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Nos 70 anos do clássico de Gênova, relembre os argentinos de Genoa e Sampdoria

Apesar da carência moderna de glórias, Gênova tem grande importância ao futebol. Foi berço não só da primeira potência italiana do esporte, o Genoa, mas também de muitos emigrantes ao bairro de La Boca, em Buenos Aires, no qual foram fundados nada menos que a dupla Boca e River. O apelido auriazul xeneize deriva de zeneise, que significa justamente “genovês” no dialeto de Gênova (nele chamada de Zena). Já as cores branca e vermelha do River estão na bandeira da cidade-natal de Colombo, denominado no mundo hispânico como Colón – nome do principal teatro argentino e de um dos clubes mais proeminentes de Santa Fe. Nesse 3 de novembro, o Derby della Lanterna entre Genoa e Sampdoria faz 70 anos e relembraremos seus argentinos.

A conexão Gênova-La Boca se materializou no futebol já nos primórdios do século XX. O River foi oficialmente fundado em 1901 (há evidências fortes de que isso ocorreu em 1904) e o Boca, em 1905. Francisco Priano jogou pelos dois nesses inícios e provavelmente se chamava originalmente Francesco, pois era genovês de nascimento. Equanto seu irmão Juan foi precisamente o primeiro sócio não-fundador do Boca, Francisco esteve no título do River na segundona de 1908, alçando-o pela primeira vez à elite: veja aqui. Posteriormente, retornou à terra natal e jogou pelo Andrea Doria. Este clube, ao fundir-se com a Sampierdarenese em 1946, deu origem à Sampdoria.

O Genoa, por sua vez, existe desde 1893. Conquistou seus nove títulos italianos (recorde até a Juventus ultrapassá-lo em 1960) antes do modelo nacional em pontos corridos adotado nos anos 30. Seu primeiro argentino apareceu em 1915: Rómulo Boglietti, que iniciara a carreira já no futebol italiano. Os seguintes viriam somente na temporada 1930-31, em um pacotão que incluía ninguém menos que Guillermo Stábile, o artilheiro da primeira Copa do Mundo. Além dele, vieram Rodolfo Orlandini, colega dele na Copa, e Juan Pratto e Alejandro Giglio, ex-colegas dele no Huracán.

Stábile teve estreia sensacional pelo Genova (o nome inglês “Genoa” teve que ser nacionalizado durante o fascismo) ao marcar três gols em meia hora contra o Bologna, mas teve a carreira atrofiada por duas fraturas e não devolveu os rossoblù aos títulos. No início dos anos 30, também apareceram brevemente Juan Spósito (outro ex-Huracán) e Antonio Ganduglia, ex-River. Orlandini, o mais longevo dos reforços, e Spósito, inclusive, marcaram gols nos primeiros clássicos genoveses na Serie A, ainda contra a Sampierdarenese, na temporada 1935-36: 2-1 e 3-0.

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Os artilheiros Stábile, Verdeal e Boyé, pelo Genoa

O Genoa continuava com uma larga comunidade argentina na ocasião, abrigando Mario Evaristo (também da Copa de 1930), Franco Ponzonibio, Ángel Capuano (ambos ex-Estudiantes; Capuano depois jogaria por Fluminense e Santos) e até Julio Libonatti, o primeiro jogador que o futebol europeu importou de um clube sul-americano: herói da primeira conquista argentina na Copa América, em 1921, Libonatti havia se transformado em um goleador no primeiro título italiano do Torino. Mas apenas Ponzonibio permanecera para a temporada 1936-37, na qual o clube venceu a Copa da Itália, único troféu rossoblù no torneio – e último título nacional desconsiderando-se segundas divisões.

Era comum na época jogadores argentinos de origem italiana debandarem da Itália, temerosos de convocações ao exército – as tropas de Mussolini foram convocadas para invadirem a Etiópia em 1935. Em 1939, o Genoa ainda teve Tomás Garibaldi, ex-Boca. Já Pedro Pompei, ex-Racing e Lanús, figurava no Liguria, nome da Sampierdarenese na época. Mas só após a Segunda Guerra é que hermanos voltariam a chegar em boa escala a Gênova. Juan Carlos Verdeal, ex-Estudiantes e Fluminense, chegou em 1946 e marcou um dos gols da primeira vitória genoana sobre a nova rival Sampdoria, em 1947.

Verdeal passou quatro temporadas com bons números para o defensivo futebol italiano (31 gols em 98 jogos). Dentre os colegas que teve, José Macrí (ex-Ypiranga paulista) e três fugazes para a temporada 1949-50: Mario Boyé, ex-Boca e nome recorrente da seleção, apelidado de El Atómico pelas bombas; e dois campeões no San Lorenzo em 1946, Roberto Alarcón e Roberto Aballay. Vieram no contexto pós-greve de 1948, que havia feito muitas estrelas rumarem ao exterior, notadamente o Eldorado Colombiano, caso de Alfredo Di Stéfano. Boyé fez 12 gols em só 18 jogos no Grifone, mas razões familiares o fizeram voltar à Argentina, onde manteria no Racing o brilho. Alarcón, Aballay e Verdeal rumaram ao futebol francês. Sem eles, o time foi rebaixado em 1951.

A nascente Sampdoria, por sua vez, contratou para a temporada 1947-48 seus primeiros argentinos: Carlos Bello (dos juvenis do Boca), Juan Calichio (ex-El Porvenir, da segunda divisão) e Oscar Garro (ex-Tigre). Nenhum vingou, ao contrário dos seguintes: ex-reserva no River, José Curti teve passagem rápida mas marcou dois gols em um 5-1 em 1948, até hoje a maior goleada do Derby della Lanterna. Outro ex-reserva no River, Mario Sabbatella também anotou duas vezes no clássico, em um 1-1 em 1950 e um 3-2 em 1951. Ele, por sua vez, ficaria cinco anos nos blucerchiati. Era comum a negociação de reservas de origem italiana na época, em que clubes sul-americanos tinham condições financeiras e amarras legais mais fortes para segurar seus principais nomes.

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Curti, Sabbatella e Cucchiaroni fizeram cada um dois gols pela Sampdoria no clássico

Outro razoavelmente longevo pela Samp foi Juan Carlos Lorenzo, por sua vez ex-reserva do Boca. Ficou de 1948 a 1952, somando bons 19 gols em 77 jogos. Futuramente, seria técnico da Argentina nas Copas de 1962 e 1966 e dos primeiros dois títulos do Boca na Libertadores, em 1977-78. Humberto Rosa foi um meia de dez gols em 48 jogos de meados dos anos 50. Já Ernesto Cucchiaroni, ex-Boca e seleção, veio em 1958 com o renome de ter sido vice-campeão da Liga dos Campeões pelo Milan (com gol na final contra o Real Madrid de Di Stéfano).

Tito Cucchiaroni continuou brilhando em Gênova, com 40 gols que fazem dele o maior artilheiro estrangeiro da Sampdoria. Com ele, o time chegou a um 4º lugar em 1961, melhor colocação doriana até o único título italiano, em 1991. O argentino viraria nome de torcida organizada do clube e só não jogou Copa do Mundo pois até os anos 70 a Albiceleste não usava quem jogasse no exterior. No clássico, o carequinha marcou dois, ambos na vitória por 2-1 logo em seu primeiro dérbi, ainda em 1958. Seriam os últimos gols argentinos no século XX no encontro…

Em 1966, o insucesso italiano na Copa do Mundo fez com que o calcio restringisse novos estrangeiros por uma década e meia. Em Gênova, as últimas novidades argentinas até os anos 90 foram Salvador Cavanese (1959, ex-Ferro Carril Oeste) e Marcos Locatelli (1963, ex-Independiente e Torino) no Genoa; e Francisco Loiácono (ex-seleções argentina e italiana, ídolo por Gimnasia LP, Fiorentina e Roma) e Luis César Carniglia (de carreira na Itália) na Sampdoria, onde chegaram em 1964. Nenhum vingou. Dante Mírcoli, autor do gol do título do Independiente na Libertadores de 1973, “furou” o bloqueio por ser nascido em Roma. Emigrado jovem à Argentina, ele esteve rapidamente na Samp posteriormente.

Quando o mercado reabriu, o Genoa preferiu preencher as restritas vagas de estrangeiros com uruguaios (José Perdomo, Carlos Aguilera, Rubén Paz, Enzo Francescoli) e o rival, com britânicos (Trevor Francis, Graeme Souness, David Platt). Em 1996, a dupla redescobriu argentinos: os rossoblù apostaram no obscuro Adrián Ricchiuti, que nunca jogou na Argentina, enquanto os blucerchiati se deslumbraram com Juan Sebastián Verón por duas temporadas. Em 1997, Ariel López, do Lanús campeão da Copa Conmebol, e Ángel Morales, do Independiente quase campeão argentino, passaram rapidamente por Genoa e Samp, respectivamente.

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Verón, Ortega, Boselli e Palacio jogaram pela seleção vindos de Gênova

Verón foi vendido ao super Parma em 1998. Mesmo substituindo-o por ninguém menos que Ariel Ortega (e o obscuro Gastón Córdoba), a Sampdoria terminou rebaixada e só voltaria a ter um argentino em 2007, o defensor Hugo Campagnaro, de longa estadia italiana do Piacenza. O Genoa também oscilou pelas divisões inferiores. Teve em 2001 Sebastián Cubelli e em 2004 recebeu a joia Diego Milito, que deslanchava no Racing. Com 21 gols de Milito, o Genoa venceu a segundona, mas o time foi rebaixado nos tribunais para a terceira divisão. El Príncipe foi então jogar no Real Zaragoza.

Em 2007, o Derby della Lanterna enfim foi revivido na Serie A pela primeira vez desde 1995. Milito voltaria ao Genoa para outra grande temporada individual, acumulando quatro gols no clássico. Primeiro, o único de um 1-0 em 2008. Depois, todos os tentos rossoblù nos 3-1 em 2009. Foi um clássico genovês histórico, pela única vez em que um jogador marcou três vezes e pela quantidade de gols estrangeiros: o outro, do rival, foi justamente de Campagnaro. Com apenas duas temporadas, Milito reuniu gols suficientes para estar entre os dez maiores artilheiros genoanos; dentre os estrangeiros, tem só oito gols a menos que o tcheco Tomáš Skuhravý, que atuou por seis anos no clube.

Aquela segunda estadia em Gênova bastou para que Milito, primeiro jogador que a seleção argentina importou do Genoa, virasse o terceiro maior goleador da rivalidade genovesa. Com aqueles e outros gols dele, seu clube chegou à 5ª colocação, seu lugar mais alto desde a festejada campanha de 1991 (ofuscada pelo título ter ficado justo com a Samp). O clube sorriria também no segundo clássico de 2011, um 2-1 com Mauro Boselli marcando o gol da vitória aos 52 minutos do segundo tempo, resultado decisivo para o rival ser adiante rebaixado.

A Sampdoria logo voltou à elite. E foram dela os gols argentinos seguintes na rivalidade, os dois últimos: de ninguém menos que os “rivais” Mauro Icardi, em 2012 (vitória doriana por 3-1), e Maxi López, em 2014 (1-0). Os dois clubes genoveses tiveram grande número de argentinos no último decênio, os mais conhecidos sendo Hernán Crespo, Lucas Pratto e Nicolás Burdisso pelos rossoblù e Gonzalo Bergessio e Ricky Álvarez pelos blucerchiati. Mas depois de Verón e Ortega, só o goleiro Sergio Romero jogou pela Argentina vindo da Samp, mesmo na segundona em 2011-12. Depois de Milito, a Albiceleste usou também Boselli, Rodrigo Palacio e Facundo Roncaglia. O defensor Ezequiel Muñoz, por sua vez, se tornou o primeiro hermano a defender ambos, em 2015.

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Icardi e Maxi López, antes parceiros, fizeram os últimos gols argentinos do clássico genovês. Muñoz é o único argentino vira-casaca no dérbi: jogou pelos dois em 2015

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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