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Elementos em comum entre Botafogo e San Lorenzo

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Loco Abreu, o último ídolo em comum

Após um 2013 redentor, San Lorenzo e Botafogo promovem sua estreia na Libertadores 2014 um contra o outro amanhã. Foi em confronto entre eles em 1939 que estreou profissionalmente Heleno de Freitas, como bem lembraram os amigos do Impedimento (clique aqui). Inclusive, aquele duelo em 21 de dezembro marcou também a estreia sanlorencista em solo brasileiro, em um auspicioso 5-1. O que não falta aos dois listrados são semelhanças, incluindo jogadores em comum. Curiosamente, quem deu certo em um também virou ídolo no outro, mas o inverso também costumou ser seguido à risca.

Semelhanças na trajetória

A Libertadores é vedete para ambos por razões extras: jamais a levaram. Dos doze grandes brasileiros, só o Botafogo e o Fluminense ainda não conseguiram – com o Flu tendo um vice. Para o San Lorenzo, a situação é pior: é o único dos cinco grandes (Boca, River, Racing e Independiente são os outros) que não tem o troféu, já erguido até por Vélez, Argentinos Jrs e Estudiantes, muito mais reconhecidos internacionalmente do que no próprio país. Por isso, a sigla CASLA, de Club Atlético San Lorenzo de Almagro, é satirizada para Club Atlético Sin (“Sem”) Libertadores de América.

Por enquanto, ambos têm de se satisfazer com troféus continentais menores, como a Copa Conmebol, vencida pelo Fogão em 1993, e a Sul-Americana, levantada pelo San Lorenzo em 2002. Também enfrentaram jejuns dos mais longos em seus países, ambos por 21 anos: o alvinegro durou de 1968 a 1989, e o azulgrana, de 1974 a 1995. A dupla também já passou pelo drama do rebaixamento. O San Lorenzo foi o primeiro grande argentino a cair, em 1981, gerando comoção tão grande que os descensos passaram a levar em conta as médias de pontos do campeonato corrente com o anterior.

O Brasil, que vira o Fluminense cair duas vezes seguidas, em 1996 e 1997, chegou a implementar algo parecido com os famigerados promedios argentinos em 1998, mas curiosamente a ideia não salvou o Botafogo em 1999. A queda só foi evitada pelo Caso Sandro Hiroshi, que indiretamente rebaixou no lugar o Gama, que, revoltado, foi à justiça comum. A confusão levaria à Copa João Havelange, que na prática “anulou” os rebaixamentos de 1999 e repôs o Flu na elite. Os promedios não foram mais usados no Brasil (continuam até hoje na Argentina). O Glorioso voltaria a cair em 2002.

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O classudo zagueiro Basso

Ambos já perderam estádio: o sanlorencista Gasómetro era o maior do país. Os terrenos foram cedidos em 1979 por suposta pressão da ditadura e o que chegou a ser o Wembley Argentino hoje é uma filial do Carrefour. Só em 1993 o clube voltou a ter casa própria, mas o Nuevo Gasómetro nunca caiu totalmente no gosto dos torcedores: ao contrário da antiga cancha, não está no bairro de Boedo, reduto do Ciclón em Buenos Aires. Ainda que o bairro de Flores não seja distante, a vizinhança em volta não é aprazível (o brincalhão Héctor Veira, maior ídolo do clube, já declarou que até o Rambo já foi assaltado por lá).

Só a partir de 2012 é que se decidiu que o San Lorenzo reaverá seu antigo terreno em Boedo, mediante compras lote a lote com a ajuda da torcida. O Botafogo viveu situação parecida: também no fim dos anos 70 (em 1977), perdeu seu campo de General Severiano. Quando o teve de volta, em 1992, a sede já havia sido demolida e dado lugar a um shopping. O clube passou a mandar seus jogos em outros ares também, como no Caio Martins, em Niterói, ou no Engenhão, na Zona Norte.

Ídolos em comum

O primeiro foi o zagueiro-central Oscar Basso. Em uma época onde já predominavam defensores ásperos na Argentina, se destacou pelo jogo técnico e limpo. Surgiu no Tigre, passou ao River, mas não saía da reserva em Núñez e chegou ao CASLA em 1944. Seu ponto alto foi no título de 1946, que desfez jejum de dez anos (que na época seria treze, já que o título de 1936 só foi reconhecido no ano passado). Mais de meio século à frente do Bom Senso FC, Basso liderou a formação do sindicato de jogadores argentinos em 1948 e a longa greve que a categoria fez ao fim daquele ano. Era uma época em que ser jogador ainda era uma atividade quase marginal de salários baixos e contratos algo escravagistas.

O insucesso da greve levou muitos astros ao atraente Eldorado Colombiano, como Di Stéfano. Já Basso foi à Internazionale. Após uma temporada, chegou ao Botafogo. Jogou só 17 vezes e não foi campeão, mas seu desempenho o levou a ser eleito duas vezes pela Placar para o hipotético time dos sonhos do clube, em 1982 e 1994, com votos de Armando Nogueira, Zagallo e Nilton Santos, dentre outros: “era um argentino louro, alto, de técnica refinada, como o Domingos da Guia”, relatou outro eleitor, o radialista Luís Mendes. Veja você mesmo clicando aqui (página 53) e aqui (página 55).

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“El Lobo” Fischer: o primeiro “estrangeiro” na seleção foi o botafoguense

O atacante Rodolfo Fischer, por sinal filho de um brasileiro gaúcho, pintou no San Lorenzo em 1965 e à princípio custou-se para se firmar. Superado isso, irrompeu a ponto de ser o quarto maior artilheiro do clube. Antes xingado, seus antigos detratores, os torcedores, clamaram para recusar a oferta de 45 milhões de pesos do River no início de 1968, e correspondeu: naquele ano foi um dos pilares do primeiro campeonato ganho na Argentina de forma invicta na era profissional, incluindo o gol do título sobre o Estudiantes recém-campeão da Libertadores (clique aqui).

Em 1972, El Lobo participou do início de outra campanha histórica, que faria o San Lorenzo ser o primeiro clube a obter os dois principais torneios do país, o Metropolitano e o Nacional (clique aqui). No mesmo ano, passou ao Botafogo, do qual foi  o primeiro usado pela seleção a partir do exterior. Naquele mesmo 1972, foi vice brasileiro e marcou dois no celebrado 6-0 no Flamengo. Foi semifinalista da Libertadores 1973, o mais perto que o alvinegro já chegou da inédita taça. Nos primórdios do jejum botafoguense, Fischer não conseguiu títulos. Mas é o forasteiro que mais jogou e marcou pelo Fogão. Era o maior artilheiro estrangeiro do Brasileirão até Aristizábal superá-lo em 2003.

Mais recentemente, foi a vez de outro atacante temperamental: o uruguaio Sebastián Loco Abreu. Foi importado em 1996 do Defensor, estreou com gol no Boca e continuou um goleador explosivo, a ponto de ser logo vendido ao na época Super Deportivo La Coruña por 10 milhões de dólares (havia custado 700 mil). Faltou um título para coroar a rápida passagem. Ele finalmente veio na segunda, em 2001. Ainda que tenha sido reserva por conta da grande fase de Bernardo Romeo (raríssimo jogador local ocasionalmente aproveitado por Bielsa), deixou seus golzinhos, como dois no Chacarita e outro no Boca.

Após um sem-número de clubes, incluindo o River, chegou já veterano ao Botafogo, em 2010. Logo virou ídolo, seja por estripulias, popularizando a cavadinha; seja pelo imediato título estadual naquele mesmo ano e pelo bom Brasileirão; e, é claro, a seriedade com que se empenhava contra adversários (e até mídia metida a besta). Segundo maior goleador estrangeiro do Glorioso, antes de ser ofuscado pelo sucesso ainda maior de Seedorf era o ídolo mais carismático do Botafogo desde Túlio Maravilha.

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Tim como jogador do Fogão (sem êxito) e técnico do Ciclón (com história). Álvez, fracasso na dupla

Outras figuras

Valdemar de Brito passou à história, em primeiro lugar, como descobridor de Pelé. Depois, como um ídolo do nascente São Paulo. Mas não como ídolo do Botafogo, onde jogou só duas vezes no título estadual de 1934. Viera ao clube após a Copa do Mundo, onde o alvinegro formara a base da seleção; o folclórico dirigente botafoguense Carlito Rocha fora um dos principais responsáveis pela viagem e talvez sem ele o Brasil perdesse a marca de único presente em todas as Copas.

Tudo porque o Fogão remanescera como o principal clube amador e a CBD ainda prezava o amadorismo, e manobrou para que os principais craques passassem ao alvinegro para disputarem o mundial – foi assim que o ídolo Patesko também chegou a General Severiano, por exemplo. Já em 1935 Valdemar passou ao San Lorenzo, onde seu irmão Petronilho brilhava: clique aqui. Estreou marcando três vezes no Talleres de Remedios de Escalada, mas no jogo seguinte uma lesão séria contra o Boca o tirou da temporada e quase do futebol. Passou ao Flamengo e voltou a Boedo em 1939 (enfrentou o Botafogo na mencionada estreia de Heleno de Freitas). Foi bem, marcando 16 vezes e sendo vice-artilheiro do time, mas faltou mais para se sedimentar; já em 1940 voltava ao São Paulo.

Outro astro brasileiro dos anos 30 era Elba de Pádua Lima, o Tim, um dos dois únicos que defenderam a seleção como jogador da Portuguesa Santista. Foi à Copa de 1938, até então a melhor participação mundial do Brasil. Àquela altura era jogador do Fluminense, clube brasileiro ao qual mais se atrelou. Nos anos 40, ele, revelado no Botafogo de Ribeirão Preto, passou pelo homônimo carioca, mas sem triunfar. Já como técnico, fez história na Argentina: era ele o técnico daquele San Lorenzo invicto de 1968, todo um ineditismo para algum clube no profissionalismo de lá.

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Não encontramos imagem de Valdemar no Botafogo

O goleiro uruguaio Fernando Álvez veio ao Botafogo na Copa União em 1987. Lembrado pelos quilos a mais, não durou um ano. Após ser campeão da Copa América 1995 (último título da Celeste até a de 2011, com Abreu), salvando pênalti do ídolo botafoguense Túlio na final, chegou ao recém-campeão argentino San Lorenzo, mas não saiu da reserva de Oscar Passet. Jogou só uma vez oficialmente. Só não foi mais obscuro porque foi justamente na maior goleada no clássico com o Huracán, 5-0.

Raúl Estévez era daqueles atacantes que perdiam gols fáceis mas também marcavam o da vitória. El Pipa (apelido destinado a narigudos na Argentina. Higuaín é apelidado de Pipita porque seu pai também era chamado de Pipa) era mais um abastecedor de Bernardo Romeo do que um goleador, mas, por exemplo, foi quem marcou sobre o Flamengo na final da Mercosul 2001, primeira taça internacional do CASLA. Apesar dos troféus, nunca foi unânime na torcida cuerva e isso piorou ao ir ao Boca em 2002. No supervitorioso 2003 do elenco de Carlos Bianchi & cia, foi só reserva.

Chegou ao Botafogo em 2004. Até virou peça-chave em elenco que, recém-ascendido da segundona, brigou para, em pleno centenário, não cair de novo. Mas logo voltou à Argentina, época em que Germán Herrera chegara ao Ciclón. Eis sua ficha no Diccionario Azulgrana, a reunir todos os que jogaram pelo clube nos seus cem primeiros anos: “foi recebido com entusiasmo porque dava o perfil para paliar a anemia goleadora pós-Beto Acosta. Contudo, em que pese mostrar vontade e sacrifício, não andou direito ao arco e terminou relegado pela fulgurante aparição de Hernán Peirone”.

Peirone não vingaria, mas era um garoto de 17 anos que na reta final de 2004 somava 6 gols em 3 jogos e que em 2005 marcou outros 3 em uma só partida contra o Boca. No Botafogo, Herrera só está atrás de Fischer entre os forasteiros que mais suaram a camisa alvinegra, e dele e de Abreu dentre os estrangeiros que mais marcaram. Como bem disse o livro sanlorencista, suor mesmo não costuma lhe faltar, mas o “Quase-Gol”, apesar dos bons momentos, nunca foi um esplendor duradouro.

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Estévez comemora o gol sobre o Flamengo na final da Mercosul 2001, sua maior alegria ao Botafogo, onde saiu repentinamente em 2004; e Herrera: raça, raça, e por vezes gols.

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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