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River e Yokohama, a conexão argentina mais forte no Japão

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Altamirano, Ortega e Astrada no metrô para o mundial de 1996. Sorrirão também ao fim?

O River já foi duas vezes a Tóquio tentar coroar-se campeão mundial. Dessa vez, o desafio será em Yokohama. Mas a cidade vizinha está longe de ser palco desconhecido para os millonarios. Mais do que isso, é a cidade que mais abrigou os argentinos da J-League (incluindo quatro simultaneamente, todos com passagens pela seleção), abrangendo alguns dos maiores ídolos da Banda Roja.

Yokohama recebeu ao menos dois argentinos antes mesmo da profissionalização do campeonato japonês. Fernando Moner, revelado no San Lorenzo, chegou ao time da All Nippon Airways ainda nos anos 80. Se ambientaria tanto que aprendeu a língua japonesa, sendo até comentarista local na Copa de 2002. A equipe da sétima maior empresa aérea do mundo, que também trouxe Oscar Acosta, do bom Ferro Carril Oeste daquela década, daria origem ao Yokohama Flügels (Flügels é “asas” em alemão). Foi depois de sua passagem pelo Japão que Acosta, curiosamente, iria ao River, onde foi discreto.

Mas foi o outro time da cidade, oriundo da Nissan, quem mais se ligou aos hermanos: o Yokohama Marinos. Seu “sobrenome”, por sua vez, significa “marinheiros” em espanhol. E, de outro clube cujo nome vem de referência portuária, pinçou sua primeira estrela internacional: o veterano atacante Ramón Díaz, um dos maiores ídolos do River. El Pelado, que já conhecia o Japão pelo menos desde 1979 (campeão e artilheiro do mundial sub-20 realizado no sol nascente) foi um dos numerosos astros mundiais que aportaram em 1993, quando foi criada a J-League. Ele, futuramente o técnico mais vitorioso do River, foi justamente o artilheiro da primeira edição do torneio. Até hoje, o único argentino a ter sido goleador da liga nipônica.

Também naquele ano, o Marinos trouxe mais um do River, o volante Gustavo Zapata, recém-campeão da Copa América, até hoje o último troféu da seleção adulta da Argentina. Tornou-se o primeiro que ela convocou do futebol japonês, na reta final das eliminatórias. Mas a médio prazo a mudança não lhe foi boa: “escondido”, não foi à Copa 1994, perdendo a vaga para Hugo Pérez (do Independiente), estreado justamente nas últimas partidas de Zapata naquele ciclo, as repescagens contra a Austrália. Zapata só voltaria à seleção em 1997, já no San Lorenzo, perdendo por lesão a Copa 1998.

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os Ramóns Díaz e Medina Bello quando enfrentaram o River no Monumental pelo Marinos, em 1994. À direita, Zapata. Só ele e Medina Bello jogaram pela Argentina vindos do Japão

1994 chegou até a reservar folclore da rivalidade Brasil x Argentina no outro lado do mundo, em anedota registrada pela Placar na época: em confronto contra o “brasileiro” Kashima Antlers, Ramón Díaz fez dois gols para abrir 2-0, despertando reclamações de Zico para o árbitro. Já verborrágico, Díaz provocou que “os velhos só sabem reclamar”. Alcindo diminuiu e no fim Zico fez de calcanhar. Não foi aquele célebre, onde encobriu o goleiro (feito contra o Vengalta Sendai), mas foi à forra com o argentino: “os velhos também sabem fazer gols”.

No início daquele ano, a conexão do Marinos com o River se tornou mais forte, contratando-se o atacante Ramón Medina Bello. Era daqueles capazes dos maiores golaços como também de isolar terrivelmente a bola rumos às arquibancadas, mas era bastante querido. A ponto dos dois clubes se enfrentaram no Monumental de Núñez para simbolizar a transferência, com El Mencho atuando um tempo por cada, com direito a seu primeiro gol pelo novo clube, em um duro 3-2 para o Millo. Foi a primeira vez que o River enfrentou um time japonês. E foi suado: Bisconti abriu o placar, o River virou, Medina Bello empatou e nove minutos do fim e Sergio Berti, a dois, garantiu a vitória dos anfitriões.

O Clarín registrou assim o encontro histórico: “Campo do River. Uma tarde de fevereiro que vai se tornando noite. El Mencho não parece sentir-se cômodo. Uma camiseta estranha (azul com detalhes brancos). Um número estranho (o 12). Oito companheiros estranhos no campo (com olhos puxados e um idioma ininteligível). Até que Ramón Díaz – para isso estão os amigos – lhe faz um favor e mete um passe bárbaro, nas costas de Rivarola. El Mencho correu e definiu cruzado. E voltou a sentir-se bem”.

Com Medina Bello, a história foi diferente em relação a Zapata: além da transferência ter sido a menos tempo da Copa, havia sido o artilheiro da seleção nas eliminatórias. Assim, não foi esquecido para o mundial, ainda que tenha ido na reserva de Claudio Caniggia (suspenso nas eliminatórias por conta da cocaína) e sem jogar posteriormente na seleção. Ele e Zapata ainda são os únicos usados pela Albiceleste a partir da J-League. Em 1994, o Marinos teve mais um argentino, o técnico Jorge Solari, que havia conseguido antes naquele ano a melhor colocação da estreante Arábia Saudita em Copas.

Atualização em 24-03-2016: neste dia Ezequiel Lavezzi jogou pela Argentina (contra o Chile) vindo do Hebei China Fortune, tornando-se o terceiro jogador que a seleção importa da Ásia e o único do futebol chinês.

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Díaz, artilheiro no Marinos; Zapata e Bisconti, campeões nele; e Moner, fiel ao rival Flügels

A dupla de ataque dos “dois Ramóns” voltou para o River em 1995 (Díaz, já para treina-lo). Naquele ano, Zapata e Bisconti estiveram no primeiro título do Marinos na J-League. O clube trouxe mais hermanos em 1996, Alberto Acosta e Néstor Gorosito (outro revelado no River), que reproduziram lá a dupla dinâmica que já haviam formado na seleção, no San Lorenzo e na Universidad Católica. E Pedro Massacessi vinha do futebol mexicano. Acosta foi bem, mas o novo trio não teve tanto impacto.

Na virada do milênio, o time chegou a ser treinado por Osvaldo Ardiles, elegante volante da Copa 1978 que já havia treinado o Shimizu S-Pulse. Mas só voltaria ser campeão em 2003, já sob o nome de Yokohama F. Marinos, após ter comprado o falido Flügels na virada do milênio – o tal Fernando Moner, fiel à torcida rival no Japão embora vira-casaca na Argentina (esteve no Huracán, rival sanlorencista), passou a jogar no Yokohama FC, criado por torcedores do Flügels insatisfeitos com o destino dele.

Outros clubes do boom da J-League, em meados dos anos 90, também contrataram argentinos, especialmente os da ilha de Kyushu: Hugo Maradona saiu um pouco da sombra da lenda que é seu irmão ao ter bom desempenho tanto no Tosu Futures como no Avispa Fukuoka. O primeiro também teve dois campeões da Copa 1986, Sergio Batista e Héctor Enrique (ambos ex-River), e o outro recebeu Pedro Pasculli (também da Copa 1986), Pedro Troglio, Darío Siviski (outros dois ex-River) e, de técnicos, Jorge Olguín (zagueiro da Copa 1978) e Carlos Pachamé, assistente técnico da Argentina bifinalista nas Copas 1986 e 1990.

Ainda houve o curioso caso do Urawa Red Diamonds, cheio da família Escudero: os irmãos Osvaldo e Sergio, revelados no Vélez, jogaram no time de Saitama naquela época. Osvaldo é pai de Damián Escudero, também da base velezana e hoje no Vitória após passar por Grêmio e Atlético. E Sergio é pai de outro Sergio, que nasceu na Espanha e se profissionalizou no Diamonds, chegando a defender a seleção japonesa sub-23. Mas nenhuma cidade nipônica se entrelaçou tanto aos hermanos e ao River como a do palco da final do mundial de clubes de 2015. Fica a esperança millonaria de que a força dessa conexão seja bem retomada no domingo após a complicada classificação hoje em Osaka.

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Francescoli, na imensa Tóquio, encontrando os velhos rivais da Juventus (havia jogado no Torino). O uruguaio está de volta ao River, como manager

 

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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