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Harry Hayes, o maior artilheiro da história do Rosario Central

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Harry Hayes em 1920

Em 2012, a revista El Gráfico lançou uma revista que elegeu os grandes ídolos do Rosario Central. Os quatro presentes na capa foram Omar Palma, Edgardo Bauza, Aldo Poy e Mario Kempes, todos merecidíssimos, com perfis de duas páginas na revista enquanto a maioria dos eleitos teve apenas uma. Alguns, nem isso. Só a página 41 fala de uma vez de três craques, com espaço diminuto a Juan Enrique Hayes. Uma injustiça. Ele foi um verdadeiro presente de natal atrasado ao clube, criado na data natalina de 1887 enquanto seu maior artilheiro veio ao mundo em 20 de janeiro de 1889. Há exatos 125 anos nascia Harry Hayes, como Juan Enrique ficou mais conhecido.

Hayes é considerado de forma unânime como o primeiro grande atacante do futebol rosarino. “Eficaz nas assistências, tinha um drible muito destacado, era muito hábil, capaz de enganar seus rivais, virtuoso no manejo da bola e ao mesmo tempo possuía a clássica potência dos atacantes de área daqueles tempos, com seu olfato de gol. Ao mesmo tempo, era sacrificado e generoso com seus companheiros” é a descrição extraordinária dada a ele por uma publicação mais grata, Quién es Quién en la Selección Argentina 1902-2010, de Julio Macías.

Os elogios não são duvidosos se comparados ao fato de que Hayes, sócio do Central desde os 12 anos, foi posto no time adulto ainda com 13, um escândalo para a época. Praticou bola por um tempo no Argentino (atual Gimnasia y Esgrima de Rosario) e voltou ao Central em 1905 em troca de cinco pesos. Eis aí talvez a primeira transferência monetária por um jogador no futebol argentino. Só foi posto em competições, porém, em 1907. E no ano seguinte, ainda aos 17 anos, marcou duas vezes em um 9-3 no Newell’s. No returno, o rival levou de 3-0 com outro do adolescente e os canallas, enfim, seriam campeões rosarinos pela primeira vez.

Harry havia aprendido observando os professores do colégio inglês que frequentava, ao custo de vidros e janelas quebradas. Era filho de funcionários britânicos da empresa ferroviária que originara o clube e seu apelido não poderia ser mais óbvio: El Inglés, ainda que nascido em Rosario. Em 1910, dois anos após estrear em competições adultas, ele já estava na seleção argentina, pela qual defenderia nos nove anos seguintes. Aquele ano foi-lhe espetacular na Albiceleste: quatro jogos, cinco gols.

Após as duas primeiras partidas, ambas contra o Chile, todas os demais jogos oficiais onde atuou por seu país seriam diante do Uruguai. Foram dezenove, até hoje um recorde de clássicos platinos seguidos para um jogador argentino. Considerando jogos não-oficiais, Hayes duelou ainda contra clubes ingleses e combinados brasileiros. Só em 1912, foram oito jogos assim: após derrota de 1-0 para o Swindon Town no campo do Gimnasia de Buenos Aires, a Argentina excursionou por São Paulo e Rio de Janeiro, rendendo dois embates de Hayes contra Friedenreich. E o argentino sobressaiu-se mais: marcou os três gols visitantes em derrota de 4-3 para o Paulistano, contra nenhum de Fried. O outro duelo foi contra a seleção paulista, batida com folga por 6-3. Ambos deixaram um gol cada.

El Inglés ainda anotou dois em 6-3 no time dos estrangeiros de São Paulo, dois em 4-0 sobre a liga carioca e quatro em 5-0 contra a seleção da Guanabara. Seu outro jogo não-oficial deu-se em 1914, um 0-0 contra o Exeter City, que dez dias depois se tornaria o primeiro adversário da nascente seleção brasileira. Posteriormente, Hayes esteve na primeira Copa América, em 1916. Pela Argentina atuou cinco vezes ao lado do irmão caçula Ernesto, o Ennis. Ao todo, foram 21 jogos e 8 gols, considerando só os números oficiais. Só Mario Kempes supera Hayes como jogador do Central em jogos e gols pela Argentina. Mas em relação às marcas internas no clube, El Matador esteve longe de El Inglés.

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Com os troféus de 1915 e 1916. E na seleção argentina em 1915 (é o segundo em pé)

Pela camisa auriazul, foram 174 gols de Hayes. Ele, porém, nem sempre é recordado como maior artilheiro centralista pois ainda é comum na Argentina levar-se em consideração só a era profissional, inaugurada em 1931 e na qual o goleador máximo nem Kempes é, e sim Waldino Aguirre – que fez “só” 97 gols. Hayes é também o jogador canalla que mais vezes vazou o Newell’s: foram 21 gols sobre o grande rival (dentre os profissionais, o recordista é Edgardo Bauza, que parou nos 9). Há ao menos 180 jogos documentados de Hayes, o que só engrandecem os tais 174 gols.

Despediu-se em 1926, após uma verdadeira pilhagem: dez títulos rosarinos; a Copa Ibarguren (tira-teima com ares de final nacional, pois opunha o vencedor do campeonato argentino, que apesar do nome só admitia clubes da Grande Buenos Aires e La Plata) de 1915, ano em que fez 51 gols em 20 jogos na liga rosarina, três deles em um 6-2 no Newell’s; as Copas Honor e Competencia (torneios mata-matas entre clubes das associações argentina e rosarina), ambas em 1916.

Destaque à Copa Competencia: fez gols nas duas semifinais contra o River – seria apenas uma, mas foi necessário um jogo-desempate após El Inglés empatar aos 42 minutos do segundo tempo a primeira. Também marcou o gol do título, nos 2-1 sobre o Independiente. além de diversos outros troféus hoje vistos como informais mas cheios de suor derramado em tempos de ferrenho amadorismo. Já como ex-jogador, Hayes foi ainda técnico da seleção rosarina que, em 1928, venceu por 4-0 o Barcelona.

Naqueles tempos amadores, Harry tinha seu ganha-pão como mais um empregado da Central Argentine Railway, tal como seus pais. O futebol também era uma coisa de família: o segundo maior artilheiro do Rosario Central, com 133 gols, é justamente seu irmão Ennis. E o filho Enrique, também apelidado de Harry, também defendeu honrosamente os auriazuis: entre 1939 e 1944, fez 37 gols em apenas 46 partidas.

Sobre os dois, porém, nem mesmo perfil diminuto aquela El Gráfico dignou-se a fazer, deixando a revista ainda mais incompleta diante de tantas glórias que o clube teve. Elas ficaram órfãs em 25 de julho de 1976, quando Harry passou de vez a ser lembrança. Que merece ser mais valorizada.

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Sentado ao meio, de bigode e com outro troféu (o penúltimo sentado é seu irmão Ennis). E já retirado dos gramados, com o filho, também apelidado Harry e outro goleador do Central

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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