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Elementos em comum entre Boca e Vélez

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Chilavert celebra um dos seus dois gols naqueles 5-1 de 1996. O paraguaio foi um contínuo carrasco do Boca em uma década gloriosa da dupla, patrocinada pela cerveja Quilmes naqueles tempos

Dois ícones do futebol copeiro e conquistador da virada do século (muitas vezes, sobre brasileiros) têm jogo hoje que vale vaga na Libertadores 2015, a não ser que o Vélez cumpra sua ameaça de boicote – como o regulamento não previa o jogo-desempate, o Fortín entende que a vaga direta deveria ser sua. Se perder, o Boca ainda poderá ir à Libertadores, mas terá de passar pela pré-fase. Já uma derrota dos do bairro de Liniers coloca o Estudiantes na pré-Libertadores.

Campeões de Libertadores dentro de São Paulo e mundiais sobre o Milan, ambos são também os clubes de mais tempo seguido na primeira divisão argentina: o Boca desde 1913 e o Vélez desde 1943, após seu único rebaixamento, em 1940. Eles poderiam ter sido campeões no mesmo ano em 1919, quando o Boca venceu a elite pela primeira vez. O Vélez jogava em liga separada e foi vice do Racing. Os anos de títulos conjuntos seriam 1943 (auriazuis na elite, fortineros na segundona), 1998, 2005, 2011 (nos três com La V Azulada no Clausura, bosteros no Apertura – em 2005 o Boca ergueu também a Sul-Americana) e 2012 (Vélez no Inicial, Boca na Copa Argentina).

Se o Boca virou um Rey de Copas na última década e meia, já era um time de renome mundial antes, apesar de viver crise de décadas até 1998. O Vélez, não. Passou a maior parte do século XX como um time de resultados modestos, priorizando-se (e muito bem) como um clube voltado mais ao lazer dos sócios do que à cobrança dos torcedores por títulos. Ainda hoje, os mais conservadores desdenham da grandeza velezana exatamente pela tradição apenas recente em ser multicampeão.

Os dois, que primam as origens italianas na própria identidade (o Vélez usava camisa nas três cores da Itália, semelhante à do Fluminense, antes de adotar uma azzurra, e ainda recorre ao modelo antigo nos uniformes reservas; o torcedor do Boca é apelidado de xeneize, derivado de zeneise, que significa “genovês” no dialeto lígure), ganharam ou renovaram a bagagem internacional por conta do mesmo homem: o técnico Carlos Bianchi, maior treinador da história da dupla.

Em ambos os casos, Bianchi pegou plantéis que viviam no quase ou mesmo à deriva. E, sem recorrer a mudanças significativas de integrantes e a nenhum medalhão milagreiro, injetou planejamento, tática, respeito mútuo e muita vontade vencedora. Na primeira temporada no Boca, em 1998-99 (a estreia, ironicamente, foi em derrota para o Vélez na Copa Mercosul), conseguiu dois títulos argentinos, a mesma quantidade que o clube havia conseguido em 22 anos. Para ficar só nos números principais, levantou metade das Libertadores boquenses (três) e duas das três Intercontinentais.

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Bianchi, maior técnico de ambos

Mas, qualitativamente falando, o que ele fez para o Vélez foi muito maior. Já era Deus lá como jogador: é o maior artilheiro do clube e esteve presente no primeiro título fortinero na elite, em 1968. O segundo exigiu 25 anos de espera, em 1993, e foi o primeiro de El Virrey na nova carreira. E com ele a equipe de bairro de Liniers venceria Libertadores, Intercontinental, Recopa, Supercopa e seu único bicampeonato nacional (em 1995-96), não voltando a ser a mesma.

Muitas vezes, o Boca esteve no caminho da ascensão meteórica velezana, em jogos grandiosos com aura quase de clássico nos anos 90. Goleador das finais da Libertadores e Intercontinental em 1994, o atacante Omar Asad, mesmo sendo na infância torcedor do River, quase foi ao Boca em 1995. Uma foto sua com a camisa “rival” foi até divulgada pela El Gráfico. Em 2010, em entrevista à revista, declarou que “no clube quase me matam. [O presidente] Gámez me disse de tudo, Chila[vert] me chamava de ‘gordo traidor’, Bianchi agarrado à cabeça: ‘Omar, não posso crer’. Metade a sério, metade em brincadeira, meus companheiros me xingavam e me faziam sentir esse erro”.

Aquela gloriosa década começou simbolicamente com um espetacular 3-3 em fevereiro de 1990 em que os auriazuis abriram 3-0 (um, do ex-fortinero José Luis Cuciuffo) fora de casa mas sofreram o empate a dois minutos do fim (um, do ex-boquense Ricardo Gareca, o mesmo que treinou o Palmeiras ano passado). Em oito jogos internacionais, o Vélez tem cinco vitórias – uma, um 2-1 na Bombonera na caminhada do título da Libertadores 1994. Os xeneizes só venceram uma, na sua vitoriosa Libertadores 2007, na polêmica noite da solada voadora do goleiro Gastón Sessa no rosto de Rodrigo Palacio. Se havia rivalidade, a diretoria velezana estabaleceu limites e imediatamente demitiu Sessa.

Se Bianchi era a figura máxima nos anos 90, em campo esse papel cabia ao goleirão José Luis Chilavert, que se cansou de ser carrasco: o título de 1995 foi tirado dos auriazuis nas rodadas finais – estes, com Maradona e Caniggia, lideravam invictos até a antepenúltima rodada. Na campanha do bi em 1996, o paraguaio marcou dois no desafeto Carlos Navarro Montoya (um dos ídolos em comum), por falta e pênalti, em virada de 5-1 com direito a confusão e expulsão de Maradona e outros. Em 1997, nova virada, agora na Bombonera, por 2-1 com um de pênalti do goleiro, apesar do Vélez jogar com um a menos desde os 19 minutos. E, na última campanha campeã no século, em 1998, novo triunfo na Bombonera, um 3-2 com Chila convertendo pênalti a dois minutos do fim.

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Comas, Navarro Montoya e Basualdo

Além de Bianchi, pode-se elencar outros com absoluto ou relativo destaque por ambos. Abaixo, ídolos:

Carmelo Simeone: Diego Simeone também começou no Vélez e seu apelido El Cholo foi “herdado” de Carmelo, com quem não tem parentesco. O lateral não tinha a maior das técnicas, mas compensava com muita entrega em uma defesa eficiente. Ganhou três títulos nacionais no Boca nos anos 60, indo à Copa do Mundo de 1962 e atuando também nos vices da Libertadores 1963, para Pelé & cia.

Jorge Comas: de um período não tão glorioso para a dupla, conseguiu se destacar nos anos 80, em que River e Ferro Carril Oeste (o rival velezano) se sobressaíram. Era um ponta-esquerda goleador que, após ser vice nacional com o Vélez em 1985 (foi artilheiro do torneio com 12 gols em 15 jogos), veio ao Boca. Não conseguiu taças, mas seus seguidos gols no River o tornaram ícone boquense naqueles anos.

Carlos Navarro Montoya: El Mono foi revelado em Liniers e esteve na campanha quase campeã de 1985. Chamou a atenção da Colômbia natal e jogou as eliminatórias à Copa 1986, do qual se arrependeria: filho de argentinos e crescido em Buenos Aires, passou a acalentar o sonho de defender a Albiceleste, mas a autorização da FIFA só veio tarde, em 1998. Seus melhores momentos já haviam passado e se deram no Boca, para onde foi em 1988. Líder dos poucos bons momentos pré-Bianchi por lá, ganhou a Supercopa 1989 e o título argentino de 1992, as taças mais expressivas antes do fim do século. Já o Vélez, para suprir sua ausência, contratou em 1989 ninguém menos que o mito Ubaldo Fillol.

José Basualdo: o volante já tinha experiência de Copa do Mundo quando veio como reforço não muito badalado ao Vélez, em 1993. Pepe logo participou da quebra daquele jejum de 25 anos e foi novamente à Copa, em 1994, sendo titular na Libertadores e Mundial. Já veterano, carregou o piano no Boca de Bianchi naquele recordado meio-campo com Mauricio Serna, Diego Cagna (ou Sebastián Battaglia) e, sobretudo, Juan Román Riquelme. Dos campeões internacionais no Vélez em 1994, foi o único a vivenciar de novo a mesma glória como jogador, em 2000, agora nos xeneizes.

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Gareca no Boca (com Bianchi) e como jogador no Vélez. Ao meio, o então goleiro Falcioni em pé e o então volante Ischia agachado no Vélez de 1979. À direita, Falcioni e Ischia (com Gareca ao fundo) treinando o Boca

Alguns outros tiveram bons desempenhos na dupla, mas só caíram nas graças mesmo de um:

Marcelino Martínez: atacante que liderou o Vélez que, estreante na elite em 1919, alcançou um honroso vice-campeonato. Uma façanha que demoraria até 1953 para ser repetida até o primeiro título finalmente vir em 1968. Martínez no ano seguinte foi jogar no Boca, que, em liga separada, foi campeão em 1920. Integrou metade dessa campanha e saiu outro ano depois.

Julio César Falcioni: goleiro velezano na virada dos anos 70 para os 80, integrou os vices de 1979. Acabou indo ao forte “narcofutebol” colombiano da época, sendo trivice da Libertadores pelo América de Cali nos anos 80 e até chegando à seleção em 1989. Como técnico, destacou-se nos melhores momentos da história do Banfield (Libertadores 2005, título nacional de 2009) e isso o credenciou a vir ao Boca em 2011. Foi a última vez que os auriazuis foram campeões argentinos (e invictos) e no ano seguinte conseguiu um vice na Libertadores. Mas sem encantar e em um grupo cheio de atritos internos.

Oscar Ruggeri e Ricardo Gareca: ambos eram ídolos na pior fase do Boca, no início dos anos 80. Ruggeri como um cão de guarda da defesa e Gareca no ataque como um frequente carrasco do River. Mas ficaram para sempre no ostracismo xeneize ao forçarem transferência justo para o River em 1985. El Cabezón Ruggeri se consagrou no rival, já El Tigre Gareca em poucos meses foi ser colega de Falcioni naquele América de Cali trivice. Já veterana, a dupla se reencontrou no Vélez em 1990. Ambos saíram justo às vésperas da campanha redentora de 1993. Ruggeri havia feito o bastante para seguir na seleção. Já Gareca ganharia de vez a torcida como técnico do segundo momento mais glorioso do clube do coração, os quatro títulos nacionais entre 2009 e 2013, trabalho que seduziu o Palmeiras.

Miguel Ángel Russo: como jogador e técnico, ele se atrelou mais ao Estudiantes. Mas treinou momentos importantes da dupla: o primeiro título velezano do novo século, em 2005, encerrando um jejum de sete anos, longo demais à torcida agora mal acostumada; e o último do Boca na Libertadores, em 2007, sobre o Grêmio. Acaba de regressar mais uma vez ao Vélez.

Carlos Ischia: classudo volante daquele Vélez vice de 1979, como outros acima foi àquele América de Cali. No Boca, “roubou” um nacional quase ganho pelo San Lorenzo em 2008 (mas quase perdido para o Tigre também), quando conquistou também a Recopa, última taça internacional xeneize.

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Somoza, Cuciuffo e Mancuso (agachado com ele no Vélez, Gareca)

Leandro Somoza: cão de guarda do Vélez campeão em 2005, e sobretudo em 2009, até teve chances na seleção. Acaba de voltar ao clube após passagem pelo bom Lanús recente e no Boca de Falcioni campeão nacional de 2011 e vice na Libertadores 2012.

Além de Ruggeri, outros três defenderam a seleção vindos de ambos:

José Luis Cuciuffo: único velezano campeão de Copa do Mundo, em 1986, e único argentino campeão de Copa do Mundo já falecido – sua morte acidental completou dez anos mês passado. El Cuchu foi o zagueiro dos vices de 1985 e após a Copa foi ao Boca, pelo qual manteve-se na seleção até deixar os auriazuis, em 1989. Mas sem lembrar tanto o veloz defensor de antes.

Alejandro Mancuso: vindo da base do Ferro Carril Oeste, o aguerrido volante trocou-o pelo rival Vélez, seu clube do coração. Como Gareca e Ruggeri, saiu pouco antes de 1993, o que lhe impediu de se eternizar mais no Fortín. Mas seu desempenho o colocara na seleção e se firmou por um tempo nela após marcar sobre o Brasil. Já como boquense, acabou indo à Copa 1994, mas ficou pouco e em 1995 veio ao futebol brasileiro, onde se destacou mais no Flamengo.

Fernando Gago: revelado pelo belo Boca de 2005-06 (bi nacional, bi da Sul-Americana e vencedor de uma Recopa), na época foi comparado ao classudo Fernando Redondo e o Real Madrid, onde Redondo brilhara, acreditou nisso. Atormentado pelas lesões, não se consolidou. O Vélez resolveu apostar nele em 2013. Por conta de um único jogo, a superfinal 2012-13 contra o Newell’s, pode-se considerar campeão em Liniers. Mas, embora tenha voltado à seleção, deu impressão de má vontade em Liniers. No segundo semestre, voltou ao Boca, onde deu mais lampejos, a ponto de ir à Copa 2014.

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Pico, Santiago Silva e Insúa

Além de Bianchi, Basualdo, Somoza, Russo e Gago, outros foram campeões em comum. O hoje atleticano Lucas Pratto, goleador das últimas taças do Vélez, não é um deles: pertenceu ao Boca de 2007-11 mas não chegou a atuar em nenhuma partida das campanhas campeãs no período.

Walter Pico: volante reserva do Boca vencedor da Supercopa 1989, teve bom momento no vice de 1991 e, quando o título nacional enfim veio, em 1992, jogou só as duas primeiras rodadas – passou ao Vélez na terceira e curiosamente enfrentou o Belgrano, mesmo adversário contra quem jogara na rodada anterior, ainda como boquense. No Fortín foi titular na quebra do jejum nacional em 1993, mas passou à reserva em 1994. Ainda voltou brevemente ao Boca depois, sem êxito.

Lucas Castromán: revelado no Vélez em 1998, chegou à seleção em 2000 e arranjou transferência à grande Lazio da época. Voltou a Liniers em 2005 para ser enfim campeão como atacante titular. No Boca, veio como reforço em 2008 mas jogou uma única vez na campanha do título nacional naquele ano.

Leandro Gracián: meia-armador do Vélez campeão em 2005, veio ao Boca em 2007 e desligou-se cinco anos depois, sem nunca se firmar: ou ficava na reserva ou era emprestado, como no Independiente campeão da Sul-Americana sobre o Goiás em 2010. O Flamengo também tentou trazê-lo mas ele declarou que preferiria seguir lutando por um lugar no Boca.

Santiago Silva: matador do Banfield de Falcioni campeão em 2009, o uruguaio estava emprestado pelo Vélez, que logo o repatriou e o viu prosseguir a boa fase também em Liniers. Fez grande trio ofensivo com Maxi Moralez e Juan Manuel Martínez (outro ex-corintiano e que também passou ao Boca, onde segue atualmente) nos campeões de 2011. Em 2012, Falcioni o trouxe para o seu Boca, onde teve sequência mais irregular. Eliminou o Fluminense na Libertadores, mas a “lei do ex” contra o Corinthians não pesou e ficou no vice continental. Ganhou a Copa Argentina, até marcando na final, mas nunca caiu totalmente nas graças xeneizes e passou em 2013 com Somoza e outros renegados boquenses ao Lanús.

Federico Insúa: meia-armador do Independiente campeão nacional pela última vez, em 2002, foi ainda melhor naquele Boca de 2005-06. Chegou a ter suas chances na seleção. Teve idas e vindas nestes dois clubes e em meio a isso passou rapidamente pelo Vélez campeão de 2012 e da superfinal 2012-13.

Sebastián Sosa: goleiro uruguaio (vice com o Peñarol para o Santos na Libertadores 2011) que era a terceira opção de gol nos últimos títulos do Boca, o Apertura 2011 (onde não jogou) e na Copa Argentina 2012, onde atuou três vezes. No Vélez, assumiu a titularidade a partir da reta final do título do Inicial 2012 e venceu também a superfinal 2012-13 e a Supercopa Argentina 2013. Segue no clube hoje.

Abaixo, outros especiais abordando muitos dos elementos em comum:

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Apesar de sofrível no Vélez, só Gago foi simultaneamente de seleção e campeão nos dois

*30 anos do pior momento do Boca

*Dez anos sem Cuciuffo, titular da vitoriosa Copa 1986

*Aguirre e Gareca decidindo a Libertadores em lados opostos

*Há 20 anos, o Vélez entrava na sua era dourada

*Há 20 anos, o Vélez vencia a Libertadores, sobre o São Paulo de Telê

*20 anos do título mundial do Vélez Sarsfield, sobre o Milan

*15 anos do título do Vélez de Marcelo Bielsa

*15 anos do início de uma era no Boca: a 1ª taça de Bianchi e Riquelme

*Há dez anos, o Boca de Schelotto e Delgado se vingava do Santos na final da Libertadores rumo ao Penta

*Há 10 anos, o Boca ganhava o último título mundial da Argentina

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Marcelino Martínez (com uma camisa velezana antes da adoção da listra V azulada), Carmelo Simeone e Oscar Ruggeri

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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