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30 anos do bicampeonato do mais dourado Argentinos Jrs da história

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A volta olímpica de 30 anos atrás

Entre 31 de agosto de 1980 e 4 de setembro de 1985, pouco mais de meia década se passou entre dois grandes momentos do mais glorioso nanico de bairro do mundo, o Argentinos Jrs. Não há paralelo de ascensão meteórica para um clube de seu porte pertencente a uma metrópole do futebol repleta de gigantes – a mesma metrópole cujo conurbano é, a nível mundial, o que mais tem clubes de futebol diferentes, segundo levantamento recente. Foi também o fim de uma era na Argentina.

Pois bem. Em 31 de agosto de 1980, o River já havia garantido seu título com rodadas e rodadas de antecedência. O segundo colocado era o Talleres, mas a equipe de Córdoba folgou na última rodada do Metropolitano, naquele dia. Um ponto atrás, o Argentinos Jrs sapecou fora de casa um 4-1 no Tigre e abocanhou o segundo lugar. A revelação Maradona já era uma realidade, sendo sendo artilheiro dos campeonatos seguidas vezes: Dieguito tem o recorde exclusivo de cinco artilharias profissionais na Argentina, a última exatamente naquele torneio.

O vice-campeonato em 1980 foi o lugar mais alto alcançado pelo time do bairro de La Paternal até então. Maradona continuou arrebentando mais uns meses, e o cúmulo foram os quatro gols em um 5-3 no Boca meses depois. A vítima tratou de trazê-lo para si no início de 1981. O resultado é que no torneio seguinte o Bicho escapou do rebaixamento por um único ponto, na última rodada (em confronto direto com o San Lorenzo, primeiro gigante argentino a cair). Maradona não voltaria mais e a minúscula torcida vermelha deve ter pensado que as tardes de glória tinham terminado.

Uma primeira reação se fez notar em 1983, com a vinda de duas lendas, o goleiro Ubaldo Fillol e o técnico Ángel Labruna. Por muito pouco o time não chegou na final nacional. Nas semis, venceu o Independiente por 2-1, mas perdeu de 2-0 em Avellaneda (“justo você me manda à merda” foi o cumprimento pós-jogo de Labruna a Carlos Morete, autor do segundo gol e que havia se projetado na década anterior no River graças ao técnico: saiba mais. Morete que viria a ser ilustre reserva do campeão de 30 anos atrás). Mas Labruna faleceu de ataque cardíaco meses depois, enquanto Fillol foi ao Flamengo. Foi lembrado por Sergio Batista, que escreveu sobre o título na El Gráfico que “nada disso teria acontecido se Ángel não aparecesse no Argentinos Jrs”.

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Borghi, único presente em todos os títulos do Argentinos Jrs, com Oscar Acosta, do “rival” Ferro Carril Oeste. À direita, Castro abrindo o placar há 30 anos

Para quem havia perdido Maradona, o golpe não foi tão acusado. Em 1984, o time esteve no páreo no nacional, caindo nas quartas-de-final para o Talleres. No Metropolitano, não teve como brecá-lo. No embalo do atacante Pedro Pasculli, o primeiro título argentino da história semillera veio. O técnico Roberto Saporiti saiu. Entrou José Yudica e o que era sensacional virou de vez histórico. O maior conquistador do clube, Claudio Borghi, veio a florescer no novo ano. Era o talento que faltava no timaço de Pasculli, Sergio Batista (que iriam com Borghi à Copa de 1986), Adrián Domenech e outros.

O Torneio Nacional de 1985 fechou a era Metropolitano/Nacional na Argentina, vigente desde 1967. O Metropolitano nada mais era do que o antigo campeonato argentino, que apesar do nome era concentrado na Grande Buenos Aires, La Plata e Rosario (e, nos anos 80, Córdoba). O Nacional foi criado para opôr os melhores do Metro com os vencedores das ligas do interior, dando às demais regiões do país uma oportunidade de lugar ao sol. A partir do segundo semestre de 1985, o futebol argentino voltaria a ter só um torneio de elite, nos moldes do calendário europeu e nacionalizado na segundona.

O último Nacional foi um prato cheio para nostálgicos das complicadas fórmulas mata-matas. Começava com oito grupos de quatro times cada. Após jogos de ida e volta no interior dos grupos, os dois melhores faziam oitavas-de-final em ida e volta. Mas quem perdesse não ficaria de fora: enquanto os vencedores avançavam para quartas-de-final, quem havia perdido faria entre si novas oitavas, também em ida e volta. Quem perdesse nelas, aí sim, se desclassificaria.

A partir da fase seguinte, fizeram-se jogos únicos. Os vencedores das quartas iam às semis, enquanto os perdedores se juntavam aos vencedores das “oitavas dos perdedores”, forçando novas oitavas. Os sobreviventes destas oitavas se juntaram em quartas-de-final com os perdedores das semis. O Argentinos Jrs foi sempre avançando. Usou a fase de grupos como pré-temporada de luxo para a Libertadores, vencendo três jogos e empatando os outros na chave com Chacarita, Central Norte de Salta (que chegou a levar de 8-0 do campeão, com Pasculli anotando cinco gols) e Belgrano.

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Borghi, Castro, Ereros, Domenech e Videla comemoram o primeiro gol

As oitavas renderam um reencontro com o San Lorenzo, já de volta à elite. O líbero Jorge Olguín, campeão mundial em 1978, havia sido revelado no oponente e fez valer a “lei do ex”. Mais decisivo ainda foi o ponta Carlos Ereros, que marcou em ambos os jogos, um 2-2 e um 1-0. As quartas-de-final, em jogo único, foi contra a surpresa San Martín de Tucumán, líder do grupo que continha o Vélez. Ereros, novamente, e José Antonio Castro anotaram os 2-0 na neutra Córdoba.

As semis, em abril, foram o grande momento, opondo os dois campeões do ano anterior. O Ferro Carril Oeste, vencedor do Metropolitano de 1984, também vivia sua melhor fase e teve naquele Argentinos Jrs sua asa-negra: mostramos aqui. Por um único ponto, havia sido justamente o Ferro o vice do Nacional de 1984. Ambos duelariam ferozmente também pela Libertadores, a começar em julho. No estádio do Vélez, Batista, Pasculli e Ereros foram os impiedosos autores dos 3-0.

Após pausa de três meses para as eliminatórias (Pasculli participou e fez um dos gols salvadores, contra o Peru, mas depois iria ao futebol italiano. Foi ao Lecce, sendo primeiro jogador que a seleção aproveitou de um time europeu de segunda divisão), a “primeira parte” do Nacional enfim foi concluída em julho. O Vélez, arquirrival do Ferro, tinha na galeria o mesmo número de troféus que o Argentinos Jrs: um. E havia se despedido de seu maior artilheiro, Carlos Bianchi. O novo homem-gol era Jorge Comas, que fez os três dos 3-0 no River na semifinal. Dessa vez foram em dois jogos e cada um venceu por 2-0.

Nos pênaltis, deu Argentinos em 17 de julho, com o goleiro Enrique Vidallé salvando a cobrança justamente de Comas. Na ressaca, o Bicho perdeu nove dias depois em sua estreia pela Libertadores, em casa, para o Ferro. O foco semillero passou a ser o torneio continental, enquanto aguardava o vencedor do mata-mata dos perdedores.  Ele se concluiu em 7 de agosto, com o Vélez novamente derrotando o River de Enzo Francescoli graças a Comas. Enquanto isso, o Bicho deslumbrava os brasileiros naquele mês.

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“Checho” Batista arrisca de fora da área e marca a dez minutos do fim o gol do título

O Argentinos Jrs venceu o Vasco em São Januário e o Fluminense no Maracanã (veja o vídeo ao fim sobre essas duas vitórias), além de dar o troco no Ferro, derrotando-o por 3-1 fora de casa. Em 23 de agosto, fez o que deveria ter sido seu último compromisso na primeira fase da Libertadores: 1-0 no Fluminense, em Buenos Aires. Cinco dias depois, pegou o Vélez. O neutro Monumental de Núñez viu um 1-1, foi a vez do Vélez vencer nos pênaltis. E aí residiu o último capricho daquele regulamento maluco: o Argentinos Jrs teria sido campeão ali se houvesse vencido.

Mas como o triunfante foi o vencedor dos perdedores, o vencedor dos vencedores teria direito a uma revanche, quase um segundo serviço dos erros de saque no tênis. Foi esse jogo derradeiro o que ocorreu naquele 4 de setembro de 1985, novamente no Monumental. Entre a derrota nos pênaltis e o jogo derradeiro, o Ferro Carril Oeste venceu o Vasco no Rio de Janeiro e se igualou em pontos ao conterrâneo na Libertadores. O duríssimo regulamento da época só premiava o líder com a classificação e forçaria um jogo-extra entre os argentinos para 11 de setembro, dali a uma semana.

Comas, sempre ele, marcou para os velezanos no dia 4. Mas o Bicho não poupou seus titulares. Olguín teve um pênalti defendido por Carlos Navarro Montoya, mas Castro e Batista (ele marcou a dez minutos do fim o gol que mais gritou em sua vida, segundo ele mesmo) garantiram o primeiro bi profissional seguido de um clube fora dos cinco grandes do país. Um feito ofuscado por um ainda maior erguido dali a cerca de um mês e meio.

Com este especial, terminamos de contar as histórias por trás dos três títulos do Argentinos Jrs na elite: clique aqui para acessar sobre o primeiro, em 1984, e aqui sobre o último, em 2010. Quanto à Libertadores de 1985, esperemos, como já mencionado, um mês e meio…

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Jorge Olguín, Adrián Domenech, José Luis Pavoni, Enrique Vidallé, Carmelo Villalba, Sergio Batista, José Antonio Castro, Mario Videla, Claudio Borghi, Emilio Commisso e Carlos Ereros: titulares de 30 anos atrás. À esquerda, o artilheiro Pedro Pasculli, transferido ao Lecce no meio da temporada e campeão da Copa de 1986

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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