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Gallardo é o 7º a vencer a Libertadores como jogador e técnico. 5 são argentinos

gallardo
Contra o San Lorenzo em 1996, foi contestado. Mas agora, não

-Um dos momentos mais emocionantes da tua vida, Marcelo?
-Ah… difícil, não? Porque… aconteceram muitas coisas nestes meses… me é difícil falar…
-É difícil a vida, não é, Marcelito? Mas bem, observe, vamos buscar a parte positiva: te colocaste na história do River. És a única pessoa que foi campeã internacional como jogador e como técnico. Tem muito valor o que fizeste, Marcelo, tens trabalhado em seis meses de uma maneira incrível.
-Sim… graças a esses jogadores, porque a verdade é que… interpretaram como havia que jogar, fizeram um grande esforço, foram muito solidários…. se dedicaram, se dedicaram sobre todas as coisas… O reconhecimento do povo fez com que esta equipe fosse muito boa…. e hoje nos podemos encontrar em um momento… no qual eu principalmente me sinto muito orgulhoso… por ter vindo a este clube; por ter-me iniciado como jogador; por ter crescido como pessoa; e depois… em outras facetas da minha vida. Desde outro lugar, viver esta…  viver esta alegria imensa. Eu o quero dedicar… à minha velha… à minha velha!
-Bom, senhores, Deus sabe o que ele passou.

Já foi emocionante ano passado (vídeo ao fim), quando Marcelo Gallardo havia vencido “só” a Sul-Americana semanas após a morte da mãe (falecida entre os dois Superclásicos na semifinal. O técnico do Boca, Rodolfo Arruabarrena, insensível ao episódio do gás de pimenta em 2015, foi outra pessoa naquela ocasião, abraçando o colega rival antes da partida de volta). O diálogo que abre esta nota, para a comoção até dos mais fanáticos rivais, foi encerrado por um Gallardo às lágrimas e sem mais segurar o peso do rosto, que desabou no ombro de quem lhe indagava, o repórter Tití Fernández – que por sua vez havia perdido a filha, a também repórter María Soledad Fernández, em acidente de carro no Brasil quando ambos cobriam a Copa do Mundo de 2014.

Desta vez, Gallardo foi ainda mais longe. Ganhou também a Libertadores, torneio levantado por ele em 1996 ainda que sem ter sido titular absoluto. El Muñeco se juntou a quatro argentinos e dois uruguaios. O primeiro de todos conseguiu a façanha de vencer o torneio pelos arquirrivais Racing e Independiente. Aliás, até ontem Humberto Maschio era um dos únicos campeões por rivais argentinos na Libertadores (junto de Miguel Ángel Mori, pelos mesmos times), sendo então igualado pelo zagueiro Jonathan Maidana e pelo volante Nicolás Bertolo, campeões no Boca na edição 2007 (clique aqui).

Maschio, o pioneiro, é também o único a conseguir por rivais o feito: à esquerda, prestes a receber a taça mundial de 1967 pelo Racing. À direita, na comissão do Independiente de 1973

Maschio ergueu como meia-direita a única edição vencida pela Academia, em 1967, já como veterano ídolo (havia sido ídolo nos anos 50 e fora jogar na Itália, país pelo qual disputara a Copa do Mundo de 1962) e treinou o Rojo em tempos ainda tranquilos de rivalidade em 1973: “Sempre brinco com os do Independiente. Lhes digo: vocês foram campeões com Dellacha e comigo, dois ídolos do Racing, e também os fizeram campeões (argentinos) Cap e Brindisi, dois que jogaram no Racing. O mesmo que Pastoriza, um dos grandes ídolos do Rojo. ‘Graças ao Racing, vocês foram campeões várias vezes’, lhes digo. (…) O torcedor do Racing me perdoa. Antes era outro espírito, outra coisa”, contou em 2011.

Eram os anos do tetracampeonato entre 1972 e 1975, e nestes dois referidos anos o treinador foi justamente outro ídolo racinguista dos anos 50, o ex-zagueiro Pedro Dellacha, conforme mencionado por Maschio. Maschio, apelidado de El Bocha, venceu pelo Racing também o mundial em 1967, mas deixou o comando do Independiente antes de tentar o mesmo no rival em 1973. Mas ficou a tempo de promover à titularidade outro Bocha: Ricardo Bochini, o maior ídolo da história roja.

A taça de 1974, sobre o São Paulo, veio sob o comando técnico do ex-lateral Roberto Ferreiro, xerife do Independiente nos primeiros títulos do clube (e do futebol argentino) no torneio, no bi de 1964-65, indo à Copa do Mundo de 1966. El Pipo, no período do tetra, também faturou o primeiro mundial do Independiente, ainda em 1973, substituindo Maschio. A taça lhe escapara como jogador.

Em 1979, o Olimpia ganhou a primeira Libertadores paraguaia sendo treinado pelo ex-atacante Luis Cubilla. Ele já havia feito história ao ser o único a vencer La Copa pelos arquirrivais Peñarol (1960, 1961), clube pelo qual torcia, e Nacional (na primeira dos tricolores, em 1971). Poderia até ter levantado outra: enfrentara o próprio Peñarol na final de 1966, pelo River, até marcando gol.

Ele também é o único campeão uruguaio por três equipes, pois venceu em 1976 na conquista histórica do Defensor, que encerrou quase meio século de exclusividade da dupla principal no campeonato em campanha apoiada pelos opositores da ditadura. Cubilla, autor do gol da Celeste que abriu o placar contra o Brasil na semifinal da Copa de 1970, venceu pelo Olimpia não só em 1979 como também em 1990 – ano em que foi eleito o melhor técnico da América do Sul. Por Peñarol (1961), Nacional (1971) e Olimpia (1979), ele venceu ainda o mundial.

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Pelo Independiente, Ferreiro e Pastoriza conseguiram nas duas funções

Um de seus colegas no Nacional em 1971 foi o defensor Juan Mujica, que participou da segunda conquista dos tricolores, treinando os campeões de 1980 sobre o Internacional de Falcão. Conseguiu não só a Libertadores como também o mundial pelo mesmo clube, em ambos os anos. Já em 1984 foi a vez do ex-meia José Omar Pastoriza, no Independiente, se juntar ao grupelho. Como Maschio indicou, El Pato de fato passou antes pelo Racing em 1965, virando a casaca em 1966 (ano em que esteve na Copa do Mundo) para ganhar anos depois a primeira Libertadores do tetra rojo nos anos 70, em 1972.

Pastoriza foi jogar no Monaco meses depois, voltando ao Independiente já como técnico em 1977. E na nova função pôde erguer a última Libertadores (sobre o Grêmio) e Mundial do time, em 1984. Grande símbolo e alma do Rojo, faleceu durante nova passagem como técnico por lá, em 2004. Os tempos eram outros: foi eliminado pelo São Caetano. Saiba mais de Pastoriza clicando aqui.

O último antes de Gallardo foi outro ex-River: o goleiro Nery Pumpido, vencedor da primeira Libertadores dos millonarios, em 1986, e também do primeiro mundial, naquele mesmo ano em que ganhou tudo (faturou também o campeonato nacional e a Copa do Mundo, sempre sendo titular). Já ele conseguiu bater o São Caetano, sendo o técnico do Olimpia em 2002.

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O ex-goleiro Pumpido: River 86, Olimpia 2002

As conquistas de 1996 e 2015 foram bem diferentes para Gallardo. Em 1996, o Millo vivia período áureo, enquanto aquele meia, já com alguma quilometragem no clube, era criticado: não foi titular em nenhuma partida e sempre que entrava era para segurar um resultado. Atuou nos dez últimos minutos do 1-1 na estreia com o San Lorenzo, no lugar de Ariel Ortega; a última meia hora nos 2-1 sobre o Minervén, no lugar de Gabriel Amato, substituindo-o também nos últimos doze nos 4-1 sobre o Caracas.

El Muñeco lesionou-se e só voltou no segundo jogo das complicadas quartas-de-final, também contra o San Lorenzo. Foi um desastre: substituiu o lesionado Hernán Crespo aos 8 do segundo tempo e aos 25 já levava o segundo amarelo, sendo expulso. O oponente havia perdido a primeira partida por 2-1 e minutos depois empatou em 1-1, quase virando no fim para forçar os pênaltis.

Gallardo retornou no jogo de ida na final, nos últimos doze minutos no lugar de Juan Pablo Sorín. Não adiantou muito, pois o América de Cali venceu por 1-0. Na volta, o Millo se recuperou e fez 2-0, com o Muñeco entrando no lugar do herói Crespo (autor dos dois gols) aos 42 do segundo tempo. O meia nem pôde deixar um golzinho naquela campanha.

Desta vez, foi diferente. Pegou um River buscando sair da fase mais tenebrosa da história e desengasgou de forma incontestável, repondo o respeito que o gigante havia perdido na virada do milênio. Apostando de forma certeira em revelações da base, como comum há 19 anos, teve peito de não endeusar os medalhões que chegaram. Conseguiu um título mesmo com um grupo considerado menos talentoso que outros que tentaram e fracassaram nesse meio-tempo. Em um ano, venceu todos os torneios internacionais que tentou, dentre eles também a Recopa em fevereiro – sobre o San Lorenzo, aliás.

Parabéns, Gallardo!

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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