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Rodolfo Fischer, o “Lobo” de Botafogo e San Lorenzo

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Segundo a Wikipédia e blogs, referências nem sempre fiáveis, Rodolfo José Fischer nasceu em 2 de abril de 1944. Outras fontes, como o livro Quién es Quién en la Selección Argentina (de 2010) e a edição especial da revista El Gráfico voltada aos cem maiores ídolos do San Lorenzo (de 2011), apontam que a data correta do seu aniversário de 60 anos é hoje. De qualquer forma, Fischer, que era filho de um brasileiro, fez história no time do Papa e no Botafogo. E também na seleção, embora nem tanto pelos gols e sim por outra razão: segundo aquele mesmo livro, foi El Lobo o primeiro usado por ela desde um clube estrangeiro, o Fogão.

Nasceu em Oberá, na província de Misiones, fronteiriça aos três Estados da Região Sul do Brasil. O pai, Benjamin, era mesmo brasileiro, um gaúcho de origens alemães. Rodolfo unia outras rivalidades no sangue: a mãe era uma polonesa e entre os bisavós do atacante de feições mais indígenas do que germano-eslavas estavam russos e alemães inimigos na Primeira Guerra Mundial. O pai era dirigente do Atlético Oberá e ali o filho começou a trajetória no futebol, embora não em tempo integral: após formar-se no colegial, foi estudar odontologia em Rosario, onde um de seus lazeres era jogar bola no Estrella del Sur. Foi ao San Lorenzo por indicação de um tio, ex-atleta azulgrana.

Fischer estreou em um 18 de abril de 1965 num 1-1 com o Argentinos Jrs. Teve espaço após a tragédia que acometeu o colega Victorio Casa, que perdeu um braço em equívoco da Marinha – contamos aqui. Mas Casa incrivelmente seguiu titular mais um tempo e Fischer jogou só mais duas vezes nesse ano, brilhando em uma: no clássico com o Huracán, o San Lorenzo venceu por 4-2 com dois gols do novato, que para a temporada seguinte começou titular. Curiosamente, um dos jogos da pré-temporada de 1966 foi contra o Botafogo, que soube vencer por 2-0 no estádio do River (gols de Jairzinho e Bianchini).

O reinício para El Lobo foi cambaleante. Após jogar muito mal contra o Atlanta na segunda rodada, ficou onze jogos ausente. Até que marcou três gols no Newell’s em um jogo de times B. Não voltou a sair dos titulares e teve tempo de registrar sete gols em 1966, incluindo em um 4-1 sobre o rival Huracán e em 2-1 dentro da Bombonera sobre o Boca. Em 1967, já começou o ano marcando o único gol de clássico amistoso com o Huracán em Mar del Plata para terminar como o artilheiro do elenco, com 18 gols, incluindo em cada clássico com o rival (triunfos de 2-0 e 2-1) e dois em um 3-2 no River. Formando boa linha ofensiva com Héctor Veira e Narciso Doval, terminou enfim estreando pela seleção argentina. Sua jogada característica era a bicicleta, como os argentinos chamam a pedalada (a “nossa” bicicleta é chamada por eles de chilena).

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Contra o River e marcando nos 6-0 sobre o Flamengo em 1972

No início de 1968, os dirigentes sanlorencistas pensaram em vende-lo ao River. Os torcedores, dessa vez, já idolatravam Fischer, a ponto de impedir e venda. Deu certo: naquele ano, o San Lorenzo se tornou o primeiro campeão argentino de forma invicta na era profissional ao vencer o Torneio Metropolitano (falamos aqui) e Fischer foi o vice-artilheiro do torneio, além de marcar o gol decisivo na final contra o grande Estudiantes da época – depois de já ter vazado o Boca em 2-1 na Bombonera e logrado duas tripletas (5-1 no Atlanta e 3-0 no Ferro Carril Oeste, ambas fora de casa). Curiosamente, ele reencontrou o Botafogo em nova derrota para os alvinegros, em amistoso não-oficial pela própria seleção argentina (1-0, de Jairzinho, na Cidade do México, em 24 de agosto). Embora mais valorizado pelos puristas, porém, o Metropolitano ainda não classificava seu campeão à Libertadores.

Fischer não foi usado nas eliminatórias e a seleção, como se sabe, não se classificou. Erro que ele demonstrou no Torneio Nacional de 1969, onde foi artilheiro com direito a mais duas tripletas, em 5-2 sobre o Talleres e em 5-0 no San Martín de Tucumán, e pela assistência em vitória argentina sobre o próprio Brasil de 1970 meses antes do Mundial, no Beira-Rio. O ano de 1970 seria agridoce por outros motivos também: o atacante acumulou 27 gols por um Ciclón que teve pinta de campeão no Torneio Metropolitano, mas perdeu gás na reta final apesar dos gols de matador sobre o Huracán e nos líderes Independiente e River; e o time ainda chegou à decisão da Copa Argentina, que terminou não concluída após a primeira partida com o Vélez ficar no 2-2. A equipe saiu-se melhor em torneios de verão na Europa, com Fischer deixando o dele em 5-0 sobre o Borussia Dortmund pela final do Troféu Costa Brava, em Girona; e em 3-2 sobre o Anderlecht pelo bronze do Torneio de Cádiz. Também houve medalha de prata, no tradicional Teresa Herrera, perdido apenas nos pênaltis para o Ferencváros.

Em 1971, foram 28 gols somados de Fischer nos dois campeonatos (dentre os amistosos, destaque a um em 3-1 sobre o Inter Bratislava em Buenos Aires), nos quais o time de Boedo, com gol dele, conseguiu sua maior goleada oficial sobre o Huracán até então – um 5-1. Fischer ainda deixou dois cada em cada “clássico secundário” com o Boca, além de novas tripletas duplas (5-2 no Ferro, 4-2 no Colón), mas o máximo alcançado foi o vice no Torneio Nacional. Para 1972, o clube reuniu passado e presente, recontratando o maior artilheiro de sua história para fazer dupla com Fischer: José Sanfilippo, que retornava após dez anos pelos quais trotara por Boca (fora o artilheiro das finais da Libertadores contra o Santos, em 1963), Nacional (novamente vice da Libertadores no ano seguinte) e mesmo Bangu e Bahia.

Sanfilippo não triunfara no Rio em tempos fortes dos alvirrubros, campeões cariocas de 1966 ainda sem ele, mas deixara Salvador como ídolo. Nessa toada, o San Lorenzo conseguiu outro ineditismo em 1972: foi campeão tanto do Metropolitano quanto do Nacional (leia aqui), os dois torneios que dividiram o calendário dos principais clubes do país entre 1967 e 1985. Mas Fischer saiu ainda em meio ao Metropolitano, mas a tempo de deixar 11 gols em 12 jogos na campanha (três, em um 4-0 no River dentro do Monumental, com Sanfilippo completando) e não foi esquecido na música que embalou a conquista: “Con Irusta y Glaria, con Espósito y Rosl, el recuerdo de Fischer también estará“. Em 25 de maio, El Lobo já havia acertado com o Botafogo quando jogou um 0-0 com o Paraguai em Salta. Ali a Albiceleste usou pela primeira vez um jogador de um clube estrangeiro.

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No fim da carreira: no Vitória e campeão da segundona argentina no Sarmiento de Junín, em 1980 (agachado ao meio)

Fischer seguiu na seleção para a Taça Independência, em junho, uma minicopa organizada para celebrar os 150 anos da independência do Brasil. Chegou a marcar quatro gols na seleção da CONCACAF, a última vez que alguém marcou tanto pela Argentina (ele já havia somado quatro gols pela seleção em jogo não-oficial em 1967, em 6-1 contra o combinado de Posadas). Apesar do pioneirismo, sua ida ao futebol brasileiro lhe afastou de novas convocações posteriores, embora fizesse sucesso no Botafogo: terminou 1972 vice-campeão brasileiro, com destaque para um 6-0 no Flamengo em que Fischer marcou dois. Apesar do temperamento forte embora introvertido, fez boa dupla com Jairzinho.

Em 1973, esteve na campanha semifinalista da Libertadores com o Glorioso: em uma primeira fase duríssima em que só o líder avançava, o Fogão eliminou a dupla Peñarol (com o argentino marcando no Rio e em Montevidéu) e Nacional e ainda o Palmeiras de Ademir da Guia. Mas a vaga na final foi perdida para o Colo Colo no fim do jogo contra o também chileno Unión Española. O Botafogo não conseguiu títulos na década, se aprofundando no famoso jejum de 21 anos, mas Fischer fez sucesso: por décadas foi o estrangeiro com mais gols no Brasileirão, só sendo superado pelo sérvio Dejan Petković, que jogou muitas vezes mais. Em 1976, o hermano foi jogar com o compatriota e ex-vascaíno Edgardo Andrada no Vitória, onde foi treinado pelo mesmo técnico daquele San Lorenzo de 1968 e que bancara a transferência junto ao Botafogo: Elba de Pádua Lima, o Tim.

Se eles sozinhos não puderam quebrar o domínio estadual do Bahia, o atacante ao menos deixou ótima impressão no Leão da Barra: 31 gols em só 41 jogos por um elenco que soube liderar seu grupo no Brasileirão, acima do próprio rival e da dupla Botafogo e Fluminense. Em 10 de junho de 1976, os dois argentinos atuaram com outros rubro-negros como Valdo e Osni em jogo contra um combinado do Resto do Mundo onde estavam ex-colegas de San Lorenzo: Doval e o goleiro Carlos Buttice – há quem chegue a considerar que foi amistoso de seleção brasileira. Clique aqui e confira. Fischer voltou ao San Lorenzo em 1977. E, já veterano, conseguiu somar mais onze gols e ser artilheiro do clube no Metropolitano. Ficou mais um ano e totalizou 141 gols (sete no clássico com o Huracán) em 272 jogos. Faltou só um gol para ser o terceiro maior artilheiro do CASLA, posto de Rinaldo Martino.

Um setor do Nuevo Gasómetro, estádio sanlorencista, leva o nome do Lobo, que seguiu carreira no Once Caldas por um pé de meia na Colômbia. Um último título veio no Sarmiento em 1980, vencendo a segunda divisão (o que colocou o time de Junín pela primeira vez na elite) ao lado de outros antigos ídolos azulgranas, como Roberto Espórito e Rubén Glaria, e promessas como José Iglesias. Glória final a quem se gabava com estilo: “Alfredo Di Stéfano disse que eu poderia jogar em qualquer parte e esse é o maior elogio que recebi”, declarou ele sobre o grande craque morto na semana passada. Fischer pendurou as chuteiras em 1981, na liga cordobesa pelo Sportivo Belgrano da cidade de San Francisco, reaparecendo na mídia brasileira por conta dos encontros entre Botafogo e San Lorenzo na Libertadores deste 2014. Acesse aqui a matéria do GloboEsporte.com. E clique aqui para conhecer outros elementos em comuns entre os dois clubes.

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Com os mantos azulgrana e alvinegro em 2014 e na seleção argentina: é o último agachado. A seu lado, o ex-palmeirense Madurga. Sobre a bola, ao meio, está Carlos Bianchi

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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