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75 anos de Silva Batuta, o único brasileiro artilheiro do Argentinão

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O futebol argentino teve brasileiros destacados por seus gols, como Paulinho Valentim e Iarley no Boca, e matadores como Charles Fabian e Jardel, que por sua vez não vingaram. Mas só um foi artilheiro do campeonato argentino: Walter Machado da Silva, ídolo de Flamengo e Corinthians nos anos 60 e que estivera na Copa 1966. O Globo Esporte, desconhecendo a grandeza do Racing, onde o “Batuta” deslumbrou, até exagerou nesta matéria na qual afirma em certo momento que o jogador seria o maior ídolo do clube. Nascido em 2 de janeiro de 1940, hoje Silva (ou “Machado da Silva”, como é chamado na Argentina) faz 75 anos. Hora de relembrar sua passagem pela Argentina.

Ele está longe de ser o maior ídolo do Racing, mas, mesmo com uma passagem efêmera, é muito bem lembrado até hoje no clube. A ponto de, mesmo não alcançando títulos ou 30 jogos, estar entre os cem maiores ídolos racinguistas eleitos em edição especial da El Gráfico em 2011 – enquanto João Cardoso, titular e autor de gol do título na Libertadores 1967, não está (um equívoco, ao nosso ver).

Atualização em 11-08-2015: clique aqui para acessar nossa entrevista com João Cardoso, outro brasileiro histórico no Racing.

Criado no São Paulo, Silva chegou à Argentina após bons momentos nos dois mais populares clubes brasileiros, Corinthians e Flamengo, além de estar também no celebrado Santos de Pelé. Seria ídolo também no Vasco, que embalado pelo atacante encerraria no Estadual de 1970 o maior jejum cruzmaltino, doze anos desde 1958. Ele já tinha uma experiência no futebol hispânico. Nada menos que no Barcelona, após a Copa 1966. Mas a passagem pela Catalunha foi péssima…

O futebol espanhol estava fechado a estrangeiros e a contratação veio na expectativa de que essa proibição fosse cessar. Silva só pôde jogar amistosos, dali foi passado ao Santos e é mais lembrado por conta de declaração racista do então presidente do Barça, Enric Llaudet: “pois se não pode jogar, o usarei como chofer. Sempre quis ter um chofer negro”. O relato, do jornal El País, está neste link.

Foi ídolo nos rivais Flamengo (com Almir Pernambuquinho, ex-Boca) e Vasco. É o quarto agachado nos campeões de 1970. O primeiro e o último em pé são o argentino Andrada e o técnico Tim, campeão no San Lorenzo em 1968
Ídolo por Flamengo (com Almir Pernambuquinho, ex-Boca) e Vasco (4º agachado). O 1º e o último em pé são o goleiro argentino Andrada e o técnico Tim, campeão no San Lorenzo

Curiosamente, ainda antes de ir ao Barcelona (e ao Racing), Silva já havia conhecido Avellaneda: em 1º de novembro de 1966, jogou um amistoso pelo Flamengo nada menos que contra a seleção argentina, que se preparava para a Copa América que se realizaria dali a dois meses. E foi do “Batuta” o gol flamenguista no honroso 1-1, empatando a partida, realizada no estádio do Indepediente.

Quando Silva veio ao Racing, chegava ao mais prestigiado dos grandes clubes argentinos: em 1967, La Academia havia se tornado o primeiro time do país a ser campeão mundial. Sequer desconfiava-se que só nos idos de 1988 levantaria uma taça não-amistosa (com a Supercopa Libertadores, sobre o Cruzeiro) e que entre 1966 e 2001 passaria por 35 anos sem títulos na elite. Esse jejum tinha tudo para ser menor em 1969, com El Equipo de José, o time do técnico Juan José Pizzuti, ainda em alta.

O campeonato metropolitano de 1969 (novo nome do antigo campeonato argentino, concentrado na Grande Buenos Aires, La Plata e Rosario e que desde 1967 dividia o calendário anual com o “Torneio Nacional”) funcionou assim: os 22 clubes foram divididos em dois grupos, que separavam rivais. Cada time enfrentava em turno em returno os oponentes do grupo e faziam também dois jogos integrupais, normalmente os clássicos (entre aqueles cujo rival estava na elite, é claro). Os dois primeiros de cada grupo fariam semifinal e final em jogos únicos em campo neutro.

Silva começou mal: expulso em plena estreia, contra o Los Andes. Mas no seu jogo seguinte, fez seu primeiro gol, um 2-0 no forte Estudiantes (tri seguido na Libertadores no período, havia acabado de ser campeão mundial também, em 1968, sobre o Manchester United em Old Trafford). Foi a primeira vitória racinguista, na terceira rodada, e o brasileiro deixou o seu seguidamente também na quarta e na quinta: um 1-1 com o Huracán, que curiosamente marcou também através de um brasileiro, Araquém de Melo; e um 3-1 no Platense, com dois do reforço.

A declaração de Doval está no segundo parágrafo – salve a imagem ou abra-a em nova janela

Mas só a partir da nona rodada é que o Batuta viraria de vez El Negro Exquisito, palavra esta que na Argentina tem sentido diferente, significando “requintado” e não “estranho”. Após três partidas em branco, deixou o seu no 2-2 em clássico intergrupal com o Independiente. Nos cinco jogos seguintes, deixou sete gols: após um 0-0 com o Argentinos Jrs, o brasileiro anotou nos 2-2 com o River no Monumental de Núñez; um também fora de casa nos 3-1 sobre o Los Andes, já no returno; três em um 5-2 no Newell’s; e o único no 1-0 em reencontro com o Estudiantes, dessa vez dentro de La Plata. Nos nove jogos restantes da primeira fase, somou mais quatro gols.

Ao todo, foram 14 gols de Silva em 22 jogos daquela fase inicial, da qual seu Racing foi a melhor equipe: somou 35 pontos de 44 possíveis, enquanto os líderes do outro grupo, Boca e Chacarita, ficaram nos 30. “Era delicioso vê-lo jogar: tinha um grande domínio da bola, um drible vistoso, uma pegada de outro planeta e um soberbo cabeceio”, relatou aquela El Gráfico especial de 2011 sobre o desempenho do “brasileiro luxuoso que esteve só um ano, mas ninguém o esqueceu”.

“Nesse 1969 que esteve afincado em Avellaneda, se apresentou grandemente com tiros livres impossíveis de agarrar, com passes-gol que causavam admiração, com arremates eletrizantes aos ângulos e gols de cabeça que faziam com que o Racing somasse muitos pontos”, prosseguia a revista. O vitorioso técnico daquele Racing, Juan José Pizzuti, acabaria chamado para treinar a seleção argentina após o insucesso dela em se classificar à Copa do Mundo de 1970.

Indagado pela mesma El Gráfico, mas naquele 1969, sobre Silva, Pizzuti respondeu assim: “um grande jogador. O que nós precisávamos para dar força ao ataque. O brasileiro tem qualidade e experiência. Sabe regular o jogo e pode regular toda a equipe, porque já não podemos seguir jogando na vertigem de 1966… aquilo já passou (…). Machado vai muito bem acima. Tem a característica clássica dos grandes jogadores brasileiros: o salto duplo. Se eleva, pára no ar e segue subindo. Tem marcado gols magníficos arqueando-se e cabeceando por cima do defensor”.

“A elegância feita gol”, diz o pôster; em clássico com o Independiente, onde deixou o seu gol; e chamado de “melhor camisa 9” do Racing em comentários à foto com o futuro cruzeirense Perfumo

Silva também foi capa da revista na época e em certa matéria menciona-se que um jovem ponta do San Lorenzo chamado Narciso Doval procurou-lhe sobre uma oferta do Flamengo: “quero saber como é a situação lá (no Brasil) porque me têm pedido. Estou consultando el negro para saber se me convém ir”, explicou Doval, que brilharia no rubronegro e no Fluminense nos anos 70 – falamos sobre ele aqui.

Contudo, o carnaval teve um fim cediço. Com a melhor campanha, o Racing poderia empatar no jogo único com o Chacarita Juniors, um intruso nada acostumado a lutar por títulos. Os alvicelestes pareceram ter se apegado à vantagem ou se poupado para final teoricamente mais difícil (ou ambos) contra Boca ou River, que travaram a outra semi. A avaliação da El Gráfico sobre a mentalidade ofensiva racinguista foi de só 2 pontos e dois jogadores de defesa foram os melhor avaliados pelo clube ali: o goleiro Cejas, depois ídolo no Santos de Pelé, com 7 pontos, enquanto  futuro ídolo cruzeirense Perfumo levou 6. A Silva foi dado nota 5, ainda assim a mais alta do quinteto ofensivo.

O Racing acabou castigado. No fim do jogo, aos 42 do segundo tempo, um peixinho certeiro na entrada da pequena área fez o único gol da partida, mas a favor do Chacarita. O Chaca provaria adiante que não era fogo de palha e goleou o River na final por 4-1, conquistando o único título de elite dos tricolores – contamos aqui. Fosse em outro contexto, os racinguistas talvez jogassem de outro modo: cerca de dois meses depois, já no Torneio Nacional, ganharam do Chacarita por 3-0. Com dois de Silva…

O brasileiro saiu ainda no meio do Torneio Nacional, onde o Racing ficaria apenas em 8º. “O sucesso não me fazia esquecer o Brasil. Só Deus sabe como fiquei alegre no dia em que assinei contrato com o Vasco. Sentia-me um menino de dez anos”, contou o atacante à Placar em 1970. “Walter Machado da Silva contabiliza 28 jogos em seu passo pelo Racing, convertendo um total de 18 gols. A média é impactante. (…) Ao marchar de novo ao Brasil, o Racing o extrañó…“, concluiu aquela El Gráfico. O verbo extrañar também não tem o sentido relacionado a “estranho”. Significa sentir saudades…

Clique aqui para acessar a nota oficial do Racing sobre os 75 anos de Silva.

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O brasileiro novamente lembrado por torcedores. Na foto, Agustín Cejas, Alfio Basile, Roberto Perfumo, Enrique Wolff, Nelson Chabay e Juan Carlos Rulli; Hugo Zarich, Osvaldo Lamelza, ele, Roberto Salomone e Miguel Adorno.

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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