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40 anos da estreia profissional de Diego Armando Maradona, aos 15 anos de idade

O talento já era conhecido demais para ficar restrito às canteras do modesto Argentinos Jrs. Faltando dez dias para seu 16º aniversário, Diego Armando Maradona foi presenteado com a estreia em um jogo adulto de futebol ao entrar no segundo tempo, na única data festiva que os argentinos registram do tenebroso 1976. O clube já perdia e terminou mesmo derrotado em casa, mas o adolescente soube se deixar notar naqueles 1-0 contra um dos melhores elencos que o esporte argentino desfrutava naqueles tempos, o do Talleres de Córdoba. Clube com o qual teve curiosas ligações.

O jogo em si, pelos relatos da época, foi aquém das expectativas. Foi pelo campeonato nacional de 1976, iniciado no mês anterior e dividido entre diversas chaves. Na sua, o grupo B, o Argentinos Jrs era o segundo colocado. Diego só não havia estreado desde o início porque estava suspenso em função de uma expulsão por zombar do árbitro em uma partida juvenil. O Talleres, por sua vez, vinha de três vitórias seguidas após ter iniciado o campeonato justamente com três derrotas e chegava perto. Cada um teve um tempo em que foi melhor, e La T, no primeiro, pôde aproveitar-se enquanto não enfrentava ainda Dieguito.

O gol saiu aos 32 minutos de jogo. Os cordobeses vinham impondo mais pressão, ainda que fossem preciosistas demais, sem chegar a chances mais claras. Foi como estaria jogando o habilidoso meia José Daniel Valencia, meio-campista de seleção que seria titular da Argentina no início da Copa de 1978, na qual roubaria justamente uma das vagas de meia-armador que poderiam ter sido de Maradona…

Valencia compunha o meio tallarin com Juan Domingo Cabrera e Luis Ludueña, que trataram de protagonizar a jogada do gol. Cabrera entregou a bola ao ponta Ángel Bocanelli, que cruzou. Humberto Bravo iludiu a zaga vermelha, deixando a bola passar para Ludueña (qu terminaria artilheiro do campeonato) empurrar para as redes. Bravo, por sua vez, ficaria famoso no exterior justamente por acompanhar Maradona como um dos últimos três cortados (o outro foi Víctor Bottaniz, zagueiro do Unión) por César Luis Menotti na preparação para a Copa de 1978.

O Argentinos teve suas chances e estaria merecendo o empate, incluindo um chute de Humberto Minutti na trave. O técnico Juan Carlos Montes então apostou em Maradona: “neném, te animas?”. “Sim”, foi a resposta. “Bom, entre, jogue e na primeira bola que agarres, dê uma caneta”. Na época, a numeração dos titulares era necessariamente de 1 a 11. Assim, ele, saindo do banco para o lugar de Rubén Giacobetti no intervalo, ainda não foi El Diez, vestindo então uma camisa estranha: por lembrar um uniforme invertido do River (nas cores e na trajetória da faixa diagonal) e pelo número nas costas ser o 16, idade que completaria em breve.

A caneta no artilheiro Ludueña
A caneta em Cabrera

Giacobetti tinha 19 anos e não ficou exatamente satisfeito em deixar a partida, sentimento alterado conforme entrevista ao site do Argentinos Jrs: “saí porque não vinha me desempenhando bem porque estava jogando em um posto que não era o meu, estava de volante pela esquerda, e era meia central. Agora, com o correr do tempo, sinto um orgulho enorme de ter ficado na história por ter sido o substituído. Ter jogado ao lado de um dos maiores é algo histórico para mim. Em pouco tempo fui jogar nos EUA por ter isso no currículo, me ajudou muitíssimo na carreira”.

Já sobre o substituto, assim relatou na época o Clarín: “deu maior mobilidade ao ataque, mas não foi a solução para selar na vala cordobesa essa maior posse de bola. Porque Maradona – um grande habilidoso – não teve com quem tocar. Suas intenções geralmente terminaram chocando contra a férrea marcação do Talleres, que em toda a segunda etapa se dedicou a contra-atacar”. A grande jogada de Maradona foi justamente uma caneta, em Cabrera, conforme as ordens de Montes. Ainda assim, o ataque dos bichos colorados no segundo tempo foi descrito pelo jornal como “estéril” e as conclusões do Talleres, como “débeis”.

“Todo mundo se aproximou no vestiário para felicitá-lo, especialmente as pessoas dos juvenis. Para elas, era um triunfo que um dos garotos estreasse nessa idade. Diego pôs uma cara de felicidade que não me esquecerei. Todos lhes dissemos que a derrota não importava”, relatou o volante Miguel Gette. Com o resultado, o Argentinos Jrs estacionou na segunda colocação, com 9 pontos, um atrás dos líderes Newell’s e Ferro Carril Oeste. O Talleres alcançava os 8 pontos. E manteria a arrancada, só deixando de vencer duas vezes, ambas por empate, nos onze jogos restantes, incluindo um 2-0 sobre o Newell’s dentro de Rosario e um 5-0 no próprio Argentinos Jrs, no returno.

La T terminaria líder empatada com o Newell’s, mas o regulamento duríssimo só permitia que o líder avançasse aos mata-matas. Melhor para quem bateu Maradona em sua estreia: os alviazuis venceram o tira-teima com os rosarinos e só parariam nas semifinais, contra o River – e para a Copa de 1978, só o próprio River forneceria mais jogadores à seleção. E Maradona? Ele seria titular já na rodada seguinte, contra o Newell’s, enfim usando a 10. Mas ainda não a tomara definitivamente, saindo ao fim do primeiro tempo em nova derrota (4-2) e aguentando a reserva por mais alguns jogos.

Teria de esperar cerca de três semanas para enfim registrar seu primeiro gol, em 14 de novembro. E também o segundo: faria dois em um 5-2 fora de casa no San Lorenzo de Mar del Plata (curiosamente, seria também o mesmo adversário do centésimo gol, já em 1980), time que contava com Norberto Eresuma, artilheiro daquele campeonato ao lado de Ludueña. Foram os dois únicos gols maradonianos naquele certame, mas ainda assim o craque estrearia pela seleção já em fevereiro de 1977. E isso que o homem-gol do Argentinos Jrs ainda era Carlos Álvarez (artilheiro do campeonato seguinte, o Metropolitano de 1977)…

maradona76-4
Talleres teria tentado contratar Maradona em 1980, mas o craque parou mesmo no Boca – pelo qual também estreou oficialmente, marcando gol, contra a equipe cordobesa

A fera enfim se soltaria justamente após o decepcionante corte em 1978. Enquanto a seleção jogava a Copa, desenrolava-se o campeonato metropolitano, vencido pela surpresa Quilmes enquanto as forças tradicionais estavam enfraquecidas com seus astros cedidos à Albiceleste. Mesmo não jogando inteiramente aquele torneio, Maradona, a meses de completar 18 anos, conseguiria sua primeira artilharia. Depois, viriam outras tanto no Metropolitano como do Nacional em 1979 e 1980.

Em 1980, Diego já era especulado pelo Barcelona. Mas um clube argentino teria oferecido proposta ainda maior ao Argentinos Jrs: justamente o Talleres, que vivia seu auge – La T havia sido vice nacional em 1977 e exatamente em 1980 a equipe de Córdoba fora “promovida” com um lugar no Torneio Metropolitano, certame mais valorizado e “privativo” de clubes da Grande Buenos Aires, La Plata, Rosario e Santa Fe. O Argentinos Jrs, por sua vez, também mudava de patamar.

Nessa edição de 1980 do Torneio Metropolitano, Maradona levara quase nas costas o Argentinos ao lugar mais alto do pódio já vivido até então pelo time, o vice – tanto que, sem ele, o elenco despencaria para antepenúltimo e quase rebaixado no ano seguinte (assim como havia lutado contra o rebaixamento também no último torneio sem ter Diego, o Metropolitano de 1976). O terceiro colocado em 1980 havia sido exatamente o Talleres, um ponto atrás de Diego e colegas. Mas o craque pararia mesmo no Boca.

Após um amistoso entre os auriazuis e o Argentinos Jrs no qual atuou um tempo por cada para simbolizar a transferência (falamos aqui), Maradona, dois dias depois, estreou oficialmente com a camisa do coração diante do… Talleres. Dessa vez, vencendo e marcando gol para começar a campanha do título, o qual retratamos aqui. Mas ao menos uma vez Diego suou pelo manto tallarin. Foi em 12 de novembro de 2000, em amistoso em homenagem justamente a José Daniel Valencia, com quem mantinha boa relação apesar da concorrência. El Diez atuou um tempo pelos alviazuis e no outro pela equipe adversária, um mistão de campeões mundiais pela seleção, deixando o seu gol pelos alvicelestes na derrota por 3-2.

Abaixo, as escalações de quarenta anos atrás. No time do Argentinos, destaque a Fren, posteriormente assistente técnico de Maradona no Mandiyú e no Racing. O do Talleres, treinado pelo ex-atacante botafoguense Rubén Bravo, tinha três campeões da Copa 1978: Galván, Valencia e Oviedo.

ARGENTINOS JRS: Carlos Munutti; Alfonso Roma, Ricardo Pellerano, Miguel Gette, Humberto Minutti; Carlos Fren, Rubén Giacobetti (Diego Maradona 1/2º), Mateo Di Donato; Jorge López, Carlos Álvarez e Sebastián Ovelar (Ibrahim Hallar 26/2º). T: Juan Carlos Montes. TALLERES: Oscar Quiroga; Victorio Ocaño, Luis Galván, Miguel Oviedo, José Avellaneda; Juan Cabrera, Luis Ludueña, José Valencia; Ángel Bocanelli, Humberto Bravo (Víctor Bonello 1/2º) e Ricardo Cherini. Árbitro: Roberto Maino.

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Em outro encontro com o Talleres, do concorrente e amigo Valencia (que “roubou-lhe” vaga na Copa de 1978). Ao lado, eles no amistoso em 2000 que celebrou Valencia, no qual Diego jogou um tempo por “La T”

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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