequeno”

Especial: Huracán: um “ex-grande” no caminho do River

O lateral Jorge Carrascosa e os atacantes René Houseman, Carlos Babington e Miguel Brindisi fizeram o clube ser o mais representado na seleção na Copa 1974, que deveria ter ainda com outro atacante, Roque Avallay, que se contundira em amistoso prévio. Curiosamente, o artilheiro do campeão foi outro: Omar Larrosa, que iria à Copa 1978. Outros de destaque estavam na retaguarda, especialmente os zagueiros Alfio Basile e Daniel Buglione. Em 1999, o Huracán de 1973 e a célebre La Máquina do River dos anos 40 foram os esquadrões do século mais votados em eleição do Olé.

Nesse período, Brindisi chegou a ser quem mais vezes atuou pela seleção. O primeiro a superá-lo foi justamente Houseman, que foi à Copa 1978 também. Mundial vencido sob o mesmo técnico daquele Huracán 1973: César Menotti, que assumira a seleção credenciado por isso após a Copa 1974. O clube só teve menos jogadores que o River em 1978: além de Houseman, também o goleiro Héctor Baley (talvez o mais célebre negro na seleção) e o volante Osvaldo Ardiles. Deveria haver outro: Carrascosa, mas ele abdicou às vésperas do torneio. Era nada menos que o capitão da seleção, e não Passarella.

O time fora vice em 1975, treinado pelo brasileiro Delém. Também em 1976, quando venceu os cinco clássicos contra o San Lorenzo, mas com a decepção de liderar a fase inicial com 8 pontos de vantagem em época em que a vitória valia 2 e não 3, para depois ficar atrás do Boca. A aura de “sexto grande” ainda era forte e foi reforçada pelos rebaixamentos de San Lorenzo em 1981 e de Racing em 1983: só Huracán, River, Independiente e Boca passavam a ser os que nunca haviam caído. Só que o Globo caiu em 1986, após perder nos pênaltis a repescagem contra Sportivo Italiano, clube com 30 anos de vida.

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Pastore no dia em que o Huracán fez 4-0 no River no Monumental em 2009: vice polêmico

A volta, sob o mesmo Babington de 1973 como técnico, demorou quatro anos e foi embalada na artilharia de Sergio Saturno e no gol de cabeça de Antonio Mohamed. Fanático pelo clube, ele é o maior ídolo da fase decadente. Teria até perdido de propósito gol contra o time, quando o enfrentou em 1993 pelo Boca. Outro jogador de 1990 era o defensor Héctor Cúper, que antes de ser técnico na Inter de Milão, treinou o Huracán vice de 1994. Sem estrelas, o aplicado time era líder até a última rodada, mas foi ultrapassado pelo Independiente em confronto direto na casa adversária. Naquele ano, as vitórias passaram a valer 3 pontos, mas a mudança só foi implementada na Argentina um ano depois. Se já valassem, o Globo teria sido campeão antecipado… a decadência ficou mais forte nos anos seguintes.

Especial: Antonio Mohamed x Huracán: fonte de suspeitas

Especial: Os “Turcos” do futebol argentino

A condição de “sexto grande” ficou cada vez mais ameaçada, especialmente pelo Vélez, em ascensão meteórica a partir daquele mesmo 1994. Em 1999, novo rebaixamento. Voltou já em 2000, novamente com Babington de treinador e com destaque para o goleador Gastón Casas e os meias Lucho González e Daniel Montenegro. Mas tornou a cair em 2003. Mohamed, como técnico, conduziu novo acesso em 2007. Em 2009, então, o Huracán surpreendeu o país. Matías Defederico, Patricio Toranzo, Leandro Díaz, Mario Bolatti e, sobretudo, Javier Pastore aplicavam um vistoso tiki tiki, como foi chamado aquele belo futebol pregado pelo técnico Ángel Cappa.

Especial: Pastore: O verdadeiro ‘novo Messi’

Blog FP: Huracán: do céu ao inferno em 2 anos

Novamente, um empate na última rodada em confronto direto contra o segundo (o Vélez) na casa adversária devolvia o título a Parque Patricios. Mas uma tarde das mais dramáticas com direito a chuva de granizo despedaçou o sonho, assim como a arbitragem desastrosa de Héctor Brazenas. Mesmo mantendo a base, a depressão pela perda fez o Huracán desabar. Menos de dois anos depois, veio o quarto rebaixamento. Enquanto espera o Globo, como o balão de Newbery, subir novamente, a fiel torcida quemera não deixa de festejar a idade nova. “Vai voltar. É um grande com história”, sentenciou Houseman. Abaixo, vídeo do centenário ao som da apropriada “Resistiré” (a seguir, a letra):

“Quando perco todas as partidas; quando durmo com a solidão; quando me fechem as saídas; e a noite não me deixe em paz; quando sinto medo do silêncio; quando custe me manter em pé; quando se rebelem as lembranças; e me ponham contra a parede: resistirei, erguido frente a tudo! Me envolverei de ferro para endurecer a pele. E embora os ventos da vida soprem forte, sou como o junco, que se dobra, mas sempre segue em pé!

Resistirei, para seguir vivendo! E suportarei os golpes e jamais me renderei! E embora os sonhos me rompam em pedaços: resistirei, resistirei… Quando o mundo perde toda a magia; quando meu inimigo seja eu; quando me apunhale a nostalgia; e não reconheça nem minha voz; quando me ameace a loucura; quando minha moeda saia coroa; quando o diabo passe a fatura; ou si alguma vez me faltas tu: resistirei…”

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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