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Há 20 anos, o Estudiantes, com Verón e Palermo, era rebaixado

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Rubén Capria e Daniel Pighin choram há 20 anos. Mas hoje é página virada

Assim já falou Verón: “que maneira de começar, por favor! Estreei em abril de 1994 e uns meses depois fomos à série B. Ok, era algo que se via chegar, o clube não estava bem. Era o momento, sabes quando as coisas vão se desencadeando e vês que não tens freio e vais te dar contra a parede? Bom, nós demos. Por sorte, o clube pôde sair em seguida, se não teria sido difícil. E a partir daí mudou tudo. O rebaixamento eu tomava mais como torcedor, para mim era um momento duro, triste, muito triste, sobretudo porque vir do meu papá que havia ganhado tudo e eu começar indo ao descenso”.

Hoje visto como o maior personagem da história do seu amado Estudiantes de La Plata, La Brujita estreou profissionalmente no clube e no futebol da pior forma: na temporada que condenou o time pela última vez à segundona. Até então, a grande lenda era mesmo seu pai, Juan Ramón La Bruja Verón, goleador ponta do elenco alvirrubro tri seguido na Libertadores entre 1968-70 e considerado o único craque em um elenco onde os demais eram mais propriamente esforçados (fez gol nas três finais da Libertadores 1968, contra o Palmeiras, e o do título da Intercontinental, sobre o Manchester United dentro de Old Trafford: falamos aqui e aqui). Mais que o medo de permanecer sempre na sombra do velho, o filho sentia-se manchando o glorioso sobrenome.

O jovem Verón, nascido em pleno dia de clássico com o Gimnasia y Esgrima La Plata (confira), não era o único futuro astro daquele elenco. Martín Palermo também era um estreante naquela temporada. E sua mítica carreira poderia ter sido diferente por conta da queda: “no ascenso trouxeram cinco atacantes, por isso quase fui por empréstimo ao San Martín de Tucumán. Eu mesmo havia pago a passagem. Estive duas semanas treinando, mas não pude ficar. Foi um baque terrível. Não ficava outra alternativa que não esperar”, falou El Titán em 2011, mesmo ano da declaração de Verón.

O clube não era campeão desde 1983 e vinha sofrendo particularmente nas três últimas temporadas, quando teve praticamente um técnico (foram 14) a cada cinco jogos. Só dois jogadores estiveram com todos esses treinadores, os meias Claudio París e Rubén Capria, depois grande ídolo no Racing naquela década: “tive chances de ir embora, mas Russo e Manera me pediram que ficasse. Foi um desafio, e aceitei. Foi uma das coisas mais dolorosas, ainda que o acesso foi a glória”, disse dez anos depois.

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Pinchas antes do jogo da queda. Desorganização refletida nas camisas: em alguns, a listra central é a vermelha, e em outros é a branca. Calderón é o segundo agachado e Capria, o terceiro

Verón foi outro que quase saiu: “tive sempre na cabeça é que queria jogar na primeira divisão. E sabia que podia jogar, me dava conta, estava convencido do que podia dar. E assim fui, meu pai falou com Eduardo (Luján Manera) e com Miguel (Russo) e eles o disseram que ficasse, que iam me utilizar. Estava para sair. Me lembro de que no primeiro treino depois do rebaixamento éramos 60 ou 70, uma coisa de loucos. Pensei: ‘aqui não jogo nunca mais’. Mas eles disseram que ficasse e aí arranquei com continuidade no Nacional B”. Os tais Russo e Manera eram os técnicos que assumiram o Pincha na segundona. Manera fora o técnico do título de 1983 e Russo, volante dali: veja.

O Estudiantes havia sido 17º nos dois torneios da temporada 1991-92. Na seguinte, foi menos ruim: 7º no Apertura 1992 e 13º no Clausura 1993. Só que no Apertura 1993 os alvirrubros encerraram em último. Naquele Clausura 1994, Capria foi o terceiro na artilharia mas a 16ª colocação não foi suficiente para levantar os promedios do clube, que ficaram em penúltimo.

A queda foi sacramentada na penúltima rodada, em um 21 de agosto como hoje, mas de 1994, mesmo marcando três gols fora de casa sobre o Lanús. Só a vitória daria sobrevida, já que o concorrente direto, o Mandiyú (contra quem aliás Verón filho fizera sua estreia no futebol, no 1-0 em 24 de abril), escapou da queda mesmo perdendo para o outro rebaixado da temporada, o Gimnasia y Tiro de Salta.

Por um momento, os platenses deram a impressão de que se salvariam, virando parcialmente para 2-1, com Capria em linda cobrança de falta e Víctor Ferreyra em raça após dividir com o goleiro, mas depois tomaram outra virada. Ferreyra empatou de bicicleta aos 44 minutos do segundo tempo, mas o belo gol não bastou. Mas a queda “em pé” foi reconhecida pelos fanáticos pincharratas, especialmente após um 4-1, mesmo inútil, no último jogo, sobre o Racing. Aos 39 do segundo tempo, essa partida foi suspensa pela invasão da torcida. Não para agredir ninguém, mas para arrancar euforicamente a roupa dos jogadores, como se um título houvesse sido conquistado. Lindo.

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Palermo, Calderón e Verón na vitoriosa série B de 1994-95. Ao lado, os dois últimos juntos na glória: campeões da elite em 2006 e da Libertadores em 2009

A série B foi vencida logo e com sobras, com onze pontos de vantagem sobre o segundo colocado – lembrando que a vitória ainda valia 2 pontos, só passando a valer 3 a partir da temporada 1995-96. Carlos Bossio, o novo goleiro, inclusive foi o primeiro goleiro testado pela seleção após a Copa 1994, mesmo jogando a segundona. Verón começaria a triunfar ali, indo ao Boca de Maradona e Caniggia ao fim da temporada 1994-95 e enfim estreando pela seleção no início de 1996.

Curiosidades: em 1994, não só o Estudiantes caiu como o Gimnasia, atipicamente, foi campeão de algo, vencendo no embalo dos gêmeos Barros Schelotto a Copa Centenário (leia aqui). Outro ano depois, a normalidade parecia retornar, com os alvirrubros de volta na elite e seus rivais alviazuis decepcionando ao perderem o título argentino na última rodada após derrota em casa para time misto do Independiente; o campeão foi o San Lorenzo, que quebrara jejum de 21 anos, enquanto o do Gimnasia ainda dura: desde 1929. Mas o rival por um tempo foi o melhor time de La Plata, lutando seguidamente por títulos até 2005, enquanto o Estudiantes só renasceu de vez quando o já consagrado Verón retornou um ano depois, em 2006. O Pincha finalmente voltou ali a vencer a elite, com direito a um 7-0 no Clásico Platense, maior goleada do dérbi.

El Gordo Garisto, que havia ido ao Argentinos Jrs, me quis levar. ‘Luis, quero ficar para dar volta nisso, se não é uma manca que não tiro mais’, lhe disse. Ficamos o Rusito Prátola, Rubén Capira, París, eu, alguns garotos, depois vieram Russo e Manera, trouxeram reforços grossos como (Miguel) Bossio, (Juan José) Llop, (Ricardo) Rojas, Leo Ramos, explodiu La Bruja (Verón) e subimos”, explicou o atacante José Luis Calderón, autor de três gols naqueles 6-0 sobre o Gimnasia em 2006 e outro que, como Verón, 15 anos depois daquela queda em 1994 venceria a Libertadores com o Estudiantes.

Abaixo, o vídeo dos dois últimos jogos do clube antes de encarar a segundona, contra Lanús e Racing. O momento da louca invasão mesmo após o inútil 4-1 no Racing começa aos 16 minutos do vídeo. Surreal? Ou exemplar?

httpv://www.youtube.com/watch?v=NUTBahV2Rbw

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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