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20 anos do fim da maior seca do San Lorenzo. E da maior entregada do Gimnasia LP

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Ortega Sánchez, Monserrat, Netto, Passet, González e Ruggeri na volta olímpica festejada dias depois, em casa – o título ocorreu em Rosario

“Eu casualmente nasci em um bairro chamado de Parque Patricios, por isso sou simpatizante e torcedor do Huracán. Me criei praticamente na (esquina) Chiclana e Deán Funes”

“Não sei que merda querias fazer. Queres sair campeão da vagina da tua irmã!”

“A lembrança desse dia é permanente, só se irá quando o Gimnasia for campeão. (…) Nessa noite fui caminhando do campo, porque morava perto e não encontrava ninguém da minha família”

As três frases acima foram ditas com décadas de diferença, mas se relacionam com o ocorrido há exatos vinte anos. Nada a ver com o gol de barriga de Renato Gaúcho pelo Fluminense no Flamengo, que aconteceu na mesma data, mas igualmente envolvia decisão para outro ex-clube de um ídolo Fla-Flu, o atacante Narciso Doval. A primeira frase foi proferida em 1970 por um grande amigo dele, Héctor Veira, então um meia-esquerda do Huracán – veja aos 3min35 do vídeo abaixo. Já falamos dele aqui. Foi justamente Veira quem convencera Doval a jogar lá em 1971, aliás.

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Celebridades argentinas sanlorencistas celebram o título. Veira é o último, de braço erguido. O presidente Miele é o sentado de terno cinza. Atrás dele, de gravata vermelha, o ex-artilheiro José Sanfilippo

Veira havia acabado de chegar ao clube do bairro natal após ser por anos ídolo justo no arquirrival San Lorenzo, onde brilhara com Doval. Com o tempo, se reaproximou do ex-clube: voltou a ser azulgrana em 1973 e colecionou passagens como técnico lá a partir dos anos 80. Chegou a ser preso acusado de abuso sexual de um menor (não pôde ir ao velório de Doval em 1991 por estar na cadeia) e ao ser solto viu a velha casa lhe oferecer trabalho como técnico.

A segunda frase faz hoje vinte anos e uma semana: foi disparada em 18 de junho de 1995 por Carlos Griguol. Ele havia feito sucesso com o mecânico Ferro Carril Oeste dos anos 80 (venceu os dois únicos títulos verdolagas da elite, em 1982 e 1984) e tentava repetir a façanha no eterno azarado Gimnasia LP, cujo único título data de 1929 e, o que é pior, nem reconhecido por todos é: ainda é comum mídia e torcedores considerarem apenas as taças do profissionalismo, inaugurado em 1931. O Gimnasia vencia justamente o Ferro fora de casa na penúltima rodada. O que não impediu a velha raposa Griguol de se enfurecer com seu atleta Favio Fernández, expulso tolamente a sete minutos do fim.

A última frase foi uma resposta de Guillermo Barros Schelotto à indagação sobre o dia mais triste de sua carreira, em entrevista com a revista El Gráfico em 2010. “Hoje é justamente 25 de junho e se completam 15 anos daquele campeonato perdido com o Independiente. A lembrança desse dia é permanente, só irá embora quando o Gimnasia for campeão”, começava a resposta do Mellizo, atacante daquele elenco e fanático pelo clube desde a infância: seu pai foi presidente gimnasista.

Os dois concorrentes haviam demonstrado suas cartas no ano anterior. Em janeiro, o Gimnasia conseguiu seu título profissional mais expressivo, a Copa Centenário da AFA (veja aqui), com Guillermo inclusive marcando um dos gols nos 3-1 da final sobre o River. Já o San Lorenzo, que não era campeão desde 1974, voltava a se colocar nas cabeças. No Apertura, foi o vice-campeão, ainda que a distantes cinco pontos de um River invicto na última temporada em que a vitória ainda valia 2 pontos e não 3, regra ainda válida para aquele Clausura 1995, portanto. Vale ressaltar que se já valesse 3, o San Lorenzo somaria 45 pontos contra 41 do Lobo, uma boa ideia de como o destino da taça foi justíssimo. Mas também foi cruel com os anseios do vice, que ainda teve de aguentar o fato de o rival Estudiantes ter retornado à primeira divisão semanas antes e assim terminar rindo melhor (havia caído em 1994).

Contra o time dos gêmeos Guillermo e Gustavo Barros Schelotto, o San Lorenzo unia coisa bem oposta. No meio-campo, Silas, um Atleta de Cristo, fazia dupla com Roberto Monserrat, um sujeito apelidado de El Diablo. Atrás deles, um nascido em cidade chamada Monte Cristo, o volante Fernando Galetto, apelidado de El Conde também por ter técnica refinada que lhe rendia comparações a Fernando Redondo. Seria avaliado como o melhor em campo no jogo do título. Sua dupla era com o raçudo Carlos Netto. À exceção óbvia de Silas, os outros três acabaram todos convocados à seleção. Mas se fosse argentino, Silas iria também. Teve na Argentina um prestígio muito maior que no Brasil.

Dos outros destaques campeões, o líbero Oscar Ruggeri. El Cabezón já havia se tornado o único usado na seleção pelos três grandes de Buenos Aires, estreando por ela ainda nos tempos de Boca e jogando a Copa de 1986 já pelo River. Ele, que jogara a Copa de 1994 como sanlorencista, passava a ser também o único campeão nos três. O volante Norberto Ortega Sánchez, ao contrário de Ruggeri, já era do San Lorenzo nos complicados anos 80, integrando o elenco apelidado de Camboyanos, que estoicamente davam tudo de si mesmo com salários atrasados e sem estádio próprio – chegaram nas semis da Libertadores de 1988. Ele saíra após aquela eliminação e acabara de voltar.

Embora não tenha sido titular absoluto por “culpa” de Galetto, Ortega Sánchez naturalmente ficou mais ídolo do que já era. Outro 12º jogador foi o experiente atacante Esteban González, raro homem de sucesso nos rivais Ferro Carril Oeste e Vélez Sarsfield (falamos ontem). Além do gol do título, fez outros sete, dos quais o mais emocionante veio em circunstâncias inicialmente parecidas: saindo do banco para marcar no finzinho o único gol da partida. Foi contra o Belgrano na sexta rodada, com o detalhe adicional de que havia velado o pai na véspera, mas insistira em ser relacionado àquela partida.

Oscar Passet não dava confiança nas saídas de gol, mas entre as traves sim. No Apertura 1994, conseguiu um recorde de tempo sem tomar gols para um goleiro do San Lorenzo, 731 minutos. No Clausura, onde jogou os 90 minutos de todos os jogos, recebeu apenas doze gols. Foi outro a garantiu aquele 1-0 sobre o Belgrano, pois pegou um pênalti. Na outra extremidade, o potente Claudio Pampa Biaggio, que não era bem um goleador mas atravessou ótima fase, marcando 9, muitos deles especialmente cruciais, únicos de cada jogo. Artilheiro dos campeões, foi outro testado pela seleção na época.

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Silas, Biaggio, Monserrat, González e Galetto

Curiosamente, a primeira rodada opôs na casa sanlorencista os dois concorrentes. Monserrat estava lesionado e seu lugar foi ocupado por Claudio Rivadero, que marcou o gol dos mandantes. Ficou-se no 1-1. Na segunda rodada, derrota para o Argentinos Jrs enquanto o Gimnasia sapecava um 4-0 no Belgrano. Foi só na terceira rodada que o futuro campeão enfim ganhou, um 2-0 com novo gol de Rivadero em chutaço de longa distância e um de Silas. Vieram então etapas seguidas em Avellaneda, com Biaggio brilhando em ambas: fez o do sofrido 1-0 no forte Independiente da época (bicampeão da Supercopa em 1994-95) e outro em um 2-1 no Racing do técnico Diego Maradona.

Engrenado, o San Lorenzo ganhou a terceira seguida naquela emocionante tarde contra o Belgrano. O Gimnasia, do seu lado, havia resistido bem ao River no Monumental (1-1), mas só empatou em La Plata com o outro Gimnasia (de Jujuy). E, enquanto o San Lorenzo vencia fora de casa o Racing, os gêmeos Barros Schelotto perdiam para o Banfield. Só que o River brecou os azulgranas com um 3-2 enquanto o Gimnasia fazia 3-1 fora de casa no encardido Mandiyú de Corrientes.

Atrás do prejuízo, Ruggeri e González deram ao San Lorenzo a vitória sobre o Gimnasia de Jujuy, mas o de La Plata fez o suficiente para bater o Deportivo Español. A isso seguiu-se a primeira grande exibição do campeão, 3-0 fora de casa no Banfield, com Monserrat, Silas e González no time do jovem Javier Zanetti. Ainda não bastava: 1-0 para o Lobo, também fora, no Platense. O Sanloré sapecou outro 3-0 em seguida, no Newell’s, com Silas deixando o seu novamente e El Pampa Biaggio, dois. Mas nada do Gimnasia arredar: ganhou por 2-1 do Huracán. A rodada seguinte deu aos postulantes vitórias fora, com González e Monserrat fazendo no 2-1 no Mandiyú, mesmo placar dos triperos sobre o Talleres.

Biaggio garantiu o suado 1-0 no Deportivo Español enquanto o Gimnasia, em casa, não saiu do zero com o Boca. Mas a folga não continuou para os cuervos: um novo 1-0 deveria ter-lhes vindo sobre o Platense, com González concluindo golaço coletivo após quatro passes aéreos. Mas o oponente empatou no fim, enquanto Guillermo Barros Schelotto fazia os dois em um 2-1 fora de casa no grande Vélez da época. Enervado, o Ciclón foi impiedoso no clássico com o Huracán: 3-0 com dois de Biaggio. O Gimnasia fez o 1-0 básico no Lanús, mas não superou o 1-1 com o Rosario Central enquanto o Sanloré fazia 3-1 no Talleres em Córdoba com destaque a González, autor de dois gols.

Contra o Boca, a dupla Biaggio e Arbarello fez as honras da casa. Na cola, o Gimnasia ganhou do Racing por 2-1. Então veio a antepenúltima rodada: o San Lorenzo perdeu para o Vélez enquanto Sergio Dopazo, com três pênaltis, garantiu vitória gimnasista sobre o Argentinos Jrs e a troca na liderança. A penúltima rodada foi nervosa. Netto, de pênalti, fez o único gol da partida sanlorencista com o Lanús. Mas os de La Plata, fora de casa, venceram o Ferro naquele jogo que rendeu os xingamentos do técnico Griguol, nervoso demais para quem parecia ter a mão na taça.

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O choro gimnasista, com ares de Maracanazo

Veio a última rodada. O Gimnasia receberia um Independiente misto e sem pretensões a não ser em nome de atrapalhar um clube amigo do Racing. Os azulgranas precisariam vencer fora o Central e torcer pelo tropeço do líder. “Venham todos a Rosario, porque o Gimnasia tem que jogar contra um grande, que é o Independiente”, implorou Veira na televisão. “O torcedor do San Lorenzo tem que acompanhar o time. Tem que ir a Rosario com a família, com fé, com esperança. Se o título se dá, bárbaro. Se não, tem que premiar a equipe”. O apelo deu resultado, com caravanas de dezenas de milhares cuervos no Gigante de Arroyito. Uma multidão que aplaudiu o volante Netto para reerguê-lo.

Netto, que manteve o San Lorenzo vivo na rodada anterior ao acertar o pênalti sobre o Lanús, acabou mandando para cima nova penalidade máxima. Dentre os que estavam lá para apoia-lo, encontrava-se o jovem Fabricio Coloccini, sanlorencista fanático.

A boa notícia vinha de La Plata: no finzinho do primeiro tempo, um passe lento foi interceptado pelo Independiente, lembrando Toninho Cerezo contra a Itália em 1982. Em contra-ataque fulminante, a bola foi cruzada para Javier Mazzoni fazer, na narração de Marcelo Araujo, “gol do San Lorenzo de Almagro, o fez para Estudiantes: Javier Gustavo Mazzoni!”.

O resultado, aliado ao empate do Sanloré, dava-lhe o título. Veira, que sabia que não poderia contar uma partida inteira com o veterano González, colocou-o então no segundo tempo. “Eu sei que com ele tenho gols em qualquer momento e em qualquer circunstância”. O sofrimento acabou aos 32 do segundo tempo, com o Gallego subindo mais que o colega Biaggio para testar um escanteio. O homem que na primeira frase do texto era huracanense se desmanchava. “Nasci Huracán, mas o San Lorenzo se meteu na minha alma”, já disse Veira também. O vídeo abaixo, daquele gol, demonstra bem isso.

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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