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Estreante na UEFA, Gibraltar “forneceu” o 1º gol do Boca no Argentinão

Boca Juniors Gib

Gibraltar, a mais nova seleção oficialmente reconhecida pela FIFA, não chega a ser de um país independente, e sim de um território ultramarino britânico encravado no extremo sul espanhol. Mas esse fato (as Ilhas Faroe, pertencentes à Dinamarca, também têm a seleção participando de jogos oficiais) e a polêmica (a Espanha reclama para si o território gibraltino) não impediram que a UEFA passasse a admitir que essa minúscula península passasse a ter, a partir da temporada 2014-15, representante nacional nas eliminatórias da Eurocopa e da Copa do Mundo, bem como clubes locais nos torneios europeus. A estreia em jogos competitivos da seleção foi ontem, com só dois jogadores profissionais em um elenco amador que levou de 7-0 da Polônia nas eliminatórias à Euro 2016. Mas Gibraltar já forneceu um jogador histórico: o autor do primeiro gol do Boca Juniors no campeonato argentino.

Trata-se do atacante Rafael Pratt, um dos primeiros estrangeiros do Boca, um clube de porte muito diferente do atual: fundado havia três anos, o prestígio do time se limitava ao bairro de La Boca, suas glórias se resumiam a pequenos torneios zonais e, o mais chamativo, a faixa dourada na camisa azul não era horizontal e sim diagonal, semelhantemente ao modelo consagrado pelo arquirrival River (que na realidade só passou a usar esse desenho depois, diga-se). 1908 foi o ano do grande salto, quando os auriazuis requisitaram filiação na AFA.

O Boca se orgulha de jamais ter sido rebaixado, o que é diferente de dizer que jamais jogou a segundona. O escalão inferior da elite foi criado ainda no século XIX, de forma que quase todo clube fundado no século XX teve que começar na segunda divisão ou abaixo (as exceções foram clubes do interior argentino cujo prestígio fez a AFA, que por décadas se restringiu só à Grande Buenos Aires e La Plata, os colocar diretamente da elite, casos do Newell’s, Talleres, Instituto e Racing de Córdoba, além do Rosario Central, fundado em 1889).

Dessa forma, os xeneizes não escaparam de ter de jogar a divisão de acesso, o que já era um passo gigante. A segurança só veio quando venceu logo em seu primeiro jogo contra um time que já participava dos campeonatos argentinos: foi em amistoso preparatório para a estreia na liga argentina contra o Ferro Carril Oeste. Venceu e convenceu: foi por 4-0, e fora de casa. Mas Pratt ainda não havia estreado.

O gibraltino fez sua primeira exibição pelo Boca precisamente na estreia do clube em jogos de liga. Foi em partida em 3 de maio contra o time B do Belgrano Athletic, então um clube tradicional – seu time principal foi o campeão da elite naquele mesmo ano e era o único a rivalizar contra a grande potência argentina da época, o Alumni. Por muitos anos, foi comum que a segundona argentina contasse com equipes B, prática ainda recorrente na própria Espanha que tanto reclama por Gibraltar.

Falaremos mais do Belgrano Athletic (sem ligação com o Belgrano de Córdoba, fora o nome) ainda nesse semana. Pratt não fez só um, como dois gols em nova vitória como visitante, um 3-1 com Juan Eloiso marcando o outro dos boquenses. Curiosamente, o primeiro rival, como indicado no nome, situa-se no bairro de Belgrano, que seria adotado pelo River a partir dos anos 30.

Pratt não jogou de forma contínua no Boca. E jogou pouco. Há registros de só outras cinco vezes, mas quase sempre deixando sua marca: contra o La Plata (1-0 em 31 de maio, gol dele), Villa Ballester (2-1 fora de casa em 7 de junho, com gol dele), o time B do San Isidro (4-0 com três gols dele em 13 de setembro), Gimnasia y Esgrima de Buenos Aires (2-2 em 11 de outubro) e Racing (derrota de 1-0 em 6 de dezembro).

O jogo contra o Racing foi válido pelas semifinais, onde os auriazuis caíram, no primeiro confronto contra os alvicelestes de Avellaneda, posteriormente também um gigante na Argentina. A eliminação acabou impedindo um Superclásico histórico: o outro finalista foi o River, então ainda um humilde clube do mesmo bairro de La Boca e que terminaria campeão. Aliás, foi a partir daquele ano que o rival também adotou a listra diagonal. Contamos a trajetória riverplatense neste outro Especial.

Já Pratt, apesar de histórico, ficou um personagem obscuro. Há fontes, mas não maiores registros detalhados, de que jogou mais algumas vezes entre 1910 e 1911, ainda na segundona – o Boca só estrearia na elite em 1913. Sabe-se que nascera em 1885 e que faleceu em 1952, mas um retrato seu é uma raridade. O clube, a partir do ano seguinte, voltaria a contar com um gibraltino: o goleiro José Belloc. E a terra do estreito que separa Europa e África também tem um clube chamado Boca Juniors (seu distintivo abre a nota), mas de poderio bem diferente: jamais foi campeão da fraca elite de lá e atualmente está na segunda divisão dali…

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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