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Recorde de Lewandowski tem paralelo argentino: Eduardo Maglioni

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Ontem o mundo do futebol se assombrou com o desempenho de Robert Lewandowski, que marcou cinco gols em menos de dez minutos para golear de virada um jogo que seu Bayern Munique perdia para o Wolfsburg. Em matéria de média de gols por minutos, porém, o futebol argentino conheceu façanha ainda maior, recorde devidamente registrado no Guinness: o de Eduardo Maglioni em um Independiente 4-0 Gimnasia LP pelo campeonato de 1973.

Curiosamente, aquele Independiente tinha um polaco-argentino no elenco, o meia Alejandro Semenewicz. Mas a versão argentina de Lewandowski foi o atacante nascido em 14 de abril de 1946 nos arredores da mesma Reconquista que pariu também Batistuta – mais especificamente, a 60 Km dali, em El Sombrerito, povoado no extremo norte da província de Santa Fe e fronteiriço à do Chaco. Inicialmente, Maglioni tentou na principal cidade futebolística de Santa Fe, Rosario: quando tinha 12 anos, juntou-se aos juvenis do Rosario Central. Sem se firmar, voltou para Reconquista e por dois anos defendeu algumas forças locais – o Central Reconquista e o Atlético Adelante.

Mas foi realmente na província vizinha do Chaco que Maglioni despontou, a partir do momento em que em 1965, aos 19 anos, rumou a uma das grandes forças chaqueñas, o Sarmiento da cidade de Resistencia – ainda que precisasse concilia-lo com o serviço militar obrigatório em um pelotão da capital de Santa Fe (a cidade de mesmo nome) em 1967, o que favoreceu um empresto ao Unión, uma das potências santafesinas. Mas como no Tatengue ele chegou já após o fim das inscrições ao campeonato argentino (o calendário de 1967 marcaria justamente a estreia unionista na primeira divisão), precisou ser relegado ao time B, restrito à liga municipal.

Em 1968, já estava novamente no Sarmiento, restrito à liga chaqueña, ironicamente jamais vencida por Maglioni: ele não estava no time campeão de 1967, ao passo que o rival Chaco For Ever ganhara a de 1966 e levaria também a de 1968, enquanto a de 1965 ficara com o Independiente Tirol. A glória local veio com a seleção municipal de Resistencia, campeã do torneio argentino de seleções de 1968, decidido em dezembro um quadrangular final em Mendoza com a seleção da casa e também as de Santa Fe e La Pampa.

Mas mesmo antes daquela conquista Maglioni já fazia por onde para ter um primeiro teste no Independiente: em 8 de dezembro, pela penúltima rodada do Torneio Nacional, o Rojo enfrentou o Boca no estádio do Racing. Como de praxe, houve uma partida preliminar entre as equipes B dos dois clubes, pelo campeonato da categoria. A equipe de Avellaneda fez um trato, aceitando entregar os pontos da partida entre os times B para em troca poder escalar Maglioni e outras promessas que não estavam inscritas no torneio. A preliminar terminou em 1-1, com gol dele, que no mesmo domingo voltou de ônibus ao Chaco para uma viagem iniciada às 21h30 e encerrada já às cinco da tarde da segunda-feira – para, doze horas depois, iniciar com a seleção provincial uma outra viagem rodoviária, até Mendoza.

Independiente antes da final da Libertadores 1972: Santoro, Raimondo, Sá, Commisso, Garisto e Pavoni; Balbuena, Pastoriza, Maglioni (com a bola), Semenewicz e Saggioratto

Resistencia começou segurando o 0-0 contra Mendoza no dia 12 de dezembro e viu então Maglioni brilhar no dia 14, ao marcar os três gols da sua seleção nos 3-2 sobre Santa Fe. Seriam os três gols do título: no dia 14, o 0-0 contra La Pampa foi o suficiente para coroar Resistencia nos critérios de desempate (o número de gols pró) contra a anfitriã Mendoza. O Independiente, por sua vez, perdia para o Palmeiras o supeartilheiro Luis Artime, deixando livre a vaga para Maglioni brilhar como o novo centroavante. Ambidestro e oportunista como o conterrâneo Batigol, Maglioni não se sobressaiu tanto como Artime no quesito média de gols (fez 62 em 148 jogos pelos diablos, ligeiramente menos de meio gol por partida), mas sim pela importância deles. E dos troféus que viriam.

Primeiramente, Maglioni fez um nos 3-2 sobre o arquirrival Racing em um clássico de Avellaneda na última rodada de 1970, que fez do Independiente o campeão argentino. No ano seguinte, marcou outro gol no jogo do título, um 2-0 – por sinal, sobre Gimnasia LP, o mesmo vitimado pelo recorde. O centroavante, jogando com infiltrações, também anotou (um com cada pé) os dois gols do título da Libertadores de 1972, na final em Avellaneda contra o Universitario do forte futebol peruano da época: saiba mais. Foi a primeira das quatro Libertadores seguidamente vencidas pelo Rojo, e a única cuja volta olímpica foi dada em casa.

Predestinado com tantos gols em decisões, foi entrevistado na El Gráfico após aquela Libertadores sob o título “Quer ganhar uma final? Independiente tem a fórmula: ponha Maglioni”. “Fiquei 10 dias na cama, sem me mover, para jogar a final. (…) Roguei ao médico que cada 24 horas que eu adiantasse eram decisivas”, relatou emocionado sobre as vésperas daquela decisão, quando se recuperava de lesão sofrida contra o São Paulo no último jogo das semifinais; padecia de um estiramento na coxa. Tão logo marcou o segundo gol, foi substituído por Manuel Magán.

O recorde histórico, porém, veio naquele 18 de março de 1973, na terceira rodada do campeonato argentino. O Independiente já vencia por 1-0, gol de tiro livre do xerife e capitão Ricardo Pavoni aos 37 do primeiro tempo. Assim o próprio Maglioni descreveu a façanha: “no primeiro, quis colocar no primeiro pau e cravei no outro. No segundo, Pavoni me pôs uma bola para me deixar mano a mano com o goleiro e anotei. No terceiro, (Julio) Montero Castillo fez uma grande jogada e me deu para cravar-la”.

Os três gols vieram em menos de dois minutos: foram precisamente 113 segundos. A chamada ilustrativa foi bem sacada: “Maglioni estripou o Lobo“, apelido do Gimnasia, cujos torcedores são chamados de triperos pela proximidade dos primeiros futebolistas do clube platense a açougues locais.

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Outros gols celebrados de Maglioni foram estes, os da final da Libertadores 1972 – um com cada pé

Maglioni, porém, decaiu rapidamente; e, de fato, nunca seria aproveitado pela seleção argentina. Na Libertadores de 1973, já se revezava com Miguel Ángel Giachello. E lhe faltaria sorte nas finais, contra o Colo-Colo: na primeira, em Avellaneda, até chegou a acertar a trave. Na última, na neutra Santiago, foi aproveitando exatamente uma chance perdida por ele que Mario Mendoza marcou o primeiro gol argentino – enquanto o segundo gol, concluído por Giachello, teve a jogada construída exatamente por quem substituíra Maglioni aos 21 minutos do segundo tempo: o jovem Ricardo Bochini, futuramente o maior ídolo do Independiente.

Apenas duas semanas depois, o centroavante pôde ter um último momento de protagonismo em taça, pela Copa Interamericana ainda válida por 1972. Era o esquecido tira-teima contra o vencedor da Concacaf e o Rojo topou fazer no país adversário os dois jogos contra o Olimpia de Honduras. Maglioni marcou nas duas finais – o segundo nos 2-1 em San Pedro Sula, ao passar por dois hondurenhos antes de concluir na saída do goleiro; e o primeiro nos 2-0 na capital Tegucigalpa, usando a cabeça para aproveitar bola cruzada por Agustín Balbuena.

Ele ainda foi titular no Mundial Interclubes, sobre a Juventus (novamente, com o Independiente aceitando jogar apenas no país adversário, dessa vez em jogo único travado em Roma em 28 de novembro). Mas, ao fim daquele mesmo 1973, ele acertou sua transferência ao Huracán – o que não era um demérito, pois o novo clube havia acabado de ser campeão argentino com um futebol dos mais encantadores, revelando César Menotti como técnico (saiba mais). Inclusive, como huracanense ele seria adversário do próprio Independiente nas semifinais da Libertadores de 1974.

Não deu tão certo no Globo, porém, indo se retirar no Millonarios do lucrativo futebol colombiano da época. Mas ainda pudera dar uma última alegria aos rojos no fim de 1973: o jogo seguinte ao título mundial foi justo um outro clássico de Avellaneda, na casa rival. Os campeões desfilaram com a única taça que ainda lhes era inédita, e que na rivalidade ainda era um orgulho exclusivo do Racing. Que foi atropelado por 3-1, com Maglioni marcando um dos gols. A torcida do Independiente não lhe poderia pedir mais nada…

O recorde absoluto de gols no futebol argentino é de Juan Taverna, que fez sete pelo Banfield em um 13-1 no Puerto Comercial em 1974: veja aqui. Podemos lembrar também os seis de Rafael Moreno em um 8-0 do Argentinos Jrs no Lanús em 1972; os quatro de Agustín Cosso (que jogaria no Flamengo) no 4-3 do Vélez sobre o River em 1935; outros quatro que Victorio Spinetto fez também pelo Vélez em um 5-2 no Chacarita em 1937 (destaque pois Spinetto era volante e marcou só um de tiro livre).

Nos principais clássicos do país, Carlos García Cambón fez sua estreia pelo Boca marcando quatro em um 5-2 no River em 1974 (clique aqui) e no ano seguinte o Racing carimbou o tetra seguido do Independiente na Libertadores em um 5-4 com quatro de Alberto Jorge (contamos anteontem: clique aqui). Outros goleadores de uma tarde muito recordados foi Maradona, que fez quatro pelo Argentinos Jrs sobre seu amado Boca em um 5-3 em 1980, goleada que inspirou os auriazuis a requisitarem imediatamente o empréstimo do Diez, que no ano seguinte aportou na Bombonera; e Guillermo Barros Schelotto, que pelo Gimnasia fez três em um 6-0 sobre o Boca na reinaguração da Bombonera em 1996, sendo outro que um ano depois virou boquense.

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A manchete e a ficha da partida recordista em 1973: gols aos “4, 5, e 5:30 minutos”

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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