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Argentinos nos 115 anos da Lazio

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Simeone (primeiro agachado), Verón (em pé, ao meio) e Almeyda (sentado, ao meio) após baterem o Manchester United na Supercopa 1999. Há ainda o chileno Salas, o outro sentado. Sensini jogava lá também

Os anos mais gloriosos dos 115 que a Lazio completa hoje deve muito aos argentinos, presentes por lá desde os primórdios. Mas bem antes daquele período dourado com Verón, Simeone, Crespo, Almeyda ou Claudio López, anos que renderam até camisa Albiceleste da Biancoceleste (foto acima), o clube foi cheio de hermanos. Hoje, por exemplo, tem quatro. A presença argentina data desde os primórdios do clube romano fundado em 1900. Entre 1903 e 1905, ele contou com os irmãos Pietro (defensor), Felice e Ernesto Cerruti (atacantes). Os dois primeiros provavelmente foram batizados como Pedro e Félix, pois o trio nasceu na Argentina. Foram os primeiros estrangeiros laziali.

Depois dos Cerruti, os próximos a jogarem oficialmente vieram só a partir de 1939. Naquele ano, o clube contratou como técnico Alfredo Di Franco, que havia treinado o Racing. Ele não hesitou em pedir a contratação de Evaristo Barrera, que em matéria de média de gols foi o atacante mais efetivo que o clube de Avellaneda já teve: mesmo sem títulos argentinos na Academia, ele se consagrara lá com 136 gols em 142 jogos pelo clube. Ele se radicaria na Itália após dez anos no calcio, mas não pela passagem pela Lazio. Jogou só meia temporada, com 16 jogos e 6 gols, não se ambientando.

Di Franco chamou diversos outros para testes e foi gente menos celebrada que Barrera que se deu melhor. O meia-atacante Enrique (às vezes italianizado “Enrico”) Flamini, ex-Racing como os dois, também veio em 1939 e marcou o único gol do seu primeiro clássico romano. Faria o mesmo dez anos depois e em 1954, continuava defendendo o clube: somou três diferentes passagens como jogador, só interrompidas por uma estação na Reggiana e, durante o agravamento da Segunda Guerra Mundial em solo italiano, por uma temporada no Peñarol e outra no Cruzeiro de Porto Alegre (!). Quando parou de jogar, era o segundo homem com mais partidas como laziale (segue entre os dez primeiros até hoje). Nas décadas seguintes, foi técnico dos juvenis e assumiu interinamente o principal.

Silvestre (“Silvestro”) Pisa também aportou em 1939 e era outro bem conhecido em Avellaneda, mas pelo Independiente. Como Flamini, deixou a Lazio em 1943 por conta da Segunda Guerra, após anos de boa dupla ofensiva com o mito Silvio Piola. Marcou 32 gols em 82 jogos, média boa para os padrões italianos. Seu irmão Anselmo Pisa veio também, mas jogou só uma vez oficialmente entre os adultos. Em 1940, é o San Lorenzo quem exporta dois: os meias Alberto Fazio, outro que a guerra afasta em 1943, e Salvador (“Salvatore”) Gualtieri. Este nem mesmo a guerra tirou da Lazio, esquadra que defenderia nos nove anos seguintes e em outros integrando a comissão técnica.

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Flamini, Gualtieri, Lorenzo e Morrone: os argentinos de mais sucesso na Lazio até os anos 90

O atacante Enrique Martegani, ex-Boca e Chacarita, esteve na temporada 1955-56 já com alguma experiência na Itália, após anos do Padova e no Palermo. Ídolo mesmo foi Juan Carlos (“Giancarlo”) Morrone, que vindo do Platense tornou-se por anos o segundo maior artilheiro da Lazio (segue no Top 10, exatamente como décimo), onde saiu em 1971. Como outros hermanos que se fincaram por anos com a águia no peito, trabalhou também como técnico juvenil ou interino.

Morrone foi treinado pelo xará Juan Carlos Lorenzo, nome histórico em diversos times. Na seleção, foi o técnico nas Copas 1962 e 1966. No San Lorenzo, treinou o primeiro bi anual argentino, em 1972. No Atlético de Madrid, por segundos não venceu a Liga dos Campeões de 1973-74. Em 1976, também foi bi anual no Boca, pelo qual levantaria as duas primeiras Libertadores (1977-78) e Intercontinental (1977) vencidas pelos xeneizes. El Toto também se deu bem na Lazio. Estrangeiro que mais vezes treinou o clube, com passagens no cargo nos anos 60, 70 e 80, ainda que normalmente nas fases mais podres: venceu a Serie B de 1968-69 e foi tentado na temporada 1984-85, em que os biancocelesti foram novamente rebaixados. Heresia: a taça mais importante, a Copa da Itália 1964, foi com a rival Roma.

Após o vexame da Itália na Copa 1966, o calcio fechou-se a novos jogadores estrangeiros que já não estivessem por lá. Essa política só se alterou na virada para os anos 80. O meia Antonio Labonia veio das categorias de base e estreou entre os adultos em 1978, mas não vingou: só jogou cinco vezes oficialmente. Outro obscuro foi o atacante Fabio Nigro, com nove aparições na segundona de 1987-88, quando a Lazio enfim voltou à elite para não sair mais.

Para a reestreia na Serie A, contratou-se Gustavo Dezotti, atacante recém-campeão argentino em 1988 com o Newell’s. El Galgo tornou-se o primeiro jogador aproveitado pela seleção argentina como laziale, mas fracassou em Roma, com só 3 gols em 23 jogos. Foi repassado à modesta Cremonese, onde foi rebaixado na temporada seguinte, mas com desempenho individual dos melhores: 13 gols, artilharia entre os argentinos no auge do campeonato da Velha Bota e convocação à Copa 1990, onde foi expulso na final. Na Copa, foi colega do zagueiro Pedro Troglio, que havia sido contratado em 1989 e foi dispensado em 1991 após uma lesão grave e conflitos com a direção.

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Almeyda, Simeone, Verón e Sensini: o quarteto argentino do grandioso centenário em 2000

A partir de 1992, quando a Lazio passou a ser controlada por Sergio Cragnotti e seu grupo Cirio, os biancocelesti se elevaram muito de patamar. O primeiro hermano da nova era foi o defensor José Chamot, que jogando pelo nanico Foggia havia ido à Copa 1994. Ele e o compatriota Matías Almeyda, volante que chegara do Sevilla em 1997 (“foram me ver um jogo contra o Barcelona no Camp Nou. Dei uma patada no Ronaldo e me expulsaram. Pensei que nem louco me compravam. Por sorte haviam visto outros jogos”, disse ele), venceram a Copa da Itália de 1998 (e foram vices na Copa da UEFA), primeiro troféu da fase dourada. Chamot dali foi vendido ao Atlético de Madrid e perderia o clímax laziale.

Já Almeyda ficou e se deu bem. El Pelado nunca foi um fora de série, mas foi eleito o melhor jogador da Serie A na temporada 1998-99, em que paralelamente o clube venceu a última edição da Recopa Europeia, na época o segundo troféu europeu mais valorizado. A Lazio venceu também a Supercopa Europeia, sobre o Manchester United (gol de outro vindo da Argentina, o chileno Marcelo Salas) e então se encorpou de hermanos para a temporada do centenário, em 1999-2000.

Com a Internazionale, trocou Christian Vieri pelo volantão Diego Simeone. E, do super Parma da época, igualmente de riqueza argentina (veja), trouxe o zagueiro Roberto Sensini e o armador Juan Sebastián Verón. Com o quarteto, o centenário foi dos sonhos, faturando-se tanto o campeonato italiano quanto a Copa da Itália, com Simeone marcando sobre sua antiga Inter. E ainda a Supercopa da Itália também, disputada mesmo com a dobradinha laziale na Serie A e na Copa: novamente contra a Inter, derrotada por 4-3 com dois gols do ponta Claudio López, reforço para 2000-01 após ter sido vice da Liga dos Campeões no Valencia (outro a viver anos dourados cheios de argentinos, por sinal).

Mas o destaque foi mesmo o título italiano, o segundo (o primeiro desde 1974) e último do clube, taça que para completar igualava na época as duas ligas vencidas pela Roma. Verón, vice-artilheiro dos campeões, deixou o seu em vitória de virada no dérbi da capital naquela caminhada, aliás. Simeone fez o único em plena Turim sobre a feroz concorrente Juventus de Zidane, vice por um único ponto. Cada um deixou o seu também na partida que garantiu o scudetto, nos 3-0 sobre o Reggina. Já Almeyda não manteve o ritmo e após a Supercopa da Itália foi usado com Sensini como moeda de troca com o Parma para a contratação de Hernán Crespo, na época a segunda maior transferência do futebol. Menos badalado, o meia Lucas Castromán chegou do Vélez como promessa já testada na seleção. Teve seu maior momento em um dérbi romano em que empatou aos 50 do segundo tempo, em 2001.

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Claudio López, Crespo e os “estrangeiros” Ledesma e Zárate: os argentinos de maior êxito nos últimos anos

Crespo já veio na entressafra para a decadência, iniciada com a venda de Verón ao Manchester United em 2001. Em 2002, foi a vez da crise econômica forçar a saída do próprio Crespo à Inter, mas o atacante soube deixar boas lembranças em Roma, sendo o artilheiro da Serie A de 2000-01. Simeone voltou ao Atlético de Madrid em 2003. Assim, Claudio López e Castromán foram os hermanos no canto do cisne daquela grande Lazio, a Copa da Itália de 2003-04, embora já não fossem titulares e saíssem logo depois. Dos anos de ouro, só o veterano Sensini e Castromán não foram à Copa 2002. Juan Pablo Sorín veio após o mundial em que a Argentina tinha de tudo para ser campeã. O lateral só ficou um semestre.

As contratações argentinas para 2004-05 sinalizaram que a fase áurea estava distante: os volantes Esteban González, do Gimnasia LP, e Braian Robert, do Independiente; do Rosario Central, o defensor Leonardo Talamonti e do Atlético de Madrid, o zagueiro Matías Lequi. Nenhum ficou para a temporada seguinte. Já em 2006 contrata-se do Lecce o meia Cristian Ledesma, até hoje no elenco e já capitão laziale à altura de 2009, quando o time voltou a vencer algo, a Copa da Itália. Ledesma acabaria jogando pela seleção italiana (uma vez, em 2010) e foi colega de Mauro Zárate, que recentemente anunciou que também defenderá outra seleção, a do Chile – veja. Zárate teve bons momentos (fez o gol daquela final, por exemplo) e, se não tinha como superar a forte concorrência com Messi, Higuaín, Tévez, Agüero, Milito ou Lavezzi no ataque argentino, merecia ao menos alguns testes.

Outro argentino campeão da Copa da Itália 2009 foi o goleiro Juan Pablo Carrizo, que nunca vingou em Roma: alternou sucessivos empréstimos à reserva do uruguaio Fernando Muslera (que por “acidente” nasceu em Buenos Aires, aliás). Albano Bizzarri, outro goleiro, veio em 2009 e saiu em 2013 com novo título da Copa da Itália, este no clássico com a Roma. Mas também esquentou o banco, somando só doze jogos na liga nesse período. Chegara junto de outro fracasso, o atacante Julio Cruz, reserva útil na Inter que veio veteraníssimo e rescindiu após uma temporada.

Atualmente, além do “italiano” Cristian Ledesma, a Lazio que vem na terceira colocação da Lega Calcio conta também com Diego Novaretti e Lucas Biglia (volante que participou da última Copa do Mundo), desde 2013, e contratou no ano passado o zagueiro Santiago Gentiletti (que também faz aniversário hoje), titular na inédita conquista do San Lorenzo na Libertadores. Trio que ainda busca se firmar nessa história tão rica em argentinos, repleta de diversos outros que não consideramos por terem jogado só amistosos, jogos-treino, no time B ou juvenis. A LazioWiki lista-os neste link – fazemos menção a Arturo Quini Ludueña, que nos anos 30 jogou pela seleção B da Itália e que vinha justo da Roma. Não jogou no time laziale principal, mas de hermanos só ele e o técnico Lorenzo estiveram nos rivais da Cidade Eterna.

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Crespo, Almeyda, Simeone, Verón, Ledesma, López e Zárate estão nesses 115. Clique para ver ampliado

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Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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