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Há 30 anos, o Independiente vencia a Libertadores pela última vez – sobre o Grêmio

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Burruchaga marcando o gol do título

Em trinta anos o mundo mudou muito e o Independiente, cujo maior jejum na Libertadores era os nove anos que enfrentava na época, é uma prova disso também. Não inspira mais o prestígio de outrora nos adversários nem mesmo na Argentina. Apesar da decadência, há três décadas os diablos religiosamente seguem como maiores campeões da principal competição interclubes do continente. Razão para que num misto de mística e nostalgia a antiga Doble Visera, campo do clube, passasse a ser o Estádio Libertadores da América. A sétima e última roja foi sobre um brasileiro, o Grêmio, então detentor do caneco. E o gol do título foi quase uma prévia do título hermano na Copa 1986.

Naquela época, a Libertadores era duríssima já na fase de grupos. Para começar, só o líder avançava. E não havia esta estória de cabeças-de-chave, fórmula que evita times teoricamente mais fortes de se estropiarem precocemente: os dois representantes de cada país eram unidos no mesmo grupo. Isso simplificava a logística mas às vezes originava chaves pesadas. Em 1984, o Independiente encarou inicialmente seu grande concorrente na época, o Estudiantes, que o deixara de vice em dois torneios argentinos seguidos: o Metropolitano de 1982 e o Nacional de 1983, conforme falamos aqui.

Aquela foi a única boa fase da equipe alvirrubra entre os tempos de tri na Libertadores entre 1968-70 e o renascimento pós-2006 sob Juan Sebastián Verón. Tanto que o técnico que devolvera os pinchas às glórias, Carlos Bilardo, passou a treinar a seleção em 1983. Aquele Estudiantes de 1982-83 jogava um bom futebol e sabia ser aguerrido, como na épica “batalha de La Plata” com o Grêmio na Libertadores anterior: com quatro expulsos, os platenses perdiam em casa de 3-1 para os brasileiros mas conseguiram empatar. O maestro era Alejandro Sabella, então um meia-armador que nem imaginava que seria técnico da Argentina vice na Copa de 2014.

Além dos pincharratas, a fase inicial teve uma dupla paraguaia. Se o Sportivo Luqueño destoava, o outro era o Olimpia, que vinha descobrindo o que é ser um time copeiro: havia derrotado o Boca na final de 1979, encerrando um ciclo de dois títulos seguidos dos auriazuis e se tornando o primeiro clube do Paraguai a ser campeão continental. E os alvinegros foram quem mais complicaram para a festeira torcida roja, em êxtase especial desde o fim do ano anterior, em que sagrara-se campeã vencendo o arquirrival Racing, que ainda por cima caíra para a segundona: veja aqui.

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Outro lance das finais: o elegante Marangoni, que poderia ter ido à Copa 1986

O Independiente jogou fora de casa as três primeiras partidas. Mas ainda assim começou bem, arrancando um 1-1 com o Estudiantes (gol de Alejandro Barberón), 1-0 sobre o Luqueño (gol de Jorge Burruchaga) para perder de 1-0 do Olimpia. Sobre aquele elenco rojo de 1983-84, embora tenha vencido “só” uma Libertadores,  já se disse que jogava melhor até que o conjunto tetra seguido de 1972-75. Pensamento que só não é total heresia pois é compartilhado pelo mítico Ricardo Bochini, único que atuou nos dois elencos. É o maior ídolo da rica galeria do clube de Avellaneda, um craque idolatrado até por Maradona, que por causa dele se dizia torcedor do Independiente.

Já dedicamos no início do ano um especial a Bochini, campeão mundial em 1986 exatamente na reserva de Maradona: clique aqui. Na época, El Bocha era rodeado no meio-campo por outros três grandes jogadores: atrás, Claudio Marangoni e Ricardo Giusti e, ao lado, Jorge Burruchaga. Do quadrado mágico, só Marangoni não foi à Copa de 1986, apesar da técnica mais apurada que as de Sergio Batista (Argentinos Jrs) ou Julio Olarticoechea (Boca). Com gol do Maranga e outro do volante reserva Sergio Merlini, venceu-se por 2-0 o Luqueño em Avellaneda no quarto jogo do campeão.

Independiente e Olimpia estavam com cinco pontos. Eles teriam a seguir duelos caseiros. Os alvinegros fizeram 2-1 fora de casa no Luqueño. Já o Rojo deu uma semana depois um baile no Estudiantes: 4-1 de virada, com um de Barberón, um de Burruchaga e dois do maestro Bochini. Foi o único jogo vencido por mais de um gol de diferença naquele grupo e seria fundamental adiante. Os de Avellaneda encerraram sua primeira fase recebendo o Olimpia, que ainda teria mais um jogo a fazer, contra o Estudiantes em La Plata. Marangoni abriu o placar e tranquilizou os colegas, mas até demais: os paraguaios viraram. Burruchaga empatou aos 29 do segundo tempo.

A tática já havia dado lugar ao desespero insistente, premiado com Sergio Buffarini virando no antepenúltimo minuto, cabeceando cruzamento de um Barberón lançado por Bochini. A vitória no fim também faria a diferença, pois o Olimpia conseguiria derrotar o Estudiantes e chegar aos mesmos 9 pontos do Independiente. Mas foi só por 1-0 (curiosamente, com gol do goleiro Éver Almeida, de pênalti). Aí aquele 4-1 se fez determinante, proporcionando aos rojos três gols a mais no saldo e a vaga na semifinal. As semifinais na época não eram mata-matas e sim uma nova fase de grupos, desta vez triangulares. O Independiente voltou a ter de encarar fora de casa os dois primeiros jogos. E novamente soube como fazer, levando à Argentina um 1-1 com o forte Nacional uruguaio (gol de Barberón) e um 0-0 com a Universidad Católica.

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Na 1ª fase, o Estudiantes (ao fundo, Sabella, técnico da Argentina na última Copa) parecia dar trabalho, mas isso ficou a cargo do Olimpia. À direita, Bufarini celebra seu gol nos 3-2 sobre os paraguaios

A fórmula empates-fora-e-vitórias-dentro foi bem aplicada, com um 2-1 nos chilenos (gols de Bufarini e Burruchaga e direito a pontapé inicial ser dado pelo primeiro presidente civil da república pós-ditadura, Raúl Alfonsín, torcedor do clube) e 1-0 nos uruguaios, solitário gol de Burruchaga. Os dois adversários deveriam enfrentar-se depois, mas a partida nem foi realizada pela falta de necessidade: os resultados não lhes permitiam mais chances matemáticas de irem à final.

Pela frente, o Grêmio. Como campeão anterior, o Tricolor pôde entrar já na fase semifinal, um mimo que soube justificar: logo de cara, sapecou um 5-1 no Flamengo e, fora de casa, arrancou um 2-0 no outro concorrente, os surpreendentes venezuelanos da Universidad Los Andes. Os cariocas venceram os gaúchos por 3-1, mas a seguir o Grêmio aplicou outra goleada no sul: 6-1 na Universidad. Só não se classificou porque o Flamengo chegou aos mesmos 6 pontos.

O jogo-extra nesse caso, que já não havia na primeira fase, continuava existindo na segunda. A neutra São Paulo recebeu a dupla brasileira, com os gremistas tendo vantagem do empate pelo enorme saldo. Mais longe de casa que os rubronegros, os tricolores cozinharam friamente o 0-0 ao fim de 120 minutos, pois houve prorrogação. Tudo observado em pessoa no Pacaembu pelo técnico rojo, José Omar Pastoriza, ele mesmo um campeão da Libertadores como jogador (em 1972) e que posteriormente até treinaria o próprio Grêmio. Cinco dias depois, teriam os gaúchos a oportunidade de, quem sabe, encher novamente de gols um adversário no Olímpico?

Não foi o que aconteceu. Enquanto o resto do mundo via as Olimpíadas de Los Angeles, gaúchos e gauchos praticavam jogo em que “foi tal o domínio que os jogadores do Grêmio terminaram totalmente desmoralizados, impotentes ante o toque desconcertante, ante esse açoite de vai-não-vai, freios e passes ao centímetro em que ninguém falava. (…) Poderia e deveria ser goleada. Terminou em baile. Com o povo do Grêmio paralisado, submetido à humilhação de não encontrar a bola que saíam a buscar” foram as palavras da revista El Gráfico sobre o confronto em Porto Alegre. “Todo o estádio aplaudiu de pé”, recordou Bochini sobre o triunfo argentino. “Se apagares este, somos campeões”, teria ordenado Pastoriza ao lateral Carlos Enrique sobre Renato Gaúcho. “Me haviam passado alguns dados, que era meio afeminado e que lhe chamasse de Pimentel ou algo assim”, disse Enrique.

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O craque Bochini, a boa dupla de zaga Villaverde e Trossero e o homem que anulou Renato Gaúcho: Carlos Enrique

Para não parecermos parciais, eis o relato da revista brasileira Placar: “o Independiente vence pela sétima vez, jogando duro e bonito. (…) É um time todo ajustado para mesclar jogadores de grande efeito com entradas duras nos adversários, os jogadores atiram-se obstinadamente nos lances mais comuns, como se fossem decisivos. Um time que começa muito bem com o goleiro uruguaio Carlos Goyen, de excelentes reflexos, responsável, tanto no Estádio Olímpico de Porto Alegre, quanto em Avellaneda, pelo zero do Grêmio no marcador. A linha de zagueiros é caracteristicamente argentina. Clausen e Enrique são dois laterais rápidos, marcadores implacáveis, que raramente saem ao apoio mas que ‘matam’ as jogadas pelas pontas – Renato e Tarciso que o digam”.

“O miolo de área fica com o gigante ruivo Trossero e o atlético Villaverde, ambos de grande impulsão, imbatíveis pelo alto. O meio-campo, coordenado por Bochini, tem no louro Marangoni um guarda fiel da cabeça da área e municiador insistente do ataque, mais Ricardo Giusti que frequentemente se transforma em ponta-dirieta. Burruchaga, Bufarini e Barberón são os homens de frente. Burruchaga é falso ponta-direita, cujos chutes fortes deram a maioria das vitórias do time na Libertadores, inclusive a de 1-0, contra o Grêmio, em Porto Alegre. (…) Bufarini, só um brigador, abre espaços para Bochini e Giusti. E Barberón, arisco, fecha com bastante frequência para o meio, buscando sempre o chute a gol”.

No Olímpico, 75 mil viram o 1-0 aos visitantes no único gol das finais. Em 27 de julho de 1984, Avellaneda viu um morno 0-0, três dias após Burruchaga ser lançado em velocidade pela ponta-direita por Bochini aos 24 do primeiro tempo e, perseguido por Hugo de León, tocar na saída de João Marcos. Dois anos depois, a jogada se repetiria, mas com Maradona no lugar de Bochini, Hans-Peter Briegel no de De León e Harald Schumacher no de João, no lance que definiu os 3-2 da Argentina sobre a Alemanha Ocidental na final da Copa do Mundo apenas três minutos depois dos germânicos empatarem jogo que perdiam por 2-0. Trinta anos depois do orwelliano 1984, o mundo mudou muito mesmo…

FICHA DO SEGUNDO JOGO – Independiente: Carlos Goyen, Néstor Clausen (Rodolfo Zimmerman), Hugo Villaverde, Enzo Trossero e Carlos Enrique, Ricardo Giusti, Claudio Marangoni, Ricardo Bochini e Jorge Burruchaga, Sergio Bufarini e Alejandro Barberón. T: José Omar Pastoriza. Grêmio: João Marcos, Paulo César, Baidek, Hugo de León e Casemiro, China, Osvaldo e Luís Carlos, Renato Gaúcho, Guilherme e Tarciso. T: Carlos Froner. Árbitro: Mario Lira (CHI).

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Gol de Burruchaga sobre o Grêmio por outro ângulo e seu gol na final de 1986: semelhanças?

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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