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50 anos do primeiro bi argentino na Libertadores, do Independiente

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O goleiro Santoro e o xerife Navarro celebram o bi em Santiago

Imagine que seu time ganha pela primeira vez a Libertadores. E apenas sete meses depois fatura a segunda. Com praticamente um semestre de diferença, o Independiente experimentava há meio século o gosto já sentido pelo Peñarol e pelo Santos de Pelé, até então os únicos bicampeões (também seguidos) de La Copa, e os outros únicos vencedores também. Tão meteórico como o bicampeonato foi a própria campanha naquela Libertadores de 1965, com apenas três semanas para o Rojo. Mas se não teve maratona, o ritmo foi de cem metros rasos: precisou jogar em média a cada três dias e meio.

Aquela edição foi a primeira em que o torneio adotou o nome de Libertadores. Até o ano anterior, similarmente à congênere europeia, o nome da competição era Copa dos Campeões. E isso foi empregado no sentido literal pela última vez exatamente até 1965: só o detentor do título e os campeões nacionais adentravam na disputa, a não ser que um time tivesse direito pelas duas fontes, hipótese que permitia a participação de vices nacionais, casos do Nacional em 1963 e do Botafogo em 1964. A partir de 1966 é que houve expansão para se admitir livremente os vice-campeões nacionais.

A edição 1965 foi histórica também ao reservar o primeiro duelo hermano na Libertadores, entre o detentor da taça com o Boca, o campeão argentino de 1964. Assim começou a trajetória do bi rojo: por ser o vencedor sul-americano anterior, adentrou a partir da segunda fase, prerrogativa que os campeões tiveram até 1999. E a segunda fase naquela época mais enxuta já era a semifinal; a primeira fase consistia em três triangulares cujos líderes avançavam às semis para se juntar ao campeão.

Em seu triangular, o Boca não tivera trabalho, vencendo os equatorianos do Deportivo Quito e os bolivianos do The Strongest tanto dentro (4-0 e 2-0, respectivamente) como fora (2-1 e 3-2) da Bombonera, mesmo visitando as altitudes nos dois primeiros jogos. Já as semifinais foram todas no neutro estádio do River. Foram batalhas duras descritas pela revista El Gráfico como “300 minutos de antifutebol”. Isso porque houve jogo de ida, jogo de volta e jogo-desempate com prorrogação.

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Santoro defende o pênalti de Norberto Menéndez. À direita, ele com Alfredo Rojas à espreita

O campeonato argentino de 1965 só começaria em 18 de abril, três dias após aquele título de cinco décadas atrás. Assim, o Independiente se preparou por quase quatro meses para “a” estreia na temporada. Em 25 de março, venceu por 2-0, gols de Osvaldo Mura e de Mario Rodríguez, o atacante que marcara os gols do título da Libertadores anterior (clique aqui). Aquela partida marcou a estreia do lateral uruguaio Ricardo Pavoni. Ele se converteria em grande ídolo, que elegemos como o melhor da posição na história dos diablos na ocasião dos 110 anos do clube, no início do ano (veja aqui).

Não seria para menos: Pavoni foi no Independiente o único campeão da Libertadores nos anos 60 que estaria presente em todo o recordista tetra seguido amealhado nos anos 70 – inclusive fez o gol do título da de 1974, no São Paulo. É o segundo maior campeão no clube (era o maior até ser superado em 1989 pelo mitológico Ricardo Bochini) e fez a diferença já naquela estreia: ainda em 0-0, ele impediu com a mão que o Boca abrisse o placar. Para sua sorte, o goleiro Miguel Santoro defendeu o pênalti imediatamente assinalado por conta da infração.

Por causa daquela diferença de dois gols é que o Rojo passou à final: o Boca, com gol do tanque Alfredo Rojas, venceu a segunda só por 1-0. Isso não o eliminou, com o regulamento da época forçando um terceiro jogo, no qual os de Avellaneda teriam a vantagem do empate em razão do melhor saldo – e nela se aferraram contra o time dos brasileiros Ayres Moraes (irmão de Almir Pernambuquinho e expulso naquele desempate) e do capitão Orlando, zagueiro titular da Copa de 1958.

E quem disse que a semifinal acabou aí? Inconformado, o Boca denunciou a suposta irregularidade das inscrições de Pavoni (recém-contratado junto ao Defensor) e de Roque Avallay (proveniente do Deportivo Maipú, da liga municipal de Mendoza) por falta de documentação. Mas os cartolas rojos habilmente fizeram prevalecer as regras da AFA e não da Conmebol, na justificativa de que tratava-se de um jogo caseiro. Colou… já a outra semifinal foi inegavelmente mais épica. Santos e Peñarol reeditaram a decisão de 1962 e foi a vez dos uruguaios levarem a melhor também após três partidas de sugestivos placares: 5-4 para os brasileiros em casa, 3-2 para os platinos no Centenário e 2-1 para estes no neutro Monumental de Núñez.

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Mazurkiewicz vencido nos gols de Bernao (é Avallay, quem faria o terceiro, quem aparece ao fundo) e Mura, na finalíssima

Os fortíssimos aurinegros, que venceriam a edição seguinte (com direito a posterior título mundial derrotando o Real Madrid no Santiago Bernabéu), mantinham as estrelas bicampeões de 1960-61 como Juan Joya, Néstor Gonçalves, José Sasía e Pedro Rocha. Desde então, o Peñarol havia se encorpado com o retorno do veterano Julio Abbadie e a promoção dos jovens Pablo Forlán e Ladislao Mazurkiewicz. Mazurkiewicz, aliás, se afirmou a partir daquele jogo-desempate com o Santos. Até então o arco era ocupado por outro remanescente do bi de 1960-61, Luis Maidana, desligado por problemas disciplinares.

O desfalque mais problemático dos aurinegros foi o do equatoriano Alberto Spencer, maior artilheiro da Libertadores. Uma fratura no ano anterior afastou o craque por seis meses e assim ele não pôde participar daquela edição. Já o Independiente mantinha praticamente a espinha-dorsal campeã. As principais alterações em relação a 1964 foram a saída do capitão Luis Maldonado (que protagonizava a icônica saudação à plateia, com os colegas emparelhados horizontalmente levantando os braços com ele à frente) e o retorno do xerife Rubén Hacha Brava Navarro, que não havia atuado no ano anterior em razão de uma fratura.

Outra mudança foi a saída do meia-direita Pedro Prospitti ao Nacional, com Mura ocupando seu lugar. Já o meia-esquerda Mario Rodríguez não atuou nas finais e sim o jovem Avallay, que, apesar dos gols que faria, ficaria mais querido justo no rival Racing, na década seguinte. E enfim se firmava Vicente de la Mata, filho do craque homônimo que defendeu o clube nos anos 30 (fez os dois gols do título da Copa América de 1937, sobre o Brasil); os De la Mata foram o primeiro caso de pai e filho que jogaram pela seleção argentina e Vicentito inclusive esteve entre os pré-convocados à Copa do Mundo de 1966.

Em Avellaneda, Raúl Bernao, ponta-direita que pela mesma posição e pelos dribles era equiparado a Garrincha, fez o único gol, perto do fim da partida. Muito pouco e isso se mostrou no Centenário: com 46 minutos jogados, o Peñarol, mesmo sem Spencer, já havia feito 3-0. Os argentinos só conseguiram diminuir a dois minutos do fim, com o De la Mata filho. Como o saldo de gols não era decisivo de imediato, a definição ficou para aquele 15 de abril, na neutra Santiago. E a cordilheira fez bem aos diablos, que de massacrados passaram a massacrantes.

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Mura, que liquidou a partida, celebrado por Navarro e pelo público chileno

“Do Peñarol não restou nada. Absolutamente nada. Daquele Gonçalves, cacique da noite do Centenário, só a fama de um sobrenome… o que aconteceu? Como pode uma equipe que foi goleada, ‘caminhando’ no campo (…), transformar tão bruscamente o trâmite a seu favor? Como pode passar de goleado a goleador?”, relatou na época a El Gráfico. A maioria daqueles rojos já havia conseguido destronar o então campeão Santos com um 3-2 no Maracanã após estar perdendo de 2-0 na semi de 1964.

O troco foi dado com juros. Se em Montevidéu o Independiente levou três gols com 46 minutos, à beira dos Andes ele devolveu o placar com cerca de meia hora: aos 10 minutos, roubando a bola na defesa uruguaia, David Acevedo chutou forte e Carlos Pérez desviou contra o próprio gol. Bernao ampliou aos 27, mesmo sem ângulo e de fora da área com um potente chute na gaveta. Aos 29, Pedro Rocha chutou um pênalti para fora. Aos 31, uma expulsão para cada lado, de Navarro e Ernesto Ledesma. Aos 33, o primeiro tiro de misericórdia: Avallay, cobrando falta, anotou o terceiro para os argentinos.

Mas aquele Peñarol não era de se entregar. E o peruano Joya esboçou uma reação aos carboneros diminuindo aos 44. Mas ela se brecou de vez com a expulsão de Sasía, já no segundo tempo. O fôlego uruguaio não se renovou conforme a segunda etapa passava. E a magistral jogada que fechou o placar bem demonstrou isso, com Mazurkiewicz perdendo o equilíbrio ao inutilmente correr atrás de Mura, que o havia driblado após passar por outros três adversários desde o meio campo para anotar os 4-1, concluindo antes que o beque Carlos Pérez pudesse interceptar a trajetória da bola.

Bem antes de ser eloquentemente o maior vencedor da Libertadores, o Independiente foi primeiro argentino campeão e bicampeão (e de forma seguida) e com o destaque de que esses dois primeiros títulos vieram contra a cascuda dupla uruguaia que até o fim do século XX só ficou abaixo do próprio Rojo como maiores campeões de La Copa. Se em 1964 foi sobre o Nacional, há meio século era garantida sobre o já copeiro Peñarol. O currículo de ganhar da dupla uruguaia os dois primeiros títulos do torneio não foi igualado até hoje por ninguém mais.

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O técnico Manuel Giúdice, preparador físico Horacio García e os onze titulares daquela finalíssima no Chile: Juan Carlos Guzmán, Miguel Santoro, Roberto Ferreiro, Roque Avallay, Vicente de la Mata, David Acevedo, Rubén Navarro, Raúl Bernao, Osvaldo Mura, Raúl Savoy e Raúl Decaria

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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