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Vélez tem dois rivais principais: Ferro Carril Oeste e San Lorenzo. Esteban González foi bem nos três

O Vélez é endereçado no extremo oeste de Buenos Aires. Natural que seu rival chame-se Ferro Carril Oeste. Como o nome indica, o FCO surgiu da ferrovia homônima que cortava aquelas redondezas, com a estação Vélez Sarsfield (que leva sobrenome do autor do Código Civil Argentino) nomeando outro clube, fundado por aficionados que nela se reuniam. O Ferro situa-se no bairro central de Caballito. Dali até o oeste em Liniers, se passa pelos bairros de Flores, Floresta, Vélez e Villa Luro – aliás, o Vélez “nasceu” no de Floresta, em área correspondente hoje ao de Vélez, e se deslocou a Villa Luro antes de completar sua marcha ocidental ao fixar-se em Liniers. Esteban Fernando González, que fez 55 anos anteontem, conhece-os como ninguém.

Em Buenos Aires, os espanhóis são apelidados de Gallegos. Esteban virou Gallego González por causa da nacionalidade do seu pai. Foi promovido ao futebol adulto em 1982, pelo Ferro. Os verdolagas, historicamente marcados por não darem tanta atenção a seu futebol (o historiador Esteban Bekerman, que sempre residiu em Caballito, sustenta informalmente que mesmo lá a torcida do FCO seria inferior por sinal à do San Lorenzo, do bairro vizinho de Boedo…), em prol de sucesso poliesportivo, vinham em inédita ascensão com a bola nos pés. Em 1981, haviam sido bivices, para nada menos que o Boca de Maradona (no Metropolitano) e o River de Kempes (no Nacional).

O inédito título na elite enfim veio no torneio seguinte. González jogou só uma vez naquele vitorioso Nacional de 1982, no 3-1 fora de casa sobre o San Lorenzo de Mar del Plata na primeira fase. O primeiro gol só viria no fim do campeonato seguinte, o primeiro do Ferro na derrota de 3-2 fora de casa para o Instituto pela 30ª rodada do Metropolitano. Os próximos apareceram já nas rodadas seguintes, o único do 1-0 sobre o Nueva Chicago (31ª), no 1-1 fora de casa com o Newell’s (32ª), no 2-2 com o Argentinos Jrs (33ª) e no 2-2 fora de casa com o River (34ª). O suficiente para ter só dois gols a menos que o artilheiro verdolaga naquela campanha, Adolfino Cañete.

No Ferro: maior artilheiro do clube na Libertadores. À direita, contra o Argentinos Jrs, na fase de grupos da edição 1985

Mas, exceto pelo único na derrota de 2-1 para o Estudiantes na Libertadores de 1983, os gols de González só voltariam em 1984. No Nacional, fez em março dois no empate em 3-3 com o Instituto em Córdoba e o único fora de casa no 1-0 sobre o Alto Hornos Zapla. Foram três gols em cinco jogos na campanha, participação escassa em parte devido a um sério acidente de carro sofrido ainda em março. Sofreu diversas fraturas, incluindo no crânio, e os prognósticos iniciais eram de que teria de parar de jogar. Apesar da gravidade, pôde retomar a carreira, após recuperação que incluíam sete horas de ginásio sob as orientações do celebrado preparador Adolfo Mogilevsky.

O Ferro terminou campeão (com seu artilheiro, Alberto Márcico, marcando só cinco gols, vale ressaltar). O suficiente para, na época e por nove anos, ter mais títulos argentinos que o Vélez, hoje algo impensável. No fim de outubro, González já voltava a marcar gols, no 3-2 sobre o Chacarita já pelo Metropolitano. Também fez em um 2-0 fora de casa no Argentinos Jrs e em um 1-0 no Platense, em campeonato que quase rendeu novo título: o campeão, por um único ponto, foi justamente o Argentinos Jrs. Ao todo, foram três gols em onze jogos – um recomeço compreensivelmente promissor.

Mas o que consagrou El Gallego em Caballito foi o desempenho internacional. É ele o maior goleador do Ferro na Libertadores. Aquele timaço do Argentinos Jrs terminaria campeão dela em 1985 após uma primeira fase duríssima em que só o líder avançava. Trabalho representado por González. Foram seis gols em sete jogos. O Ferro começou bem, batendo fora de casa por 1-0 o próprio Argentinos, gol de González. Na rodada seguinte, ele fez os dois no 2-0 sobre o Vasco na Argentina.

Foi no Vélez que “El Gallego” teve melhores números de artilheiro. À direita, com Asad e Bianchi

Só que o Argentinos Jrs embalou e deu o troco, batendo o Ferro fora por 3-1 – González fez o de honra. Ele faria ainda o único do 1-0 sobre o Fluminense. Na última rodada, fez outro no 2-0 fora de casa sobre o Vasco, igualando Ferro e Argentinos na co-liderança, o que forçou jogo-desempate. O vizinho levou a melhor por 3-1. Somando-se as Libertadores de 1983 e 1985, González fez sete gols.

Todos os demais jogadores que marcaram pelo Ferro na Libertadores só fizeram um gol: Márcico, Claudio Crocco, Héctor Cúper (1983), Oscar Acosta e Oscar Garré (1985). El Gallego manteve a boa fase no campeonato argentino da temporada 1985-86. Com quinze gols em 33 jogos, foi o artilheiro da boa campanha do Ferro, sexto colocado. Destaque aos dois que fez cada nos 2-1 sobre o campeão River e nas inapeláveis goleadas sobre o Racing de Córdoba (7-1) e San Lorenzo (4-0). Quase recolocou o Ferro na Libertadores ao acumular seis gols na liguilla, mas o time caiu na semifinal para o Newell’s.

O atacante já não foi tão bem na temporada 1986-87, com só seis gols em 35 jogos, ainda que um deles em um 3-0 sobre o Boca dentro da Bombonera. Finalizou o ciclo no Ferro, com 43 gols em 140 jogos segundo as estatísticas do livro oficial do centenário verdolaga. Começou a marchar para o oeste: foi vendido a um time do bairro de Flores. Ainda não era o San Lorenzo, enraizado no de Boedo, mas que ergueria em Flores (em 1993) o Nuevo Gasómetro. E sim o Deportivo Español, por sinal apelidado de Los Gallegos. A combinação foi boa e ele fez doze gols (em 37 jogos) por um time nanico que se provava cascudo contra os grandes: González marcou tanto sobre River (3-3 no Monumental) como Boca (1-1) e San Lorenzo (2-2). Além de três em um 5-1 no Talleres.

Seu único jogo pela Argentina, contra o Resto do Mundo, nem sempre é considerado oficial: Néstor Craviotto, Darío Franco, Sergio Goycochea, Ricardo Altamirano, Oscar Ruggeri e Sergio Vázquez; Leo Rodríguez, Diego Latorre, Esteban González, Antonio Mohamed e Blas Giunta

El Gallego seguiu nos Gallegos na temporada seguinte. Embora decaísse para quatro gols em 27 partidas, foi vendido ao Málaga. Se valorizou a experiência de jogar contra Hugo Sánchez e ser o único jogador ofensivo no esquema da modesta equipe andaluza, voltou à Argentina já em 1990, contratado pelo Vélez. Virar a casaca lhe fez muito bem. De cara, foi o artilheiro da temporada 1990-91, com dezoito gols, nove no Apertura e outros nove (só dois a menos que Gabriel Batistuta) no Clausura. O Vélez, que não era campeão desde sua única conquista em 1968, ficou em 3º no Apertura. Destaque aos gols que deram a vitória fora de casa sobre Independiente (4-3) e River (2-1).

González também foi vice-artilheiro do Apertura 1991 e do Clausura 1992, com o Vélez terminando respectivamente em 4º e em vice (dois pontos atrás do Newell’s de Marcelo Bielsa). Nesse embalo, fez seu único jogo pela seleção – em partida nem sempre considerada, por ter sido um amistoso contra o Resto do Mundo treinado por Telê Santana, sendo titular na vitória por 3-0 no Monumental em 29 de outubro de 1991; a própria convocação fora improvisada, diante de lesão de Ramón Medina Bello. Sem marcar nessa partida, seus números depois despencaram para só três gols no Apertura 1992, mas reergueu-se em alto estilo no Clausura 1993. Só marcou a partir da décima rodada, mas fez cinco gols nos oito jogos finais, suficientes para fazer dele artilheiro (ao lado de Omar Asad) da campanha redentora que fez o Fortín voltar a ser campeão após 25 anos.

Sua volta por cima, em meio a uma lesão muscular, foi noticiada pela Placar. Mas não foi o suficiente para El Gallego permanecer titular com Carlos Bianchi. Fez só um gol no Apertura 1993 e mais dois no Clausura 1994. Curiosamente, o único vira-casaca campeão por ambos os rivais do Oeste jamais marcou no clássico. González, pelo Vélez, foi campeão também da Libertadores 1994, mas só esteve até as oitavas-de-final, sem marcar. Foram 48 gols em 99 jogos pelo time de Liniers. Passou ao San Lorenzo como um pedido especial do líbero Oscar Ruggeri, ex-colega de Vélez entre 1990-92. O técnico era Héctor Veira, outro a ter passado pelo Fortín naquele período.

Talismã no San Lorenzo. A imagem do meio e da direita são do emocionado gol sobre o Belgrano, após a morte do pai

A rivalidade mútua com o San Lorenzo se construía exatamente por causa da Libertadores e demais sucessos internacionais (Mundial 1994, Supercopa 1996, Recopa 1997) que um time de porte de bairro como o Vélez conseguia e um gigante feito o Sanloré, não – além das vertiginosas decadências dos clássicos rivais Huracán e Ferro. González mudou-se quando os azulgranas viviam o pior jejum de sua história, em seca que na elite durava desde 1974, incluindo até o primeiro rebaixamento de um grande na Argentina, em 1981. Ela quase acabou imediatamente: no novo clube, González foi vice no Apertura 1994. O atacante não deslumbrou tanto de início, com só três gols. Acabaria não sendo titular absoluto no Clausura 1995, mas a impressão final pôde ser outra.

Além de marcar oito gols (um a menos que Claudio Biaggio, o artilheiro do elenco), fez o do título, a quinze minutos do fim (saindo do banco), e fora de casa, sobre o Rosario Central. O primeiro, sobre o Belgrano, na sexta rodada, já havia causado lágrimas: El Gallego havia perdido o pai na noite anterior e, além de toda a dor da perda, não tivera um minuto de sono. Ainda assim, insistiu em ser relacionado e saiu do banco a cinco minutos do fim para marcar o único gol da partida, emoção ilustrada na imagem que abre essa matéria. Outro dia de especial destaque foi nos dois que marcou em um 3-1 fora de casa sobre o Talleres. Sobre aquela campanha redentora do San Lorenzo, dedicamos este Especial.

González ainda angariou mais motivos para idolatria cuerva em 1995. Já no campeonato seguinte, fez dois gols em um 5-0 no Huracán, a maior goleada da história desse clássico. Mas ele já chegava aos 34 anos e permaneceu apenas como um bom reserva. Foram oito gols ao longo da temporada argentina 1995-96 e outro na Libertadores de 1996, ainda na primeira fase. O Ciclón terminou eliminado pelo campeão River nas quartas-de-final. Ao todo, foram 19 gols em 50 jogos pelo San Lorenzo. O último capítulo da carreira não foi ao oeste (o Nueva Chicago também considera-se rival do Vélez pela vizinhança entre os bairros de Liniers e Mataderos, sede dos verdinegros…) e sim ao sul. Foi pelo Quilmes, na segundona de 1996-97. Fez três gols. Os Cerveceros brigaram até o fim por uma vaga nos mata-matas, mas a perderam para o Belgrano nos critérios de desempate.

Ao todo, Esteban González anotou 123 gols em 375 jogos entre 1982 e 1997, estatística boa para quem passou a maior parte desse tempo inconstante e/ou na reserva. Números secundários para o único campeão por Ferro e Vélez e para um raro ídolo comum (e igualmente campeão) de Vélez e San Lorenzo.

Clique aqui para saber mais do Clásico del Oeste, entre Ferro e Vélez. E aqui sobre a rivalidade entre Vélez e San Lorenzo.

No Deportivo Español e no Quilmes, as outras camisas argentinas que defendeu. E no “clássico” entre San Lorenzo e Vélez. Foi raro ídolo de ambos.

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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