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40 anos da 3ª parte do tetra do Independiente na Libertadores – sobre o São Paulo

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Há 40 anos, Independiente e Libertadores eram “o casal mais popular e conhecido da América. Cinco vezes se encontraram e já faz três anos que não se separam”, nas palavras da revista argentina El Gráfico em sua edição após a quinta vez em que o Rojo de Avellaneda se sagrou campeão – a terceira, seguida, igualando um então recorde do Estudiantes, em marca que seria superada outro ano depois. A final da edição de 1974 foi também a primeira a contar com o clube brasileiro mais vezes presentes nas decisões do torneio, o São Paulo. Que, por sinal, era treinado por um argentino, seu ex-goleiro e ídolo José Poy.

Primeira parte do tetra do Independiente completa 40 anos

40 anos da 2ª parte do tetra do Independiente

Como campeão da edição anterior, o Independiente pôde começar o torneio na segunda fase, que na época era um triangular que servia de semifinal. Os primeiros oponentes foram o Huracán e o Peñarol. O Huracán, campeão metropolitano de 1973 com um futebol dos mais elogiados do país (clique aqui), viera de uma chave complicadíssima: continha o campeão nacional de 1973, o Rosario Central (clique aqui) reforçado com Mario Kempes e onde curiosamente jogava o primo de José Poy, Aldo; e os chilenos do Colo-Colo e da Unión Española, nada menos que os finalistas e vices do Independiente na edição anterior, em 1973, e na seguinte, em 1975, respectivamente.

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Os artilheiros Bochini e Bertoni e o xerife Pavoni, então o maior campeão do clube

A edição de 1974 foi, até hoje, a única Libertadores que contou com o Huracán: o clube foi vice no Clausura 1994 em época onde, reduzida, a Libertadores só admitia da Argentina os dois campeões anuais, e no Clausura 2009, que não bastou frente ao desempenho ruim na soma com a campanha do Apertura 2008. O Globo foi muito bem, perdendo apenas em Rosario para o Central: venceu-o em Buenos Aires e derrotou os chilenos tanto em casa como fora, com direito a um 5-1 na Unión Española com três do craque Miguel Brindisi (na época o jogador que mais vezes havia defendido a seleção; marcou de falta no Brasil na Copa do Mundo naquele ano).

Na época, apenas o líder da primeira fase de grupos avançava e os quemeros, que dividiram a dianteira com o Central, conseguiram a proeza após um jogo-desempate vencido por 4-0 com outros dois de Brindisi. O problema é que esses jogos foram de fevereiro a abril. O triangular, por sua vez, começou praticamente um semestre depois, durando de setembro a outubro, período suficiente para o Huracán perder aquele embalo, embora ainda conseguisse um excelente 1-1 com o Peñarol em Montevidéu. O problema é que empatou em 1-1 também em casa, com o Independiente, no primeiro jogo.

O gol rojo naquele 1-1 foi de Ricardo Bochini, agora titular definitivo no clube do qual se tornaria o maior ídolo, campeão e em número de partidas – se não o conhece, leia aqui. El Bocha era reserva até o ano anterior (seu único jogo na Libertadores de 1973 foi justamente na finalíssima, saindo do banco), sedimentando seu lugar ao tornar-se o herói da Intercontinental, a primeira vencida pelo time: leia aqui. Bochini ainda por cima era torcedor exatamente do rival huracanense, o San Lorenzo. A dupla que fazia com Daniel Bertoni, autor do último gol da Copa de 1978, provava-se cada vez mais afiada: Bertoni marcou três vezes nos dois jogos seguintes. No segundo, mais decisivo ainda foi Agustín Balbuena, autor de outros dois nos 3-2 sobre o Peñarol no Centenário.

Ninguém podia com o Independiente na Libertadores entre 1972 e 1975. À esquerda, lance do 1-1 nas semifinais com o Huracán e, à direita, um dos 3-0

O terceiro foi um 3-0 sobre o Huracán em Avellaneda, com Hugo Saggioratto marcando o outro, e praticamente encerrou as pretensões do oponente (que levaria em casa outro 3-0, do Peñarol). Os uruguaios se mostravam os únicos com alguma chance de tirar do Independiente vaga em nova final. O confronto, que deveria sempre provocar feriado em todo o continente, tinha outro tempero extra: nos aurinegros jogava o superartilheiro Fernando Morena, segundo maior goleador da Libertadores.

Morena havia recusado ofertas europeias para poder jogar a Copa de 1974, mas em cima da hora a federação uruguaia passou a liberar a convocação de jogadores que atuassem no exterior, algo até então proibido (aquela Copa foi igualmente a primeira da Argentina onde ela usou “estrangeiros”). Revoltado, o atacante foi um dos líderes do grupo de jogadores descontentes com a medida, que permitiu, dentre outros, a convocação do lateral Ricardo Pavoni, símbolo daquele Independiente. Pavoni defendeu o clube por dez anos, de 1966 a 1976, e era justamente o recordista de jogos e taças pelo clube até Bochini superar-lhe, não sem antes ver o defensor ser o grande herói daquela Libertadores.

Em Avellaneda, Morena marcou mas não bastou para forçar um jogo-extra: ficou-se no 1-1, com Bertoni fazendo as honras da casa. No outro triangular-semifinal, quem avançou foi o São Paulo, após eliminar o Defensor Lima do forte futebol peruano da época e o Millonarios colombiano, onde jogavam alguns argentinos – dentre eles, o atacante Eduardo Maglioni, que havia vencido as Libertadores anteriores pelo Independiente (marcara inclusive os dois gols do título de 1972). Ele foi uma das poucas diferenças dos campeões de 1974 para os de 1973: outros que saíram nesse meio-tempo foram o zagueiro uruguaio Luis Garisto e o goleiro Miguel Santoro.

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O outro herói da conquista: o novo goleiro, Carlos Gay. À direita, López, Saggioratto, Commisso, Raimondo, Bochini e Balbuena entram no Pacaembu

A saída de Santoro decretara quase o fim de uma era: ele se firmara dez anos antes, em 1964, quando, ainda reserva, foi “estreado” na final da primeira Libertadores que o clube venceu e pegou tudo (veja). Campeão também nas de 1965, 1972 e 1973, Pepé havia ido à Copa do Mundo da Alemanha e de lá rumou para dois anos no Hércules espanhol. Assim, quem assumiu a posição durante toda a campanha foi seu outrora reserva Carlos Gay, que foi o outro homem-chave da finalíssima.

Brasileiros costumam esnobar a seca de títulos na Libertadores naqueles tempos, levando em conta apenas quando supostamente resolveram levá-la a sério, nos anos 90, justamente após o bi são-paulino em 1992-93. Mas o próprio São Paulo não pode usar essa desculpa para o seu vice: três dias antes da final, pela última rodada do primeiro turno do Estadual, usou nove reservas para o clássico com o Corinthians, que venceu por 1-0. A medida visava exatamente poupar os titulares para as finais da Libertadores e foi tomada mesmo com desaprovação de imprensa e torcedores: tudo porque naquele clássico o Timão sagrou-se campeão do primeiro turno, dando grande passo para desfazer aquele famoso jejum, que entrava no vigésimo ano. Foi o célebre Estadual em que os alvinegros, após perderem para o Palmeiras um título que davam como certo, defenestraram o ídolo Rivellino.

Está lá, no Jornal do Brasil de 12 de outubro de 1974, data da primeira final: “a principal preocupação de Poy está em evitar que os argentinos consigam um empate, já que a segunda partida está programada para Buenos Aires, onde dificilmente o São Paulo terá condições de vencer (…). Além de ficar em condições de jogar pelo empate, no segundo encontro, o São Paulo recuperará seu prestígio com a torcida, se vencer o Independiente, uma vez que a iniciativa da diretoria, em escalar o time misto quarta-feira passada, diante do Corinthians, não agradou aos torcedores. A justificativa, na ocasião, foi justamente a partida de hoje (…). Dos jogadores que enfrentaram o Corinthians, apenas o zagueiro Paranhos e o ponta-direita Terto começam jogando esta noite”.

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Gilberto, Valdir Peres, Chicão, Paranhos, Arlindo e Pablo Forlán, Terto, Zé Carlos, Mirandinha, Pedro Rocha e Piau. Ao lado, os capitães Pavoni e Rocha, ambos uruguaios

Apesar da irritação, a torcida tricolor “lotou o Pacaembu”, segundo relato do mesmo Jornal do Brasil, na edição seguinte. No jogo de ida, o Independiente demonstrou sua experiência copeira: suportou no primeiro tempo a superioridade são-paulina, que “teve pelo menos seis grandes oportunidades para marcar” e abriu o marcador em um contra-ataque. Bochini, célebre pelos passes precisos para deixar um colega na cara do gol (essas jogadas seriam apelidadas de bochinescas na Argentina), habilitou Saggioratto (que jogava originalmente na posição de Bochini mas teve que passar a atuar deslocado na ponta, como Tita & Zico), que chutou cruzado e anotou aos 29 minutos. Mas o São Paulo recuperou-se bem cedo no segundo tempo, com Chicão substituindo Ademir. Aos 7 minutos de reinício, já havia virado o jogo.

Pedro Rocha empatara aos 3 concluindo jogada de Piau, e pouco depois Gay não segurou um chute de Nelson. Mirandinha aproveitou o rebote e virou. A partida ficou no 2-1 e se encerrou com polêmica, não evitada pela presença de Antonio Sastre (ídolo dos dois clubes nos anos 30 e 40, ele havia viajado para receber homenagem mútua) um torcedor argentino entrara em campo para cumprimentar Pavoni. “Nesse momento, o policial o agrediu. Foi uma atitude bestial, sem razão nenhuma. De qualquer forma, em Avellaneda lhes daremos uma verdadeira lição”, registrou o uruguaio no Jornal do Brasil. Saggioratto e os volantes Rubén Galván e Miguel Raimondo também foram agredidos pelos policiais, segundo o Diário da Tarde. O técnico rojo, o ex-lateral Roberto Ferreiro, também advertiu: “Poy preocupou-se muito mais em criar um clima especial do que enfrentar o Independiente como equipe”.

A lição foi dada. Novamente nas palavras do Jornal do Brasil, na volta “desde o início da partida o quadro argentino dominou inteiramente o adversário. O objetivo do Independiente foi marcar Pedro Rocha e Mirandinha com muita atenção e daí partir para as iniciativas ofensivas, explorando sempre a velocidade de Bochini, o melhor jogador da partida”. El Bocha abriu o marcador cobrando falta, aos 33 minutos. “O quadro do São Paulo, inteiramente desentrosado, perdeu as ações no meio do campo. Seu ataque não se movimentava para receber os passes e a defesa se limitava a chutar a esmo para a frente, a fim de se livrar da bola e do perigo constante que o adversário criava na sua área”.

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Gay, Pavoni, López, Raimondo, Sá e Commisso; Bertoni, Saggioratto, Bochini, Galván e Balbuena

“No segundo período, o São Paulo esboçou uma reação. A equipe foi toda para o ataque em busca do empate, mas o fez desordenadamente e logo aos dois minutos sofreu o segundo gol, marcado através de Balbuena. Com a vantagem no placar, os argentinos passaram a jogar com tranquilidade, limitando-se apenas a tocar a bola para fazer o tempo passar”. O segundo jogo também se encerrou com alguma confusão, com um expulso para cada lado no último minuto: Terto e Saggioratto. Os 2-0 fariam o Independiente ser campeão pelos critérios atuais, mas os da época forçaram um jogo-extra. Pelo saldo melhor, os argentinos seriam campeões se a peleja terminasse empatada ao fim de uma eventual prorrogação. O tira-teima foi combinado para Santiago, em 20 de outubro.

E o público chileno abraçou os brasileiros, segundo relato tanto da mídia tupiniquim como da argentina. O jogo foi pobre e violento, tanto que um pênalti foi marcado para cada lado. Segundo o Jornal do Brasil, “a partida, de nível técnico medíocre, foi marcada pelas jogadas duras das duas equipes, cujos jogadores se igualaram também nos lances desleais. Os brasileiros contaram com a torcida dos chilenos (…). O Independiente, mal foi dada a saída na bola, demonstrou ser realmente uma equipe de decisão. Seus jogadores, com muita determinação, envolveram logo o meio-campo do São Paulo, onde Pedro Rocha, sem condições de jogo, mostrava-se lento e sem imaginação”.

“Tendo López como líbero e uma defesa bem plantada, os argentinos não se preocuparam com a gritaria da torcida chilena, que incentivava os brasileiros e os hostilizava, organizando ataques rápidos, principalmente através de Bertoni pela esquerda e Bochini pelo meio. Após conseguir o gol, o Independiente tratou de garantir o marcador, não permitindo que os brasileiros manobrassem a partir da sua intermediária”. O único gol veio no primeiro tempo, no pênalti marcado aos rojos, após falta de Paranhos em Bochini. Pavoni deslocou Valdir Peres, que caiu à esquerda com a bola indo ao outro lado.

O gol do título, nesse pênalti convertido pelo xerife Pavoni

O São Paulo teve sua melhor chance no seu pênalti, assim descrito pela El Gráfico: “esse rumor movimentado das tribunas chilenas festejando já o preâmbulo do empate. E um se pergunta desconcertado por que os chilenos se manifestam tão calorosamente partidários dos brasileiros… ao cabo, o silêncio. Zé Carlos defronte a bola. Zé Carlos que atira à direita do garoto Gay. E o garoto Gay revolcando-se com a bola. A bola que se vai das mãos. Que ameaça transpor a linha. Que não a transpõe. Que volta às mãos do garoto Gay. Que arranca explosão do grupo argentino. Que não é empate”.

E os próprios chilenos, conforme registro do Diário da Tarde, reconheceram os méritos dos campeões: “a imprensa chilena é unânime em considerar que o Independiente mereceu a vitória de sábado à noite. (…) Os comentaristas esportivos dos jornais chilenos afirmam que o triunfo argentino foi merecido. (…). ‘O Independiente não representa o futebol clássico da Argentina porém sabe segurar um resultado que lhe é favorável, eis porque nas finais é sempre considerado favorito’, salienta [o jornal] El Mercurio“. A capa da El Gráfico, por sua vez, mostrou o capitão e o autor do gol do título sob a legenda “Pavoni e La Copa, dois velhos amigos”. “Na década de 70, o Independiente era mais famoso ainda que o Santos de Pelé. Nos reconheciam em todos os lados”, afirmou o uruguaio.

FICHA DA PARTIDA – Independiente: Carlos Gay, Eduardo Commisso, Francisco Sá, Miguel López e Ricardo Pavoni; Rubén Galván, Miguel Raimondo e Alejandro Semenewicz; Agustín Balbuena (Osvaldo Carrica), Ricardo Bochini e Daniel Bertoni (Luis Giribet). T: Roberto Ferreiro. São /1Paulo: Valdir Peres, Pablo Forlán, Paranhos, Arlindo e Gilberto (Nelson), Chicão, Zé Carlos (Silva) e Pedro Rocha, Mauro, Mirandinha e Piau. T: José Poy. Árbitro: César Orozco (PER). Gol: Pavoni (37/1º).

A defesa do título: o pênalti de Zé Carlos que consagrou no Independiente o goleiro Carlos Gay, após agarrar em dois tempos a bola. À direita, Gay com o troféu junto a Commisso e Pavoni

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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