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Na abertura do Nordestão, conheça Juan Celly, o argentino mais nordestino do futebol

Por Leandro Paulo Bernardo, com colaboração de Caio Brandão

Nesta terça-feira, Náutico x Uniclinic começam mais uma edição de um dos torneios mais carismáticos do mundo, a Copa do Nordeste. Vale relembrar um argentino que marcou época na região. Cinco equipes das vinte participantes (Sport, Sampaio Corrêa, CRB, Itabaiana e Sergipe) contaram com o toque de Juan Francisco Celly, El Cartita Blanca.

Nascido em Santo Tomé, na província de Corrientes, no dia 28 de junho de 1930, jogou na Argentina nas categorias de base do Estudiantes. Em 1953, após se destacar em excursões dos pincharratas pelo Brasil, quase ficou no Flamengo. Virou rubro-negro mesmo ano, mas em Recife, ajudando o Sport a conquistar o título daquele ano. Não chegou a ser o primeiro argentino no Nordeste – o próprio Sport tivera na virada dos anos 30 para os 40 o ponta-direita (e técnico) Valentín Navamuel, ex-Estudiantes, Vasco, Independiente e Portuguesa-RJ.

Navamuel até foi tricampeão em 1941, 1942 e 1943, destacando-se nos clássicos com o Santa Cruz: fez dois gols em um 6-3 pelo Estadual de 1940, em que o rival foi campeão; os dois no 2-1 que garantiu o título de 1942 e outro nos 3-0 em novo jogo que assegurou taça, em 1943. Já Celly foi mais discreto na Ilha, ainda que vice em 1954 e campeão em 1955, um título muito comemorado pois era o ano do cinquentenário do clube leonino. Mas já era reserva de Soca. Porém, não haveria hermano mais nordestino. 

Depois de defender o Sport no Torneio Bahia-Pernambuco em janeiro de 1956, Juan Celly se transferiu para o  América do Recife, onde permaneceu por duas temporadas por um time que ainda só tinha um título a menos que Náutico e Santa Cruz. Em 1958, Celly foi ao Ceará defender o Ferroviário. No Ferrão, conquistou a Copa Fortaleza-Maranguape, marcando o primeiro gol da final na vitória por 2-0 no Estádio Presidente Vargas contra o Fortaleza, no dia 6 de abril.

Com só 28 anos, encerrou sua carreira de jogador. Tinha planos de voltar à Argentina, mas aceitou o convite para ser treinador do Central de Caruaru nas disputas dos campeonatos da Liga Caruaruense de 1959 e 1960 – a “Patativa” havia rompido com a federação pernambucana em 1942 e só voltou para a primeira divisão em 1961, ano em que o argentino já estava em Alagoas. Iniciara sua jornada pelo ASA, que após o titulo estadual de 1953 ficou entre 1954 e 1963 se dedicando  exclusivamente a jogos amistosos, tidos como mais lucrativos do que os jogos do Campeonato Alagoano; o clube de Arapiraca tinha sérios problemas financeiros nessa época.

Sport de 1953: Carlinhos, Tonho, Ênio, Celly e Ilo; Pinheirense, Wilson, Zé Maria, Bria, Carijó e Djalma. Foto de “Campeonato Pernambucano 1915-1970”, de Carlos e Luciano Cordeiro

Sob o comando de Juan Celly, o ASA ganhou vários amistoso no Nordeste e iniciou a fama de  “Fantasma das Alagoas”. Contudo, após uma derrota em casa para o Íbis por 1-0 no dia 22 de outubro de 1961, o argentino foi demitido. Parou em Sergipe, onde foi contratado pelo América de Propriá. Passou dois anos no Tricolor da Ribeirinha até que, em 1963, teve a primeira oportunidade de dirigir um clube de capital, retornando a Alagoas para treinar o CRB.

Pelo Galo da Pajuçara, conquistou o primeiro turno do Alagoano, mas na decisão perdeu para o CSA do polêmico jogador Charuto. Aquela foi uma das decisões mais marcantes da história do futebol Alagoano e Juan Celly, muito pressionado pela torcida, foi demitido. Em 1964, voltaria para Propriá, só que dessa vez para treinar o Esporte Clube Propriá. Conquistou o primeiro título de um clube daquela cidade, o campeonato sergipano da segunda divisão.

Naquele mesmo ano, passou a comandar o Club Sportivo Sergipe, que tinha no elenco aquele polêmico Charuto. O Alvirrubro foi campeão estadual. Celly começou um vaivém de Alagoas e Sergipe: treinou o ASA no Alagoano de 1965, o Confiança vice sergipano de 1966 e voltou ao ASA em 1967. Não foi tão bem na nova passagem, vencendo apenas seis dos quinze jogos do primeiro turno. Após uma derrota de 2-0 contra o Penedense no dia 01 de outubro, foi demitido. Terminou aquela edição do Campeonato Alagoano pelo Capelense, conseguindo só um empate em cinco jogos.

Em 1968, teve uma rápida passagem pelo Bahia de Feira de Santana e em abril retornou ao Capelense, visando a disputa do Campeonato Alagoano. Apesar de uma grave crise financeira no Galo dos Canaviais, Juan Celly levou o Capelense a decidir o 1° turno contra o CRB, no dia 18 de dezembro. Porém, veio a derrota por 2-0. O 2° turno havia sido conquistado pelo ASA, que contratou mais uma vez Juan Celly para ser seu treinador no 3° turno.

Como jogador do Ferroviário

A perda da final do 3° turno para o CSA provocou um Supercampeonato com partidas jogadas unicamente em Maceió, o que prejudicou a equipe de Arapiraca, que não conseguiu o título. Ao final daquele campeonato, por sinal, o Capelense encerrou suas atividades. Celly, não: em 1969, comandou o Penedense no Campeonato Alagoano, ficando em um modesto 5° lugar, com três vitórias, cinco empates e três derrotas. No segundo semestre, foi chamado pelo Olímpico de Aracaju e conseguiu levar esta equipe perto do título do Campeonato Sergipano, mas, não foi páreo para o Itabaiana, que ficou com o troféu.

Entre 1970 e 1972, Celly se manteve em Sergipe, comandando o Lagarto Esporte Clube. Em 1973, obteve seu primeiro sucesso pela Itabaiana. Com jogadores de qualidade, Juan Celly a levou ao título de campeão sergipano de 1973, depois de derrotar o Sergipe nos pênaltis no Estádio Batistão em Aracaju, no dia 22 de agosto. Nesse período, iniciaram-se  várias polêmicas entre Itabaiana e Sergipe, sendo que para o último jogo da final a direção do Tremendão da Serra exigiu árbitro de fora do Estado. Foi a primeira vez que um clube sergipano exigiu arbitragem da FIFA.

Celly teve então três passagens seguidas pelo ASA. Treinou o time de Arapiraca de julho a setembro de 1974, de agosto a outubro de 1975 e entre abril e julho de 1976. Em 1976, assumiu novamente o comando do Lagarto, onde conseguiu ser campeão do Torneio Início de Sergipe neste mesmo ano. Em 1977, foi dirigir o mítico Cotinguiba  de Aracaju, conseguindo a quarta colocação pelo Tubarão da Praia. Mas foi em 1978 que começou a fase mais longa e exitosa de conquistas, no Itabaiana: obteve o tricampeonato sergipano 1978/79/80 e uma campanha marcante no Campeonato Brasileiro de 1980, no qual comandou o Itabaiana na vitória por 2-1 contra o Internacional (atual campeão invicto) em Porto Alegre no dia 23 de fevereiro. 

No 2° semestre de 1981, Juan Celly foi treinar o Sampaio Corrêa e levou a equipe ao vice-campeonato estadual, vindo a perder a final para o Moto Clube. Em 1982, o argentino começou sua sétima e ultima passagem pelo ASA de Arapiraca, passagem esta que começou no dia 06 de junho com a vitória por 3-0 contra o São Domingos e terminou no dia 1 de agosto, após derrota por 2-0 para o CRB. 

Celly, último em pé, no Propriá

Em agosto de 1982, foi contratado pelo Sergipe. Celly comandou-o rumo ao título de campeão sergipano em 1982, um título confuso: terminou dividido com o Itabaiana, já que o tricolor exigia arbitragem da FIFA, mas a federação anunciou que o árbitro seria o maranhense Nacour Arouche (cunhado do médico do Sergipe), ainda aspirante. O Itabaiana não entrou em campo e o resultado ficou a cargo da justiça. Após várias decisões, em 1983 a federação sergipana declarou ambos os times campeões.

O Sergipe de Celly também fez uma boa participação no Campeonato Brasileiro de 1983, em um time que contava com o talento do jovem promissor Henágio e os gols de Nininho. Em 1984, a nova equipe do argentino foi o Fluminense de Feira de Santana. Mas sua passagem não durou sequer um mês e lá já estava ele de volta ao Sergipe ainda em 1984 para conquistar mais um título estadual. No ano seguinte, ainda em Sergipe, treinou o  Estanciano, depois voltando ao Lagarto, onde ficou até 1989.

Em 1990, esteve em três divisões do campeonato sergipano. Começou comandando o Amadense de Tobias Barreto na Série A1. Demitido, passou à Série A2, contratado pelo Olímpico de Itabaianinha, vindo a conquistar este título. A conquista o fez voltar depois de vinte e quatro anos ao Confiança. Chegou ao clube proletário para a disputa do triangular final da elite. Empatou três partidas e venceu apenas uma, contra o Sergipe por 1-0. Mas foi o bastante para o argentino emendar as conquistas da segunda e primeira divisão em um só ano. Mas Celly, desentendido pela diretoria, não continuou.

Após esse fato, surgiu uma das maiores lendas do futebol sergipano, segundo a qual Celly praguejou para que o Confiança tão cedo não fosse campeão. Coincidência ou não, o Dragão só foi campeão novamente em  2000 – e com o título só obtido na justiça, no ano seguinte. A última passagem registrada do argentino como treinador foi no Maruinense de Maruim, também em Sergipe, em 1992. No final da década de noventa, recebeu por unanimidade de todos os deputados estaduais o título de Cidadão Sergipano, ganhando até uma aposentadoria especial por parte do Governo do Estado.

Juan Francisco Celly faleceu aos 85 anos de idade em Aracaju no dia 11 de julho de 2015, vítima de problemas de saúde agravados pela diabetes. Seu corpo foi velado numa funerária da Rua Itabaiana em Aracaju, equidistante das sedes do Confiança e do Sergipe.

Clique aqui para acessar nota de 2014 sobre outros argentinos vira-casacas pelo Brasil e aqui para nota desse mês sobre Alfredo González, o argentino de mais clubes cariocas – e técnico campeão por Santa Cruz em 1957 e Náutico em 1963, primeiro título da festejada série hexacampeã dos alvirrubros.

Da Redação

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