Primeira Divisão

Cem anos do maior clássico de bairro do mundo: Huracán x San Lorenzo

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O título é autoexplicativo. Este 24 de outubro marca o centenário de uma das principais rivalidades argentinas, celebrado em alto estilo com ambos juntos pela primeira vez na Libertadores. Já escrevemos diversas vezes sobre o clássico de bairro: sobre as origens da rivalidade, sobre o espírito do dérbi e sobre diversos personagens e anedotas. Resolvemos contar os cem anos relembrando um triunfo por década para cada, com algumas exceções para abranger períodos dourados da dupla. Desfrute!

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Anos 10

Indicando quem dominaria o clássico, o San Lorenzo ganhou de virada o primeiro deles; foi o ano de estreia do San Lorenzo na elite argentina. Ele não ganhou de nenhum dos outros quatro grandes, mas bateu o rival. No estádio do Ferro Carril Oeste, José Laguna abriu o marcador. Técnico do Paraguai na Copa de 1930, ele era um raro argentino negro e foi nada menos que o primeiro presidente do Huracán e um de seus primeiros jogadores na seleção – estreou marcando gol em um 1-1 com o Brasil pela primeira Copa América, onde curiosamente chegara ao estádio para assistir a partida e foi “convocado” desde a plateia para substituir outrem. Os novatos, porém, viraram. Foi com dois gols de Francisco Xarau e outro de Luis Gianella.

A primeira vitória huracanense viria em 1918, por um torneio mata-mata da época, a Copa de Honor. Foi também o primeiro triunfo quemero na casa sanlorencista, o mítico Gasómetro original. Ginevra, de falta, e novamente Laguna, de cabeça, anotaram os gols. O rival Boggio ainda foi convidado pelo árbitro a se retirar do field.

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Xarau, Gianella e Laguna, autores dos gols do primeiro clássico. À direita, reencontro no fim dos anos 20: Cesáreo Onzari, autor do primeiro gol olímpico, e Luis Monti, ex-Huracán e campeão da Copa de 1934 pela Itália,

Anos 20

A década mais rica para ambos os clubes ironicamente foi pobre em clássicos, já que estiveram em ligas separadas de 1919 a 1927. Os únicos jogos na década foram pelos campeonatos de 1927 e 1928, conquistados pela dupla – no de 1929 ficaram em grupos diferentes. Melhor para os azulgranas, que venceram os dois clássicos por 2-1. A vitória em 1927 foi decisiva para o título cuervo, garantido com um ponto de diferença sobre o Boca. Em plena casa rival, Enrique Monti (irmão de Luis Monti, campeão do mundo pela Itália em 1934) e Alfredo Carricaberry (vice olímpico em 1928) marcaram os gols da vitória cuerva. Curiosamente, ambos são vira-casacas na rivalidade. Adán Loizo descontou.

Anos 30

A maior goleada no clássico até então surgiu em 1934: San Lorenzo 5-1, com gol brasileiro – foi de Petronilho de Brito, que segundo algumas versões seria o real autor do chute de bicicleta e não Leônidas da Silva (o inquestionável é que Petronilho foi irmão de Waldemar de Brito, descobridor de Pelé). Vice na Copa de 1930, Alberto Chividini fez dois. Rubén Cavadini e Diego García, então o maior artilheiro azulgrana, completaram o massacre, com Antonio Lamas descontando. Foi uma vingança dupla: no ano anterior, o Huracán havia vencido por 4-1 em pleno Gasómetro. Em 1934, um primeiro troco já havia sido dado, com vitória por 3-0 em Parque de los Patricios.

Similarmente, o triunfo quemero não poderia ser outro que não o de 1939, na primeira grande campanha profissional do clube. Foi a maior vitória huracanense no estádio adversário. Um 5-2 com dois gols de Emilio Baldonedo (que faria oito gols na seleção brasileira no ano seguinte), outro do artilheiro máximo do Huracán, Herminio Masantonio, e outros de Rodríguez e Perdomo. Teria sido 5-0, mas o goleador basco Isidro Lángara descontou duas vezes no finalzinho.

Anos 40

Fácil escolher o triunfo do San Lorenzo: o mais elástico foi o 5-2 em 1942, um troco pelo revés de 1939. Curiosamente, Lángara e Baldonedo voltaram a marcar dois gols cada. Mas Rinaldo Martino (futuramente na Juventus), Mateo Nicolau (futuramente no Barcelona) e Carlos Marinelli (contra) pesaram para os cuervos, que na mesma temporada ganharam por 3-0 fora de casa.

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À esquerda e à direita, os maiores artilheiros do clássico: Masantonio pelo Huracán (dez gols nos anos 30 e 40) e Sanfilippo pelo San Lorenzo (16 dos anos 50 aos 70). Ao meio, Di Stéfano marcando aos olhares do Papa em 1946

O Huracán mais perdeu que ganhou, mas apontar alguma vitória é mais difícil. Teve o 4-3 fora de casa pelo título da Copa Británica de 1944, o 3-2 também fora de casa em pleno título rival de 1946 – o Papa Francisco, que teria visto todos os jogos do seu San Lorenzo em casa naquela campanha, estaria no estádio e viu o jovem Alfredo Di Stéfano marcar duas vezes para o Globo. O mais celebrado pela torcida, porém, é a maior goleada quemera no dérbi. Foi um 5-1 logo na primeira rodada de 1943, no estádio do Ferro Carril Oeste. Francisco de la Mata pôs San Lorenzo 1-0, mas Juan Carlos Salvini decretou a virada marcando três vezes. Baldonedo, sempre ele, deixou outro. Banchero fechou a conta.

Anos 50

Dessa vez é o contrário: apontar o do Huracán é facílimo, o do San Lorenzo nem tanto. Em 1950, o Globo conseguiu virar fora de casa uma derrota de 2-0 graças ao obscuro José Vigo, que em vinte minutos marcou três vezes. Obscuro porque era do time reserva: por briga generalizada com o Vélez na rodada anterior, os titulares estavam suspensos. Por causa daquela vitória o Huracán não seria rebaixado. E o San Lorenzo, embora tenha terminado em quinto, naquela altura era o líder do campeonato!

Naquela década, irrompeu no San Lorenzo o maior artilheiro do clube e do clássico: José Sanfilippo. Nos anos dele o San Lorenzo aumentou consideravelmente a vantagem. Ele estreou profissionalmente em 1953, ano do início do mais longo tabu no dérbi. O San Lorenzo ficou sem perder fora de casa dali até 1962, justamente o ano em que El Nene foi embora. No período, perdeu apenas uma vez e aplicou dois 4-2, um 4-1 e um 5-3, todos fora de casa. Mas ficamos com um triunfo em casa, o 6-3 em 1959. Afinal, foi o clássico com mais gols e serviu para o Sanloré voltar a ser campeão após treze anos. Sanfilippo fez três, e sua dupla Norberto Boggio, os outros três dos vencedores. José Diz (duas vezes) e Juan Soria descontaram. Especial aos cuervos também por outra razão: haviam sido campeões na rodada anterior e deram volta olímpica antes da partida.

Anos 60

A maior goleada foi um 4-1 do San Lorenzo em 1966. Héctor Veira (guarde esse nome), maior ídolo do clube, marcou duas vezes e um recente vira-casaca, Alberto Rendo (um dos dois únicos que jogaram na seleção vindos de cada um), outro. O futuro botafoguense Rodolfo Fischer fez mais um, com Eladio Zárate marcando o de honra para o Globo. Em 1969, o Huracán teve o raro gosto de vencer ambos os jogos da temporada. A vitória fora de casa nem tão merecida foi, mas a elegemos pelo drama e pela estatística.

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Clássico nos anos 60 (os do San Lorenzo são Héctor Veira e Rodolfo Fischer), os 5-1 na Bombonera em 1971 e a volta olímpica sanlorencista na casa rival antes do clássico em 1972, com o veterano Sanfilippo ao meio –

Foi o primeiro gol de Miguel Ángel Brindisi no clássico – ele é o terceiro maior artilheiro do dérbi, e o segundo pelo lado huracanense. La Quema jogava no contra-ataque e se retrancava em uma partida tecnicamente medíocre. Faltando sete minutos para o fim, Roberto Telch empatou e os azulgranas foram com tudo buscar a vitória. A dois minutos do fim, novo contra-ataque permitiu a Rodolfo Villanoba dar ao Huracán seu primeiro triunfo fora de casa desde 1956 no encontro.

Anos 70

Em 1971, o Huracán buscou reerguer-se buscando o técnico do Estudiantes recém-tri da Libertadores (Osvaldo Zubeldía, que trouxe outro daquele Estudiantes, o goleiro Alberto Poletti) e ídolos do rival. Rendo voltara ao clube de origem, que contratara simplesmente Veira e arranjara o empréstimo do flamenguista Narciso Doval, outra antiga figura sanlorencista. Veira causou furor por declarar-se torcedor quemero desde sempre, já que crescera no bairro de Parque de los Patricios. Engoliu um 5-1 em partida jogada na Bombonera. Doval havia acabado de chegar e as más línguas disseram que não entrou para não enfrentar o ex-clube.

Fischer, que no ano seguinte iria ao Botafogo, abriu o placar. Luis Giribet empatou de pênalti já no segundo tempo, mas nos últimos vinte minutos Rubén Ayala (duas vezes; faria o gol do título mundial do Atlético de Madrid em 1974), Carlos Veglio e Pedro González assinaram a goleada. Apesar dela, os anos 70 foram a década mais equilibrada do confronto. Ainda assim, melhor para o San Lorenzo, com 13 vitórias contra 12, e campeão três vezes contra uma do rival.

Os títulos são um capítulo à parte: na rodada seguinte após garantir o título de 1972, o San Lorenzo perdeu de 3-0. E deu o troco no ano seguinte: o primeiro jogo após o Huracán garantir a taça foi o clássico, perdido pelo mesmo placar. O Globo colocou nova água no chope cuervo em 1974, ganhando por 2-0 no meio do título rival. Os quemeros se lembram com mais carinho de 1976, quando ganharam todos os cinco clássicos do ano, algo não visto em nenhuma outra rivalidade na Argentina.

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René Houseman e Jorge Olguín, campeões da Copa 1978, em 1976. Carlos Babington em outro dérbi dos anos 70. Um raro clássico nos anos 80. E o vencido pelo Huracán em 1994

A vitória mais especial da série de cinco foi a terceira. Foi a mais elástica (4-2) e foi o primeiro dérbi após a morte do pugilista Ringo Bonavena, fanático pelo Huracán e bastante celebrado mundialmente na época (quase derrotara Muhammad Ali e inspirou o personagem Armando Bruza no filme O Rancho do Amor, sobre o primeiro bordel legalizado dos EUA). Veira era grande amigo dele e voltou de São Paulo, onde jogava no Corinthians, apenas para se despedir. René Houseman abriu o placar, Héctor Scotta empatou, Brindisi fez duas vezes e Carlos Leone, outra. No fim, Juan Sanz descontou. Curiosamente, também foi na Bombonera.

Anos 80

Década muito pobre no clássico, afinal ambos foram rebaixados. O San Lorenzo esteve na segundona em 1982 e o rival, de 1986 a 1990. Como o Sanloré foi rebaixado por um ponto, o clássico pró-Huracán escolhido é o 1-0 no returno de 1981 realizado na Bombonera, onde os cuervos mandaram a partida (perderam o estádio Gasómetro em 1979 e no último dérbi lá deu Huracán, 2-1). O gol foi de Carlos Centurión. A vitória mais elástica dos azulgranas foi justamente no primeiro turno, um 3-1 em Parque de los Patricios. O gol do Huracán foi de Claudio Marangoni, antigo destaque rival. E dois gols do San Lorenzo foram de Omar Larrosa, campeão da Copa 1978 e ironicamente o artilheiro do Globo campeão de 1973. Francisco Juárez fez o outro.

Anos 90

O San Lorenzo venceu por 5-1 em 1997 e só não escolhemos essa porque em 1995 fez 5-0, a maior goleada do clássico graças a um de Claudio Biaggio logo no primeiro minuto, dois de Esteban González, um de fora da área do brasileiro Silas e outro de Roberto Monserrat. Naquele ano, o time voltou a ser campeão após 21 anos sob o comando do técnico Veira, regenerado de vez entre os sanlorencistas.

O Huracán chegou a ficar oito anos sem perder, de 1984 e 1992, mas foi um tabu falacioso: eles não se enfrentaram na metade desse período, gasto pelo Globo na segundona, e a maioria dos resultados foram empates. Ficamos com o magro 2-1 de 1994, ano em que os quemeros é que quase foram campeões. Rodolfo Flores e Pedro Barrios deram a vitória, com Carlos Netto descontando.

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Dérbis diversos nos anos 90. Ao meio, o da maior goleada: o 5-0 de 1995

Anos 2000

Nova década magra, já que o Huracán ficou mais quatro anos na segundona, de 2003 a 2007. A temporada da queda, a de 2002-03, foi cruel, sendo derrotado duas vezes por 4-0. Difícil escolher: a primeira foi em casa e incidentes da torcida local forçaram o encerramento faltando nove minutos, após três gols de Rodrigo Astudillo e outro de Pablo Michelini. Já a outra veio na rodada seguinte à confirmação do rebaixamento. Os impiedosos da vez foram José Chatruc, Luna e duas vezes o veterano Alberto Acosta, que se aposentaria naquele mesmo ano.

Das vitórias do Huracán, o 1-0 em 2001 foi até hoje o único triunfo quemero no Nuevo Gasómetro, gol do reserva Emanuel Villa (o belo time de 2009 também ganhou por 1-0 fora de casa, mas o mando de campo rival foi exercido na Bombonera) e nenhum huracanense se importou de que do outro lado estavam reservas enquanto os titulares cuervos se preparavam para a final da Copa Mercosul.

Anos 2010

Uma década que dava pinta de ser terrível viu uma bela reviravolta antes da metade. O Huracán caiu em 2011 e só subiu em 2014. O San Lorenzo por muito pouco não caiu em 2012, o que faria o clássico ser pela primeira vez realizado na segundona. Mas o Sanloré recuperou-se meteoricamente, foi campeão argentino no ano seguinte e outro ano depois enfim venceu a Libertadores. O Globo também pôde celebrar bastante em 2014, faturando o acesso à elite e o título na Copa Argentina, primeira taça nacional desde aquela de 1973. Assim, a rivalidade esteve ineditamente junta em 2015 na Libertadores.

Cada um venceu o clássico em casa em 2015. Ficamos com os da temporada 2010-11, que foi o avesso daquele ano de 1981. O Huracán não só venceu o primeiro dérbi como goleou por 3-0: “de (Carlos) Quintana, de (Facundo) Quiroga, de La Quema” foi a genial aliteração festejada pela torcida – o outro gol foi de Diego Rodríguez na vitória huracanense mais elástica desde aquele 3-0 de 1972. Mas o arquirrival deu o troco no turno seguinte, vencendo pelo mesmo placar para afundar ainda mais o Globo, a ser rebaixado dali a algumas semanas. Ortigoza, Salgueiro e Velázquez fizeram os gols.

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Clássicos no novo milênio. À direita, os 3-0 do Huracán em 2011. Pena que foi dia de portões fechados.

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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