Acesso

Histórias do acesso: o motorista de ônibus que conduziu um time ao título

O Deportivo Textil Mandyiú não é lá um time bastante conhecido aqui pelos lados do Brasil. Situado na cidade de Corrientes, cidade com cerca de 400 mil habitantes e capital da província de mesmo nome no norte da Argentina, o time verde e branco já viveu os seus dias de glória no final da década de 80 e início de 90, quando por quase 10 anos figurou na elite do futebol nacional, colecionando grandes resultados contra os chamados grandes do país. A história completa do Mandyiú, do acesso na temporada 1987/88 até a queda e o desaparecimento do cenário nacional foi contada aqui no Futebol Portenho em 2013.

Mas no sábado dia 17 de dezembro o Mandyiú protagonizou uma daquelas belas histórias do futebol, essas que fogem do olhar de quem acompanha somente o futebol dito “de elite” sob a desculpa do “baixo nível técnico”. A renascida equipe correntina conseguiu o acesso e o título do Torneo Federal B, algo equivalente a 6ª divisão da Argentina e voltou a sonhar com dias melhores no futuro enchendo o até então órfão torcedor de Corrientes novamente de esperanças. O Torneo Federal B é uma categoria semi-profissional, onde pouquíssimos atletas vivem somente para o futebol. Alguns desses times eventualmente aparecem no atual formato da Copa Argentina e de vez em quando têm a chance de enfrentar os grandes, como no caso do Alianza Moldes que em 2015 por muito pouco não eliminou o Rey de Copas Independiente de Avellaneda da competição.

Então aquele sábado dia 17 de dezembro de 2016 era uma data especial, tanto para o torcedor de Corrientes quanto para o treinador da equipe, Pablo Sixto Suárez. Ex-lateral direito do Mandyiú quando a equipe figurava entre os grandes do futebol argentino, o agora técnico completava 50 anos de idade naquele dia e tinha pela frente uma das principais decisões de sua carreira. Mas antes, como nem tudo são flores nas divisões de acesso do futebol argentino, o dever o chamava. Pablo saiu de casa às 4:30 da manhã para assumir seu posto cotidiano: o de motorista da linha 104D da cidade de Corrientes. Do ônibus urbano ele levava o sustento para casa e treinava o time por paixão, a pura e simples paixão pelo futebol. Para ele, as duas coisas se complementavam. “Sempre penso nos jogos enquanto estou dirigindo. Não é fácil dirigir um time de mais de 20 atletas com suas diferentes características, personalidades e vaidades, mas dirigir um ônibus coletivo também não é nada fácil. Ainda mais com o trânsito que tem aqui…”


Naquele sábado o trabalho de Suárez foi das 5h até as 13h, quando ele finalmente foi pra casa, almoçou, descansou um pouco e ao lado da filha Camila foi para o estádio comandar a grande final do Torneo Federal B. Camila acompanhou o pai em quase todos os jogos do campeonato e compartilhou com ele toda a emoção da campanha do Mandyiú ao seu lado no banco de reservas. A temperatura em Corrientes no sábado chegava aos 33°C, mas nada que pudesse tirar o ânimo do torcedor que se dispôs a ver novamente o futebol da cidade brigando por posições mais altas no cenário nacional, já que cerca de três horas antes do jogo, centenas de torcedores já se reuniam do lado de fora do estádio Huracan Corrientes com suas faixas, instrumentos e cânticos em apoio ao Algodonero. Quando a partida começou, eram dentro do estádio cerca de 13 mil torcedores que lotaram as arquibancadas de cimento do velho estádio, remetendo aos tempos de glória da década de 90 onde ali passaram adversários como Boca Juniors, River Plate, Racing, Independiente, San Lorenzo e outros gigantes do cenário nacional. Mas dessa vez o adversário era o Ben Hur da cidade de Rafaela que chegava também sonhando com o acesso e levou cerca de 80 torcedores ao estádio para quem sabe comemorar ali e estragar a festa dos donos da casa.

E a partida foi dura. Debaixo de um sol escaldante as duas equipes brigaram até o final pelo resultado e tudo parecia que ia se decidir nas cobranças de pênaltis, quando aos 40 minutos do segundo tempo o atacante Ariel Reinero marcou para os donos da casa, fazendo explodir em alegria as arquibancadas do velho estádio em gritos de “Dale Campeon” que há pelo menos 30 anos não se ouvia por aqueles lados do país. No final da partida o goleiro Jamil Jara – que ostenta uma capa com a torcida do Newell’s Old Boys em seu perfil do Facebook – ainda salvou um chute a queima roupa do atacante González para garantir o acesso e a festa Correntina.

O gol de Reinero que colocou deu o título ao Mandiyú: observado por mais de 13 mil torcedores nas arquibancadas de cimento do Huracan Corrientes

O condutor do time quando ouviu o apito final se viu num abraço interminável com a filha que sempre esteve ali ao seu lado, envolto em lágrimas. Aquele 1-0 não era apenas mais uma vitória, era a vitória mais importante de sua carreira como treinador. “É um momento único”, dizia emocionado aos microfones das rádios locais que registravam o momento. Com a voz embargada dizia: “Estou sim muito emocionado e dedico isso a meu bebê Cami (sua filha Camila que ali do lado também chorava). Ela me acompanha por todos os lados e sofre quando perdemos. Agora é hora de festejar e ela está aqui comigo e feliz. Por isso este acesso é também dela”. O motorista da linha 104D e treinador nas horas vagas não poderia desejar melhor presente de aniversário pelos seus 50 anos.

Pablo Sixto Suárez: enfrentando o Boca Jrs. com a camisa do Mandiyú pela primeira divisão e abaixo emocionado com a filha comemorando o título e o acesso da Federal B

A festa tomou conta do gramado, dos jogadores e dos torcedores que viam o renascimento de um clube que no passado trouxe tantas alegrias e colocou no mapa uma cidade considerada pequena, perto do gigantismo do futebol da capital federal com seus intermináveis times, craques e ídolos nacionais. O Mandiyú conseguiu o acesso e ano que vem vai para o Torneo Federal A, que também é uma divisão semi-profissional e atualmente conta com 36 equipes e vai aos poucos sonhando em reconstruir a história gloriosa que já viveu dentre os grandes do futebol nacional.

A festa no gramado: o Mandyiú está de volta

Para o aniversariante do dia e condutor hábil do time campeão e da linha 104D da cidade de Corrientes, ainda tudo está indefinido. “Gostaria de continuar trabalhando como motorista. No futebol tudo depende de resultados e eu preciso levar dinheiro pra casa. Agora vou comemorar, descansar, continuar trabalhando como motorista e depois volto a pensar no futebol”, declarou. O certo é que tanto o ônibus da linha 104D de Corrientes quanto o plantel do Deportivo Mandiyú passaram um 2016 sendo conduzidos em boas mãos.

A volta olímpica e a festa do acesso:


 

Referências:

Laureano Rossi – Diário Olé

Jornal El Litoral – Corrientes

Site Interior Futbolero

Portal Todo Ascenso

Alexandre Silva

Quase ex-jornalista. Apresentador e repórter na Rádio Transamerica BH, mineiro e torcedor da Seleção Argentina desde a Copa de 98. @AlexandreSilva8

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