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Gol antológico de Maradona poderia ter saído antes dos 55 minutos

Dizem que há três coisas na vida que você deve fazer antes de morrer: plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro. Destas, apenas escrevi um livro (ainda que um TCC) e plantei uma árvore quando criança. Até tenho um filho por criação, mas ainda falta o biológico. Nesta lista, acrescento outra coisa. Principalmente para os fãs de futebol. Assistir por completo a partida entre Argentina e Inglaterra de 1986.

Eu fiz isso pela primeira vez um dia antes deste duelo completar 30 anos. Ou seja: um dia antes desta matéria ser originalmente publicada. Quando aquele jogo aconteceu, eu já tinha nascido. Estava prestes a completar nove meses de idade. Sequer imaginava que futebol fosse tornar uma das coisas que me move nos dias atuais. E me arrependo por ter demorado esse período todo para ter visto esse jogo.

Não digo isso apenas por ser fã do futebol argentino e torcedor desta seleção que não ganha nada há 23 anos – título este que também não vi, por ser muito novo. Mas por todo contexto do jogo em si. História, guerra e uma pessoa determinada em fazer história: Diego Maradona. O que mais me espantou foi o segundo gol – algo que já tinha visto e me emocionado com diversas narrações – e como ele quis fazer isso desde o início do jogo.

Antes do gol antológico, Maradona arriscou em fazer aquele mesmo lance em outras oportunidades. Ou seja: longe de ser um gol de sorte, como muitos podem imaginar. Aos 31 minutos, El Pibe D’Oro passou por três defensores até ser derrubado por Steve Hodge. Na queda, acabou dando uma cabeçada em Kenny Sanson por conta do desequilíbrio. Se não fosse derrubado, poderia marcar aquele golaço ainda no primeiro tempo.

Em vários lances, era comum ver dois a cinco defensores marcando Diego. Eles sabiam que a estrela do Napoli poderia destoar no jogo. O camisa 10 teve três chances em cobrança de falta no primeiro tempo, as melhores oportunidades dos 45 minutos iniciais: duas delas desviando na defesa e uma que passou rente a trave.

“É um jogo que está mais fácil para a Argentina ganhar”. Foi o que disse César Luís Menotti na transmissão da Rede Globo, ao lado de Osmar Santos e de Zagallo. Ele não estava errado, pois os ingleses não sabiam o que fazer, a não ser marcar e tentar bolas alçadas na área de maneira desproporcional.

Passados seis minutos do segundo tempo. Maradona mostrou novamente que sabia driblar. Ele passou por três defensores até tentar o toque para Valdano, quase caindo. A zaga inglesa tirou mau. Diego viu Shilton sair desesperado do gol. Sabendo que perderia devido à altura, Diego também foi para bola dando um soco com a mão esquerda, rente a cabeça, que encobriu o goleiro. Ironicamente, após o soco no ar, Maradona ergueu o punho esquerdo. O mesmo que fez o gol.

Os ingleses, desesperados, foram ao ataque. Sentiram o baque. Iam desordenados, com o típico chuveirinho inglês da década de 1980. Zagallo reclamava do gol de mão, dizendo que “cego não pode apitar jogo”. Menotti apenas concordava com o gol irregular e Osmar Santos, com sua sinceridade, soltou: “Queria que o Brasil tivesse ganho com o um gol de mão e estaríamos mais felizes hoje”, em referência a eliminação um dia antes para a França.

Logo em seguida, enfim, a antológia. Os ingleses reclamavam de falta no meio campo em Lineker e o árbitro tunisiano mandava seguir. Maradona recebeu um passe no meio campo e saiu de Reid e Beardsley. Até ali, normal. Beardsley, que acompanhava a meio metro, viu o drible em Butcher. Dali, ele desacelerou a passada, parecendo entregue. Maradona era só velocidade. Parecia Senna, que no mesmo momento vencia o GP de Detroit. Quando passou por Fenwick e Shilton, o mesmo Butcher que havia tomado um drible desconcertante, ainda deu um carrinho que até acertou Maradona. Mas em vão. Enquanto Maradona corria para a bandeirinha comemorar o segundo gol argentino, o inglês esmurrava os joelhos como se quisesse dizer: ‘eu tinha que ter mais velocidade’.

Após o gol, as câmeras mostraram Bilardo pedindo o time recuar. Maradona ainda chegou a sofrer uma pancada de Fenwick na cabeça, o que deixou a Argentina com um a menos por alguns minutos. Com uma postura defensiva (até covarde, diria), os Hermanos davam espaço para que a Inglaterra pudesse chegar ao seu gol.

A covardia argentina deu o gol aos ingleses. John Barnes, que acabara de entrar, levantou para área e encontrou o artilheiro Lineker, fazendo com que a premissa do atacante valesse. Até porque foi praticamente o primeiro toque na bola do inglês no jogo todo e que resultou no gol. Desta vez não deu para Ruggeri.

Isso acendeu os argentinos. Na saída de bola, Maradona fez um drible que muitos hoje em dia denominam como ‘a la  Zidade’. Mágico. Ele tocou para Tapia, que deu um corte nos duros defensores ingleses e arrematou na trave. O recado foi dado de que a Argentina poderia ter goleado os rivais se não tivesse recuado.

É bem verdade que aos 43 minutos, por muito pouco Barnes não repetiu o lance de minutos atrás. O cruzamento preciso para Lineker, que subiu no meio de dois argentinos. O gol aberto e um cabeceio quase certeiro. Se não fosse a bola na nuca de Olarticoechea, o jogo estava empatado e a história seria outra. “Nos últimos dez minutos, Argentina jogou como Inglaterra e a Inglaterra como a Argentina”, dizia Menotti ao fim do confronto.

A Argentina desengasgava. Não só no âmbito das Malvinas, como também no que se referia a Copa do Mundo. Antes da partida do dia 22 de junho de 1986, os ingleses haviam vencido os dois únicos jogos diante da Argentina: 3×1 na Copa de 1962, resultado que ajudou eliminar os Hermanos da segunda fase da competição e de um possível duelo com o Brasil nas quartas de final; e o 1×0 na Copa do Mundo de 1966, no jogo que ficou conhecido pela expulsão de Antonio Rattín por não entender o que o árbitro alemão Rudolf Kreitlein falava.

Maradona mostrou naquele jogo o porquê de ser mencionado como um dos melhores de todos os tempos. Marcou os quatro gols das quartas e semifinais. Pode não ser o maior da história. Pode não ser o melhor ser humano. Mas fez o gol mais bonito da história das Copas do Mundo, gol esse que poderia ter saído antes dos 55 minutos de jogo. E ele mesmo provou isso durante a partida.

Não assistiu ao jogo? Aqui está o link com a transmissão completa:

Thiago Henrique de Morais

Fundador do site Futebol Portenho em 2009, se formou em jornalismo em 2007, mas trabalha na área desde 2004. Cobriu pelo Futebol Portenho as Eliminatórias 2010 e 2014, a Copa América 2011 e foi o responsável pela cobertura da Copa do Mundo de 2014

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