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Maradona nunca jogou a Libertadores. Mas seus dois irmãos, sim, há 30 anos!

Torneio clubístico dos mais valiosos aos argentinos, a Libertadores nunca contou sequer com uma participação do ícone máximo do futebol hermano. Seja (ainda…) Lionel Messi, seja Diego Armando Maradona. O mais incrível é que o sobrenome Maradona não deixou de entrar sim em campo por La Copa. Foi por três vezes, mas envergado por dois irmãos de Dieguito. Não por acaso, ambos na edição de 1986, após El Diez ter virado Dios na Copa do Mundo. Hora de relembrar Hugo e Raúl.

Antes, vale explicar como Maradona nunca jogou a competição. Até o fim dos anos 90, a Libertadores contava com apenas dois representantes de cada federação da Conmebol, excetuando a vaga do campeão vigente. Quando Diego esteve no futebol argentino, de 1976 ao início de 1982 e de 1993 a 1997, as duas vagas eram destinadas na Argentina somente aos campeões dos dois torneios anuais: Metropolitano e Nacional nos anos 70 e 80, Apertura e Clausura nos anos 90.

Vices só tinham vez nas raríssimas vezes em que um time ganhava os dois campeonatos na mesma temporada, ocasião em que os segundos colocados de cada torneio travavam um tira-teima pela outra vaga. Enquanto esteve no Argentinos Jrs, Maradona foi nada menos que cinco vezes artilheiro entre seis campeonatos argentinos travados de 1978 a 1980. Tudo com menos de vinte anos de idade. Mas, por mais fenomenal que fosse, era uma andorinha só. A equipe do bairro de La Paternal chegou no máximo a um vice, em 1980, ano em que as vagas foram dos campeões River e Rosario Central.

Em 1981, Maradona chegou ao Boca e enfim foi campeão, conforme detalhamos no mês passado, quando a conquista fez 35 anos: clique aqui. Em 1982, a Libertadores teve um calendário irregular, com alguns grupos tendo jogos a partir de março e outros só a partir de julho, caso da chave que contou com os auriazuis – Dieguito, porém, já estava no Barcelona. Mesmo que o Boca atuasse na Libertadores de 1982 ainda no primeiro semestre, vale dizer que ainda assim o craque também não participaria: César Menotti promoveu uma longa concentração, com os convocados à Copa dedicando-se exclusivamente à Albiceleste desde fevereiro. Essa fórmula havia dado certo em 1978.

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Um momento “empolgou” da imprensa argentina: estreia de Hugo no Argentinos Jrs

Maradona chegou ao Newell’s em 1993 já após o fim da Libertadores daquele ano e deixou os rubronegros ainda em janeiro de 1994. Voltou ao Boca em meados de 1995, acompanhado por Caniggia. O clube ainda vivia reflexos da crise econômica causada pela ditadura, crise agravada pelo uso do dólar na transferência de Dieguito em 1981 (a moeda ianque se valorizou em 240%). Quase fora rebaixado em 1984 e desde então foi campeão argentino só mais uma vez, em 1992, após o mais longo jejum nacional de sua história. Contamos isso diversas vezes, assim como as frustrações do retorno maradoniano: na temporada 1995-96, o Boca perdeu na reta final os dois campeonatos – saiba mais.

No Apertura, os xeneizes, de líderes invictos antes da antepenúltima rodada, ficaram sem chances de título ao fim da penúltima, após perderem ambas e serem ultrapassados pelo Vélez. No Clausura, estavam só um ponto atrás do mesmo Vélez faltando nove pontos em disputa, dos quais Dieguito e colegas só somaram um. O Vélez venceu os dois campeonatos, mas nem em vice o Boca havia chegado e assim a outra vaga na Libertadores de 1997 foi decidida entre o Racing de Claudio López e Marcelo Delgado e o Gimnasia LP dos gêmeos Guillermo e Gustavo Barros Schelotto. Por sinal, ambos os times haviam sapecado seis gols em plena Bombonera: 6-4 para a Academia naquela antepenúltima rodada do Apertura, 6-0 para o Lobo (com três do futuro ídolo Guille Schelotto!) no Clausura.

Maradona sofreu com aquela derrapada no Clausura 1996, torneio no qual perdeu nada menos que seis pênaltis seguidos. Decidiu dar um tempo para voltar a tratar-se contra a cocaína, acertando só em meados de 1997 seu retorno ao Boca e ao futebol. Caniggia, que também tirara por razões trágicas um ano sabático (sua mãe suicidou-se em setembro de 1996), também voltou. Sem eles, o Boca havia sido só 10º e 9º no Apertura e Clausura na temporada 1996-97. Com eles de volta reforçados pelos gêmeos Schelotto, por Palermo (trio contratado a pedido de Diego) e pelo ascendente Riquelme, os auriazuis fizeram grande campanha no Apertura da temporada 1997-98.

Contamos aqui como foi aquele campeonato histórico. Na era dos torneios curtos, de turno único, só sete campeões conseguiram campanhas com pontuação superior à daquele Boca, 44 pontos. Para o azar dos auriazuis, um deles foi justamente o River daquele torneio. O rival somou um ponto a mais embora tenha perdido em casa, de virada, o Superclásico. Que é um capítulo à parte por ter sido justamente o último jogo de Maradona, embora não se soubesse disso na época: veja.

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Pelé não é o único a errar nas profecias. Mas Hugo parecia mesmo promissor: fez dois gols sobre o Brasil nessa final do Sul-Americano sub-17 de 1985

Aliás, o único jogo em torneios da Conmebol travado por Diego foi a partida anterior a esta: derrota de 2-1 para o Colo-Colo pela Supercopa, ironicamente um torneio (extinto naquele ano) disputado pelos campeões da Libertadores (a edição 1996 foi disputada com ele ausente do futebol e na de 1995 o Boca foi eliminado antes da suspensão do doping na Copa de 1994 acabar). Ele anunciou a aposentadoria dias depois daquele Boca x River, consternado após a imprensa ter divulgado a notícia falsa da morte de seu pai, também chamado Diego Maradona. Ainda havia metade do campeonato pela frente e é de se imaginar como poderia ter sido com Dieguito presente (o torneio foi histórico por marcar a aposentadoria também de Enzo Francescoli).

O outro campeão da temporada 1997-98 foi o Vélez, vencedor do Clausura, e assim o Boca seguiu de fora da Libertadores para a edição de 1999. Agonias e agonias que os torcedores veriam ser recompensadas em série a partir de 2000.

Falemos agora dos outros dois filhos de Don Diego Maradona, como era conhecido o pai de El Diez: dos varões, o do meio era Raúl Alfredo. Hugo Hernán era o caçula. Chegaram a jogar no futebol europeu, para onde migraram em 1987 (Hugo ao Ascoli, Raúl ao Granada, que promoveu amistoso onde reuniu na equipe os outros dois irmãos contra o Malmö de Martin Dahlin) após cada um ter surgido em um clube maradoniano: Hugo no Argentinos Jrs e Raúl, no Boca. Embora mais jovem, Hugo, apelidado de El Turco, estreou profissionalmente primeiro.

Assim como o irmão famoso, Hugo debutou ainda aos 16 anos. Foi em 1985, ano mais mágico da história do Argentinos Jrs, campeão nacional, da Libertadores e que ficou a sete minutos de vencer a Juventus no Mundial. Na maratona de jogos da Libertadores, no segundo semestre, o time poupava titulares no campeonato da temporada 1985-86, onde promovia juvenis – outros que estrearam profissionalmente assim foram Carlos MacAllister, Fernando Cáceres e Fernando Redondo.

Hugo Maradona não jogou a Libertadores de 1985 e embora, seja justo dizer, já viesse de brilho nas seleções juvenis (fez dois gols na vitória de 3-2 sobre o Brasil na final do Sul-Americano sub-17, em abril daquele 1985), não encontrava espaço em um verdadeiro timaço que o Argentinos Jrs tinha na época. Já Raúl, El Lalo, estreou no time adulto do Boca em 6 de julho de 1986, em amistoso contra o Rosario Central exatamente uma semana depois de Diego ter vencido a Copa do Mundo. Jogaria só mais quatro vezes: duas pelo início do campeonato de 1986-87, outra pela Libertadores de 1986 e um amistoso em 1987.

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À esquerda, Hugo no Argentinos Jrs e no Rayo Vallecano (Espanha). À direita, Raúl no Boca e no Deportivo Municipal (Peru). Curioso: ambos vestiram diagonal vermelha…

O jogo de Raúl Maradona pela Libertadores, em 20 de agosto, foi o primeiro a ter um Maradona no torneio. Justamente contra o River, no Monumental. El Lalo entrou aos 27 minutos do segundo tempo no lugar de Claudio Dykstra e não impediu a derrota por 1-0. O Boca cairia na primeira fase e o rival avançou ao triangular-semifinal, onde teria pela frente aquele fortíssimo Argentinos Jrs. A princípio, o River começou bem: arrancou um 0-0 fora de casa contra o vizinho e goleou o Barcelona de Guayaquil tanto no Equador (3-0) como no Monumental (4-1). Como os equatorianos haviam derrotado o Argentinos, bastava ao Millo empatar contra ele em casa. Mas levou de 2-0 daquele timaço.

Restava ao River secar o compromisso final do Argentinos, o jogo de volta dele contra o Barcelona em Buenos Aires, realizado há exatos trinta anos, em 30 de setembro de 1986. Foi nele, realizado no estádio do Vélez, que Hugo Maradona estreou na Libertadores. Entrou aos 15 minutos do segundo tempo no lugar de Armando Martínez, com a partida ainda em 0-0. O gol da sobrevida veio nos últimos 15 minutos, da estrela-mor Claudio Borghi, único capaz de rivalizar em idolatria com Diego Maradona no clube (só Borghi esteve em todos os títulos expressivos do Argentinos: Metropolitano 1984, Nacional 1985, Libertadores 1985 e, como técnico, o Clausura 2010).

River e Argentinos Jrs terminaram igualados na liderança do triangular. O Millo tinha saldo melhor, mas o regulamento previa jogo-desempate. Se ao fim dos 90 minutos e de prorrogação a igualdade persistisse, aí sim o saldo prevaleceria a favor da equipe de Núñez. Esse jogo, em 3 de outubro, igualmente no estádio do Vélez, também teve Hugo Maradona. Dessa vez, apostado como titular. Mas craque, a família só tinha mesmo um: El Turco foi substituído ainda no intervalo. O River segurou a duras penas o 0-0. E adiante seria, pela primeira vez, campeão da Libertadores (e do Mundial), por sinal em véspera de aniversário de Dieguito e treinado pelo mesmo técnico daquele belo Boca de 1997 (Héctor Veira). Em alto estilo, de certa forma: deixando para trás dois Maradonas…

Epílogo: além do amistoso do Granada em 1987, os três Maradonas chegaram a defender juntos a seleção argentina – foi em amistoso beneficente contra o Ternana, em 22 de maio de 1989, com Raúl já sendo jogador do ainda incipiente futebol japonês amador, no Avispa Fukuoka, e com Hugo pertencendo ao Rayo Vallecano. Diego marcou duas vezes no 7-2 na única vez que El Turco defendeu a equipe principal da Argentina (que jogou toda de celeste naquele curioso momento), assim como El Lalo.

Hugo, Ruggeri, Pumpido, Burruchaga, Brown e Diego; Caniggia, Troglio, Pasculli, Raúl e Calderón no jogo beneficente de 1989

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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