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Há 20 anos, o Boca levava de 6-0 do Gimnasia LP (!), três gols de Schelotto (!!), na inauguração do setor VIP da Bombonera (!!!)

Guillermo Barros Schelotto, atual técnico do Boca, é intocável lá. Chegou a ser o jogador mais vitorioso do futebol xeneize (foi ultrapassado em 2011 pela única aparição do bichado Sebastián Battaglia no título do Apertura) e participou de dois terços tanto das seis Libertadores como dos três mundiais acumulados pelos auriazuis, respectivamente as quatro entre 2000 e 2007 e os dois entre 2000 e 2003. Uma faceta menos conhecida fora da Argentina, pela pouca projeção do Gimnasia LP, é que El Mellizo também já foi o carrasco de uma das maiores vergonhas do Boca. Há vinte anos, Guille marcava três gols em um 6-0 em plena Bombonera, que ainda por cima inaugurava seu setor VIP.

Boca e Gimnasia vinham de um 1995 promissor que terminou doloroso. No primeiro semestre, o Gimnasia esteve muito perto de ser campeão da elite pela primeira vez desde 1929. Ou, ser campeão pela primeira vez, ponto – pois o título de 1929 nem sempre é considerado, ainda sendo muito difundido na Argentina só contabilizar-se as taças pós-profissionalismo, a partir de 1931. Contamos o que houve neste outro Especial: o Lobo seria campeão se vencesse em casa na última rodada um time misto do Independiente, ou se o vice-líder San Lorenzo perdesse fora para o Rosario Central.

Tudo deu errado aos alviazuis de La Plata. Perderam e o Sanloré, que também enfrentava um jejum (desde 1974), ganhou com um gol nos últimos dez minutos – para piorar, o rival Estudiantes voltava da segunda divisão. O Boca, por sua vez, enfrentava também uma seca que, ainda que menor, era gigantesca a seus padrões. Desde 1976, vencera somente duas vezes o campeonato argentino, jejum que chegou a durar entre 1981 e 1992. No segundo semestre, então, reforçou-se com dois pesos pesadíssimos: Diego Maradona, de volta da suspensão imposta pelo doping na Copa de 1994, e Claudio Caniggia, que ainda por cima virava a casaca, pois formara-se no River.

Caniggia não engrenou no início, mas o Boca ia muito bem. À altura da antepenúltima rodada, era líder invicto e receberia o Racing, que desde 1976 não vencia os bosteros na Bombonera. Não só venceu como vazou também seis vezes as metas de Carlos Navarro Montoya, a mesma quantidade de gols que o Boca havia sofrido em todo o torneio até então. Também já contamos mais sobre aqueles 6-4 do Racing, ocorridos justamente no dia em que Mauricio Macri, atual presidente do país, elegera-se presidente dos auriazuis: clique aqui.

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Tristezas de 1995: Boca, de líder invicto na antepenúltima rodada, perdeu na penúltima as chances de título. E o Gimnasia perdeu em casa a chance de ser campeão

O Boca foi ultrapassado pelo Vélez (de… Carlos Bianchi) e, de líder invicto no início da antepenúltima rodada, de repente viu-se sem chances de título já na penúltima, ao ser derrotado outra vez enquanto o Vélez vencia novamente. Os velezanos, de fato, acabariam campeões. E venceriam também o torneio seguinte, mesmo com Bianchi despedindo-se com o Clausura em andamento para ir treinar a Roma (a competição seria pausada para as Olimpíadas de Atlanta e esticada até agosto). Foi exatamente por um ponto de vantagem sobre o Gimnasia, de volta ao páreo.

Mas se a disputa terminaria entre Vélez e Gimnasia, outros chegaram a liderar, como Lanús, que naquele ano venceria a Copa Conmebol, e até o Estudiantes. O Boca também deu essa impressão. Em relação ao elenco de 1995, as novidades principais eram o volante José Basualdo e duas figuras que reforçaram o gostinho gimnasista naquele 5 de maio de 1996: o técnico Carlos Bilardo e o meia Juan Sebastián Verón, ambos ligados ao Estudiantes. Em 1995, o técnico era Silvio Marzolini, ideia da diretoria em reviver parceria de sucesso que ele tivera treinando Maradona no título de 1981. Dessa vez, a parceria renovada era com o treinador da Copa do Mundo de 1986.

O Boca começou o torneio vencendo quatro das cinco primeiras partidas. Mas, com Maradona à volta com problemas físicos, perdeu ímpeto nas três partidas seguidas que fez sem ele, da 7ª à 10ª rodada. A 8ª foi aqueles 6-0 para um Gimnasia em ascensão: não havia vencido nas duas primeiras rodadas, mas triunfara em quatro das cinco seguintes. A partida marcaria o reencontro de Alberto Márcico com a massa xeneize. Beto havia sido ídolo no título de 1992 e acabara de deixar o Boca.

Márcico havia sido encostado com a chegada de Bilardo e em amistoso dessas reservas com o Gimnasia havia sido bem observado pelo técnico gimnasista, Carlos Griguol. Griguol era o técnico dos títulos do Ferro Carril Oeste, em 1982 (veja aqui) e 1984 (aqui), nos quais Márcico havia sido um estandarte, e logo o convidou para retomar a parceria: “‘quero que venhas, mas tens que baixar 6 quilos pelo menos’, me disse. E aí fui”, explicou o meia em entrevista dada em 2007 à El Gráfico.

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Os homens dos gols: José Albornoz, Guillermo Barros Schelotto (aniversariante na véspera!) e Alberto Márcico. À direita, Caniggia e o engravatado Bilardo cabisbaixos pelo papelão

O Boca vinha usando o estádio do Vélez e naquele 5 de maio a gestão de Macri reinauguraria a mítica Bombonera, agora com um setor VIP em uma das laterais do campo, a única não envolta pelos lances de arquibancada – aspecto que havia ensejado o apelido pela semelhança a uma caixa de bombons aberta. Cheio de pompa e circunstância, o templo xeneize ficou lotado para aquela tarde de sol. Plateia que via o Gimnasia abrir 2-0 em menos de quinze minutos. Detalhe curioso é que justamente na véspera os gêmeos Barros Schelotto, nascidos em 4 de maio de 1973, completavam 22 anos de idade, provavelmente comemorados de modo contido na concentração.

A festa de verdade aos irmãos Guillermo e Gustavo (hoje assistente técnico do Boca, em dupla com Guille) começaria logo aos 2 minutos de jogo. Gustavo foi justamente quem foi servido por Márcico no meio e então “o outro” Schelotto carregou, ganhando de Verón na corrida até entregar a José Albornoz – logo antes que o carrinho de Fabián Carrizo interceptasse. Pepe Albornoz, por sua vez lançou para Guillermo na ponta-esquerda. Sem muito ângulo e prensado, o ponta chutou fraco até. Mas Navarro Montoya deixou a bola escapulir. Aos treze, um contra-ataque iniciado com o lateral Guillermo Sanguinetti (que viria a ser quem mais vezes jogaria pelo Gimnasia) dando chapéu em Verón (!) acionou Guille e Albornoz pela lateral direita.

Guillermo Barros Schelotto se deslocou ao meio, livre recebeu do colega já na grande área e deu um toque sutil. Navarro Montoya novamente aceitou: sua luva esquerda espalmou mal e a bola lhe encobriu. Bilardo então arriscou: trocou o defensor Nelson Vivas por um atacante, o camaronês Alphonse Tchami. Não deu nada certo. Antes do fim do primeiro tempo, a sorte do Boca estava liquidada: mais dois gols, aos 39 e aos 44 minutos. No primeiro deles, Márcico recebeu de costas para o marcador Néstor Fabbri, deu um toque de craque para encobrir-lhe e puxou um contra-ataque.

El Beto atraiu Fabbri e outros dois auriazuis. Viu Albornoz livre pela direita e serviu-lhe antes de perder o equilíbrio. Um toque sutil de primeira da canhota de El Pepe fez curva fora do alcance de Navarro Montoya e pôs a bola no ângulo direito do pobre goleiro boquense. O outro, como a maioria dos anteriores, foi um contra-ataque. Fulminante. O Boca cobrava um escanteio e a bola chegou a ninguém menos que Verón. Êxtase alviazul: La Brujita escorregou e deixou a bola livre para Guillermo Larrosa entrega-la ao xará Guillermo Barros Schelotto. Guille avançou desde o próprio campo de defesa. Ao passar do meio-campo, a disputa era de dois contra dois antes do goleiro.

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Schelotto negociou com San Lorenzo e River em 1996. Mas em 1997 estreou com tudo no Boca: marcando o gol da vitória, no Newell’s (jogo histórico também por ter sido nele que Maradona fez seu último gol), sendo celebrado por Caniggia

Guillermo acreditou que passaria de Luis Medero na corrida e na entrada esquerda da grande área, na saída de Navarro Montoya, encobriu-lhe de canhota com muita classe. A bola ainda bateu na trave oposta antes de entrar. O atacante só conseguiu ajoelhar-se, benzer-se e curvar as costas para trás em perplexidade. Com favas contadas, o maestro Márcico foi substituído aos 12 minutos do segundo tempo. Mas não sem antes deixar o seu sexto gol em oito rodadas pelo Gimnasia, uma tremenda resposta a Bilardo (Beto ficaria em terceiro na artilharia).

Em outra trapalhada da defesa boquense, Carlos MacAllister bobeou ao receber a bola do goleiro, perdeu-a e Albornoz ficou livre com Navarro Montoya, que cometeu pênalti com seis minutos de segundo tempo. Na cobrança, o goleiro acertou o lado mas Márcico não lhe deu chances com um tiro de fuzil no canto direito. Não comemorou, voltou cabisbaixo a seu campo e foi ovacionado pelas duas torcidas, ouvindo a do Boca entoar mais uma vez o Olé Olé Olé Olé Betooo Betooo de outros tempos. “Estava feliz porque havíamos ficado líderes, nada em especial. (…) Eu não sou rancoroso, pelo menos nessas coisas”, relembrou naquela entrevista ele, que aos 36 anos chegou a ser convocado pela seleção, ainda que não tenha sido usado. Fabbri ainda foi expulso aos quinze minutos.

Faltando dez minutos para encerrar, Guillermo gingou contra Medero pela ponta-esquerda, levou a melhor e cruzou. Larrosa recebeu livre na área e soltou um petardo forte demais para Navarro Montoya segurar. Também livre na área, o reserva Mario Saccone (substituíra Albornoz aos 17 minutos da segunda etapa; Griguol dera-se ao luxo de substituir outra figura ofensiva também, Gustavo Barros Schelotto), da marca do pênalti, completou o massacre. “Nunca tive uma dor tão grande como esta, nem como jogador nem como técnico e nunca senti tanta vergonha no futebol”, resignou-se Bilardo. El Narigón não duraria aquele campeonato. O Gimnasia virou líder provisório e dali até o fim venceria, exceto três, todas as partidas, incluindo outro 6-0, no Racing.

Para o azar característico do lado azul de La Plata, essas três partidas cujos pontos fizeram falta foram na cidade. Perdeu em casa para o San Lorenzo, empatou nela com o concorrente Vélez (que marcou faltando sete minutos) e, justo na última rodada, ficou no 1-1 em visita ao rival Estudiantes. Aquela tarde memorável de vinte anos atrás ficou de consolação para o Lobo, cheio de boas equipes sem taças nos anos 90. Quem se alegraria dali para frente seria o Boca: seu atual técnico, ainda naquele 1996, chegou a vestir a camisa do San Lorenzo e a negociar também com o River. Mas em 1997 rumou à Casa Amarilla junto do gêmeo Gustavo, pedidos por ninguém menos que Maradona, para iniciarem gloriosa trajetória – de dez anos, no caso de Guillermo -, renovada, quem sabe, a partir de 2016. Antes, ainda em 1996, La Bombonera veria outro jogador marcar três vezes em um só jogo, mas favoráveis. Em algumas semanas, contaremos essa história.

Conheça outras glórias da complicada história do Gimnasia LP clicando aqui.

httpv://www.youtube.com/watch?v=F5AiJ4tdugc

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

2 thoughts on “Há 20 anos, o Boca levava de 6-0 do Gimnasia LP (!), três gols de Schelotto (!!), na inauguração do setor VIP da Bombonera (!!!)

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