Seleção

Copa América – os argentinos que já defenderam o Chile

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Será Sampaoli o primeiro técnico campeão na seleção chilena?

Das demais seleções sul-americanas que habitualmente naturalizam argentinos, nenhuma faz isso há tanto tempo quanto a chilena. O Uruguai já havia usado antes um nascido na Argentina, Marcelino Pérez, nos anos 30, mas ele era apenas isso: nascido na Argentina. Filho de pais espanhóis, com poucos meses foi viver com eles no país vizinho. Além disso, a Celeste não tem o costume de usar jogadores do país rival. Apesar da rivalidade política com os hermanos, que quase resultou em guerra fronteiriça em 1978, os chilenos desde 1941 só não os tiveram em sua seleção na década de 90. No geral, só Itália e Espanha abraçam regularmente argentinos há mais tempo.

No início da Copa América, publicamos um especial fornecendo um resumo básico dos argentinos de história no futebol chileno: clique aqui. O presente texto naturalmente complementa o outro, pois La Roja só usou vizinhos que vieram jogar entre os Andes e o Pacífico. Mauro Zárate, que ano passado anunciou sua decisão de se oferecer à seleção do Chile, país de seu pai, após anos sendo desprezado nas convocações da seleção principal da Argentina (jogou só pela sub-20, onde fez o gol do título mundial em 2007), seria uma exceção: de destaque por Vélez e Lazio, Zárate jamais atuou na liga chilena. Até noticiamos sua decisão (confira), mas ele acabou não comovendo também o técnico do Chile.

O primeiro argentino convocado pelo Chile foi o volante Salvador Nocetti, em 1941. Ele no ano seguinte integrou o único título nacional do Santiago Morning, mas não chegou a atuar pela seleção chilena. A defenderia, porém, como técnico, nas eliminatórias à Copa de 1970, mas sem sucesso. Ainda em 1941, o zagueiro Eduardo de Sáa efetivamente jogou pela Roja. No ano anterior, havia integrado o primeiro título da Universidad de Chile. Outro defensor, Florencio Barrera, foi o argentino seguinte.

Barrera jogava no Magallanes (que por sinal tem uniforme semelhante ao da Argentina), outrora a grande potência do país mas que desde os anos 30 não é campeão da elite, padecendo atualmente na terceirona. Ele defendeu o Chile em outra Copa América sediada lá, a de 1945, onde os anfitriões ficaram a só dois pontos da campeã Argentina. Nos anos 50, os chilenos se apropriaram de mais um defensor argentino: Rodolfo Almeyda (prata-da-casa do Racing), que jogou seguidamente as Copas América de 1955, 1956 e 1957. Teve destaque maior na primeira, também sediada no Chile, que jogava pelo empate na rodada final para ser campeão. Seis torcedores morreram no desabamento de um arquibancada tamanha a multidão, mas a partida prosseguiu. A Argentina ganhou o jogo e o título.

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Campbell, da primeira partida. Barrera (1945), Almeyda (1955-57) e Fabbiani (1979) chegaram perto do título em diferentes Copas América

Presente no primeiro título da Universidad Católica, em 1949, àquela altura Almeyda brilhava no Palestino, campeão somente duas vezes e uma delas exatamente em 1955. Em 1962, o Chile recebeu a Copa do Mundo e fez sua melhor campanha, com o terceiro lugar. A base da seleção era o Ballet Azul da Universidad de Chile (era o time de um dos artilheiros da Copa, Leonel Sánchez). O grande maestro daquele elenco era o atacante Ernesto Álvarez, maior artilheiro de La U no século XX. Sua naturalização, porém, veio só em 1963 e jogou só uma vez. Entre 1966-67, a seleção foi treinada por Alejandro Scopelli, vice com a Argentina na Copa de 1930.

Já os anos 70 veriam a década de ouro da Unión Española, que naquele período somou três de seus sete títulos nacionais (os demais foram e seriam levantados com mais de vinte anos de diferença, nos anos 50 e 2000) e ainda foi vice de uma Libertadores, em 1975 – falamos dela nesta semana, pois marcou o recordista tetracampeonato seguido do Independiente no torneio: clique aqui. Um dos grandes destaques dos gallegos era o atacante Jorge Spedaletti, que foi nacionalizado em 1975. Ele seria campeão também no Everton de Viña del Mar no ano seguinte (assim como a Unión, não vencia desde os anos 50 e só voltaria a vencer no novo milênio), mas não vingou na seleção.

O argentino seguinte foi outro atacante, Oscar Fabbiani. Tio do ex-River Cristian El Ogro Fabbiani, Oscar foi três vezes artilheiro pelo Palestino, com o qual conquistou o segundo e último título nacional do clube, em 1978. Fabbiani foi vice na Copa América de 1979. Já os anos 80 seriam a vez do Cobreloa ter o grande momento de sua história. O técnico bivice-campeão da Libertadores com o clube do Atacama era Vicente Cantatore, que assim comandou brevemente a Roja em 1984.

Os anos 90 foram a única década sem argentinos jogando pelo Chile, mas não quer dizer que a influência deles tenha diminuído: o Colo-Colo venceu a única Libertadores ganha por um clube chileno no embalo dos gols de Marcelo Barticciolotto e Ricardo Dabrowski e protegido pelas luvas de Daniel Morón. Ele até foi convocado em 1996, mas não jogou. Assim, o hermano seguinte apareceu em 2001: o também goleiro Sergio Vargas, que há dez anos vinha defendendo a Universidad de Chile, renascida nos anos 90 após ser oprimida desde os anos 70 pela ditadura de Pinochet. Vargas foi o titular da Roja na Copa América e até pênalti de Chilavert pegou, mas a classificação à Copa de 2002 não veio.

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Di Gregorio (bronze nas Olimpíadas de 2000), Vargas, Pérez e Fernández (contra a terra natal)

Em 2003, Daniel Pérez, ex-jogador das Universidades Católica e de Chile, jogou duas vezes. Destacou-se mais no Cobreloa campeão pela última vez, em 2004. Em 2005, foi a vez do argentino mais duradouro na seleção chilena, o meia Matías Fernández. Criado desde a adolescência no país vizinho, ele participa dessa Copa América e já havia jogado a Copa do Mundo de 2010, que marcou o retorno chileno a mundiais. Ganhou dois títulos pelo Colo-Colo antes de rumar à Europa em 2006. Chegou a marcar gol sobre a Argentina em 2011, nas eliminatórias à Copa 2014.

Javier Di Gregorio,na época no Coquimbo Unido, já havia defendido o Chile nas Olimpíadas de 2000, onde La Roja foi bronze. Mas o goleiro só seria aproveitado em 2007 na seleção principal, como jogador do modesto Temuco. Foi o ano em que a seleção contratou Marcelo Bielsa para treina-la e retomou as boas fases passadas. El Loco recolocou os chilenos na Copa do Mundo e chegou a sondar o atualmente palmeirense Lucas Barrios, que pelo Colo-Colo havia sido o maior artilheiro de 2008 a nível mundial. Mas Barrios resolveu adotar o Paraguai. Após a Copa, Bielsa foi inicialmente substituído por Claudio Borghi.

Campeão da Copa de 1986 como craque do Argentinos Jrs campeão da Libertadores de 1985, El Bichi não deslanchou a carreira e só no Colo-Colo, no início dos anos 90, voltou a brilhar. Acabou se fincando no Chile a ponto de obter a cidadania e se considerar mais chileno do que argentino. E fez ainda mais sucesso no Colo-Colo como técnico, ganhando um inédito tetracampeonato seguido na liga entre 2006 e 2007. Voltou à terra natal para conduzir seu velho Argentinos Jrs ao terceiro e último título nacional do clube, em 2010 (clique aqui), mas após fracassar no mesmo ano pelo Boca voltou ao “seu” Chile.

A seleção de Borghi, porém, não manteve o nível de Bielsa nem na Copa América de 2011 nem no início das eliminatórias à Copa de 2014. Assim, a federação resolveu contratar o técnico de enorme sucesso internacional da Universidad de Chile, Jorge Sampaoli, campeão da Sul-Americana 2011 e semifinalista da Libertadores de 2012. Sampaoli, que pelo clube também igualou o tetracampeonato seguido do arquirrival Colo-Colo, conseguiu colocar os chilenos em nova Copa.

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Bielsa e Borghi, os antecessores de Sampaoli. Canales e Hernández, os dois naturalizados mais recentes

Ele chamou três compatriotas à pré-convocação ao mundial do Brasil, mas provou não ser exatamente “pacheco”: na convocação final, abdicou de Gustavo Canales, ex-pupilo seu em La U que estreara ainda em 2011 pelo Chile e que fora campeão com a Unión Española em 2013; e do meia Pedro Hernández, integrante ano passado do primeiro título chileno do O’Higgins. Já Fernández só ausentou-se por lesão: para esta Copa América que pode render o primeiro título do país no torneio, ele foi o único argentino confirmado por Sampaoli, que esnobou Canales, Hernández e Zárate também.

Há ainda um caso bem mais antigo, o de Colin Campbell. Ele era nativo da Escócia, mas defendeu a seleção argentina, em 1907. Na época, jogava no Estudiantes de Buenos Aires, então um clube forte e que recentemente vem tendo resultados destacados na Copa Argentina, mas há anos padece na terceira divisão ou abaixo. Campbell jogaria depois no país vizinho pelo extinto Santiago National e acabaria suando também pela seleção chilena, nas primeiras partidas dela, em 1910.

O primeiro adversário da Roja foi justamente a Argentina e Campbell, em outro jogo, chegou a marcar gol nela, o de honra na derrota de 5-1. Seus filhos Donald e Ian defenderiam a seleção chilena de rúgbi, com Donald inclusive integrando o primeiro jogo dela (também contra a Argentina, em 1933) mas falecendo a serviço do exército britânico na Segunda Guerra Mundial. Os dois filhos entrariam em 2013 para o Hall da Fama da Federação Internacional de Rúgbi, mesmo com o Chile não sendo potência global no esporte. O pai, por sua vez, é o único a jogar por ambos os finalistas da Copa América 2015.

Encerramos aqui a série de Especiais sobre a Copa América. Confira abaixo os anteriores:

Argentinos de história no futebol chileno

Time dos sonhos da Argentina

Time dos melhores argentinos dos rivais

Time dos craques amaldiçoados da Argentina

Os argentinos que já defenderam o Paraguai

Os argentinos que já defenderam o Uruguai

Os argentinos que já defenderam a Colômbia

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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