Primeira Divisão

“Clásico del Sur”, Banfield x Lanús, volta após 2 anos. Conheça-o

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Santiago Silva, único campeão nos dois desconsiderando títulos de acesso

Banfield e Lanús, que se enfrentam logo mais, têm um clássico equilibrado: o primeiro tem mais vitórias no confronto, mas o segundo tem mais títulos expressivos, de certa forma semelhante a um duelo vivenciado há anos pelo autor, o Re-Pa. Mas a proximidade fica nisso mesmo, pois enquanto a rivalidade entre Remo e Paysandu completa o centenário neste 2014, existindo desde o início, Taladro e Granate chegaram a ser amigos e só desenvolveram rixas muito depois, ocasionando algo curioso: para alguns, fazem o segundo maior dérbi do sul da Grande Buenos Aires, atrás só de Racing x Independiente. Para outros, que embora admitem a rivalidade, a dupla sequer chega a fazer um clássico, que teria sido inventado mais pela imprensa do que pela opinião da torcida.

Explica-se: o Banfield é da cidade homônima, situada na municipalidade – partido, como os argentinos chamam – de Lomas de Zamora, que tem ainda os clubes Los Andes, da própria cidade de Lomas de Zamora, e Temperley, da cidade de Temperley. Tradicionalmente, o clássico do Banfield é com o Los Andes. Já o Lanús é da cidade vizinha de Lanús, por sua vez situada em municipalidade de mesmo nome, que tem também a cidade de Remedios de Escalada (sobrenome da esposa de José de San Martín, o Libertador da Argentina). Em Escalada há um clube chamado Talleres, com quem os lanusenses teriam como rivais originais. Javier Zanetti, antes de passar uma vida da Internazionale, começou no Talleres e depois passou pelo Banfield: é duas vezes um rival do Lanús.

Hoje sumido, o Talleres já foi forte. O goleiro Ángel Bosio, titular na maior parte da Copa de 1930, embora não tenha jogado a final, era na época jogador do clube, que revelou também o defensor José Salomón, que até os anos 70 tinha o recorde de jogos pela seleção. O time esteve entre os fundadores da liga profissional argentina, em 1931, junto com o Lanús. Já Banfield e Los Andes a princípio permaneceram amadores, cuja associação se rendeu ao sucesso maior dos profissionais e foi absorvida por eles em 1934, com seus clubes entrando todos na segunda profissional ou abaixo.

O Banfield só estrearia na elite profissional em 1939, um ano após o rebaixamento do Talleres de Escalada, que jamais voltou a ela desde então – ele já havia caído em 1933 mas acabou mantido, com a AFA curiosamente determinando para 1934 uma fusão com o rival Lanús, e para a maioria o nome “Talleres” passou a remeter desde  os anos 70 automaticamente ao xará de Córdoba. Por sua vez, o outrora amador Banfield sofreu para se adaptar e os lanusenses gostam de dizer que algumas derrotas no Clásico del Sur devem-se à “entregadas” que os grenás se permitiram para ajudar o outrora amigo nas frequentes lutas contra o rebaixamento que os alviverdes travaram inicialmente.

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Em seus clássicos originais: o Banfield contra o Los Andes na segundona de 1997, o Lanús em amistoso com o Talleres de Escalada em 2007

O grande sucesso banfileño veio em 1951, ao dividir ao fim a liderança do Argentinão com o poderoso Racing, então bicampeão seguido da liga. Os dois travaram então uma final, vencida pelo oponente. Na mesma década, o Lanús também teve um grande momento: com um elenco apelidado de Los Globetrotters, onde figurava o zagueirão José Ramos Delgado, foi vice em 1956. Raro negro argentino (veja), Ramos Delgado é um dos mais célebres vira-casacas do clássico: entre 1965-66, jogou no Banfield, onde também viveu grande momento, com o Taladro disputando a liderança até certo ponto na liga de 1966. Acabaria contratado nada menos pelo Santos de Pelé, onde seria ídolo colocando ordem na defesa com liderança e desarmes limpos. Se enraizaria tanto na Vila Belmiro que após parar de jogar foi por muito tempo técnico das categorias de base santistas.

Nos anos 60, porém, Ramos Delgado ainda não foi visto como vira-casaca. A amizade entre os hoje rivais se mantinha, até pelo fato do Banfield ocasionalmente cair e encontrar o Los Andes com alguma frequência na segundona. O próprio Los Andes, em 1961, chegou pela primeira vez à elite, em momento em que o rival estava na divisão inferior. O Taladro retornou à primeira divisão em 1963, tendo consigo outro doblecamiseta famoso, Norberto Raffo. Raffo faria sucesso no Racing de 1967, sendo ali o artilheiro da única Libertadores que esse clube venceu, além de autor do gol do título dela. No fim da carreira, no início dos anos 70, ele venceria a segunda divisão também com o Lanús, que havia caído em 1972 junto com o amigo Banfield, aliás. Raffo passaria pela dupla também como técnico.

Se hoje o Lanús é um clube-modelo e emergente, nos anos 70 não era assim e vivenciou seu momento mais crítico, chegando a cair à terceirona em 1979. Nos anos 80, a situação não melhorou tanto. Se antes a rotina tradicional da dupla seria a de se ajudar nos bons momentos, quando a situação apertou as cortesias começaram a sumir. Afinal, o momento era de disputa por um vaguinha de volta à elite, pois os alviverdes também atravessaram a década normalmente na segundona. Aliás, desde que virou rivalidade, o encontro foi vencido mais pelo Lanús. O Banfield venceu mais é no retrospecto geral.

Se o público mais jovem se acostumou a vê-los entre os nanicos da Grande Buenos Aires que costumam aprontar contra os grandes, como Arsenal ou Tigre, nos anos 80 esse papel era dos sumidos Ferro Carril Oeste, Deportivo Español e do Argentinos Juniors, que até Libertadores venceu – curiosamente, nenhum desse trio está agora na elite. A rotina na série B, porém, fazia com que Banfield e Lanús continuassem a encontrar regularmente Los Andes e Talleres.

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Outros vira-casacas de sucesso, Ramos Delgado e Raffo, foram de outros tempos, ainda de amizade

Para o Lanús, esses encontros com o rival original duraram oficialmente até 1992, ano do último dérbi por jogos competitivos contra o Talleres, que venceu por 1-0 e se classificou aos mata-matas pela segunda vaga de acesso – pois a primeira era do próprio Lanús, campeão e que desde então jamais voltou à segundona. Desde então, só jogos de juvenis e amistosos os opuseram; o mais ilustre desses foi um de 2008 em que Maradona, que nasceu na municipalidade da dupla, atuou um tempo por cada.

Já o Banfield ainda encontrou o Los Andes regularmente pelo fim dos anos 90: o Taladro caiu em 1996, ano de sofrimento – levou de 4-0 do Lanús, cujo elenco do goleiro Carlos Roa (talismã da seleção na Copa 98), do meia Ariel Ibagaza e do técnico Héctor Cúper ainda faturou naquele ano a Copa Conmebol. Outro membro daquele plantel, o meia Hugo Morales, presente na seleção nas Olimpíadas de 1996, já declarou que o melhor jogo deles foi mesmo aqueles 4-0 no rival. O Lanús ainda seria vice na final seguinte da Conmebol, para o Atlético Mineiro (falamos aqui dessas duas finais continentais) e vice nacional em 1998. Foi seu primeiro vice na elite argentina desde aquela campanha dos Globetrotters de 1956.

O Los Andes ainda esteve uma última vez na elite em 2000, de certa forma continuando a alimentar o clássico original do Banfield, que após a queda de 1996 só retornou em 2001 à primeira divisão. Neste mesmo ano o Los Andes caiu para não voltar mais. Assim, os oponentes de hoje passaram a canalizar de vez suas rixas um no outro, na onda da imprensa, que passou a falar no Gran Clásico del Sur, algo alimentado pelos bons momentos que ambos passaram a travar.

Os alviverdes não tardaram a fazer boas campanhas. Chegaram à Libertadores em 2005, caindo só nas quartas, e no mesmo ano voltaram a ser vices nacionais após aquela grande campanha de 1951. Revelaram ali o atacante Rodrigo Palacio e o meia Daniel Bilos, cuja origem croata rendeu-lhe convite (recusado) para atuar pela seleção axadrezada na Copa 2006.

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o intelectual Valeri (lê Nietzsche e fala alemão) comandou o Lanús no título de 2007, o colombiano James Rodríguez deixou seus gols para o Banfield na taça de 2009 

A resposta lanusense foi enfim ser campeão pela primeira vez da elite em 2007, comandado pelo talentoso meia Diego Valeri. O que poucos lembram é que o Banfield, com gols de outro ídolo de origens croatas, Darío Cvitanich, também foi muito bem naquele Apertura, ficando em terceiro a seis pontos do campeão. O detalhe é que essa diferença só existiu porque o Lanús venceu o clássico, em um roteiro com outros temperos extras: foi fora de casa, de virada e com os dois gols da vitória sendo feitos por José Sand, ex-jogador do rival. Cvitanich foi artilheiro do campeonato seguinte, que apresentou o troco banfileño, um 5-0 com dois dele em plena fortaleza grená.

Aqueles 5-0 são a maior goleada do clássico – o Banfield já havia vencido por 5-0 antes, mas no contexto de 1940. Já o Lanús nunca superou os quatro gols de diferença, com um 5-1 em 1989 e aqueles 4-0 de 1996. Mas os alviverdes só seriam enfim campeões no Apertura 2009 (onde foi a vez deles em ganhar por 2-1 do rival fora de casa, determinante adiante: o vice Newell’s ficou só dois pontos atrás), impondo a partir dali ainda uma invencibilidade de dois anos no clássico, até 2011. Em 2010, ambos disputaram juntos a Libertadores, algo que só as três principais rivalidades do país haviam logrado: Boca x River, Racing x Independiente e Newell’s x Rosario Central. Demonstrativo de como o clássico de fato cresceu a olhos alheios também.

Um detalhe é que 2009 também quase teve título do Lanús, no Clausura: todos lembram que o torneio foi decidido em um polêmico Vélez x Huracán, mas nem tanto que o Lanús lutou por aquela taça até a penúltima rodada após liderar a maior parte do certame (confira). Pode-se dizer que o Clásico del Sur viveu seu auge naquele triênio 2007-09. Os alviverdes campeões de 2009 contavam consigo no ataque nada menos com que o artilheiro da última Copa do Mundo, o colombiano James Rodríguez, e o tanque uruguaio Santiago Silva, que marcara os dois naqueles 2-1 na campanha do título de 2009.

E é Silva o vira-casaca de maior sucesso, pois é o único campeão nos dois desconsiderando títulos de acesso: o carequinha esteve no título do Lanús na última Sul-Americana, de 2013. O lado bonito da nova coroação internacional dos grenás é que o Banfield, em vez de sentir-se tripudiado pelo maior sucesso exterior do rival enquanto se via ainda na segundona (caíra em 2012), parabenizou-o com uma placa, retomando por um momento aqueles anos de amizade. Toda uma lição de exemplo que detalhamos neste outro Especial.

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O vira-casaca mais famoso é Camoranesi, de bom desempenho no Banfield da segundona nos anos 90 (incluindo gol sobre o Los Andes) e passou sem pelo rival recentemente. À direita, a placa que o Lanús recebeu de parabéns dos alviverdes

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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