BocaEspeciais

70 anos de Rubén Suñé, maior campeão do Boca no século XX e último a virar estátua na Bombonera

Dentre os diversos apelidos de Guillermo Barros Schelotto, Guille e El Mellizo (“O Gêmeo”, em alusão ao irmão univitelino Gustavo) foram dos mais usados para designar o atual técnico do Boca. Mas não era incomum ser referido em narrações como El Chapita, algo como “o Louquinho”, em função de suas diabruras. Símbolo da Era Carlos Bianchi, Schelotto chegou a ser o jogador mais vitorioso do Boca. Antes dessa era, a honra cabia ao defensor Rubén José Suñé, outro conhecedor da Libertadores. E apelidado de El Chapa. Hoje ambos são vizinhos em formas de estátuas no museu do clube

Torcedor boquense desde sempre, Suñé veio das inferiores auriazuis para estrear entre os adultos em amistosos em dezembro de 1966, pouco antes dos 20 anos. O técnico que o promovera era Adolfo Pedernera, antiga lenda justamente do River (Alfredo Di Stéfano considerava-o o maior jogador que vira). Não demorou a conseguir titularidade no Torneio Metropolitano de 1967. Nem a virar em 1968 cobrador oficial de pênaltis, tamanha sua personalidade (assim, chegou a marcar naquele ano em amistoso com o Benfica de Eusébio, recém-vice-campeão da Liga dos Campeões). O apelido surgiu na realidade quando o colega Julio Meléndez chamou-o de “cara de chapa” quando queria dizer “cara dura”, a versão portenha para o nosso “cara-de-pau”.

Os títulos começaram a vir em 1969, ano em que enfim estreou pela seleção. El Chapa esteve nas malfadadas eliminatórias à Copa do Mundo, participando dos dois confrontos contra a Bolívia. A Argentina, pela última vez (e pela única em função de resultados em campo), ficou de fora do torneio, eliminada pelo Peru. A frustração foi amenizada com a conquista da Copa Argentina e, especialmente, com a do Torneio Nacional, com direito ao jogo do título ser justamente um confronto direto com o River na última rodada. O Boca segurou um 2-2 no Monumental e pôde pela única vez dar a volta olímpica dentro da casa adversária em jogo contra o maior rival. 

No Boca, Suñé ganhou também o Torneio Nacional de 1970, rendendo-lhe suas últimas aparições pela Argentina em janeiro do ano seguinte, em dois amistosos contra a França. 1971 também rendeu-lhe uma suspensão internacional de dezoito meses como um dos protagonistas do quebra-quebra contra o Sporting Cristal na Libertadores, ainda que tenha saído com diversos sangramentos faciais.

Ele e o Boca voltaram ao páreo no Nacional de 1972, mas caíram na semifinal justo para o River. Era o fim de um ciclo: El Chapa só jogaria mais uma vez pelo Boca até então, em amistoso contra um combinado de Salta. Brigou com o presidente xeneize Alberto Jacinto Armando (dirigente máximo entre 1960 e 1980 e quem batiza oficialmente La Bombonera) em discussões sobre aumentos salariais e bônus, sendo limado junto com o lateral Silvio Marzolini, na época o recordista de jogos e títulos pelo clube. El Chapa passou todo o Torneio Metropolitano de 1973 suspenso. 

Rara foto de Suñé na seleção, contra a Bolívia nas eliminatórias de 1970. É o mais à esquerda

O campeão daquele torneio, com um futebol elogiadíssimo de goleadas e boa defesa, foi o Huracán. Foi para esse timaço que Suñé transferiu-se para o Torneio Nacional de 1973, no qual o Globo chegou a liderar seu grupo ao fim do primeiro turno. Mas os quemeros terminaram eliminados em terceiro, atrás do campeão Rosario Central e da surpresa Atlanta. A vingança contra o Central veio na Libertadores, quando ambos disputaram um jogo-desempate para definir quem iria às semifinais: deu Huracán 4-0 no time de Mario Kempes. Mas o sonho huracanense caiu na fase seguinte

Suñé, porém, não chegou a ser exatamente protagonista no Huracán. Os pênaltis, por exemplo, eram cobrados por Carlos Babington. O clube avançou ao quadrangular final do Metropolitano de 1974, mas, desfalcado por quatro jogadores presentes na Copa do Mundo (Babington, René Houseman, Miguel Brindisi e Jorge Carrascosa) e do lesionado Roque Avallay (que iria à Copa, por sinal), ficou em último nessa fase. No Torneio Nacional, faltaram dois pontos para a classificação.

Em 1975, El Chapa saiu pelos fundos rumo ao Unión. Foi o recomeço da carreira: o time de Santa Fe, como outros do interior argentino nos anos 70, vivia seu auge. Ficou em quarto no Metropolitano, com dois pontos a menos que o vice e a seis do campeão River. “Esse foi o melhor ano da minha vida, essa equipe do Unión era melhor que a do Boca onde ganhei tudo”, diria o lateral, que ali começou a ser melhor aproveitado como volante. O técnico do Tatengue era Juan Carlos Lorenzo, que ao ser contratado pelo Boca em 1976 não teve dúvidas nas indicações de reforços: o goleiro Hugo Gatti, o ponta Heber Mastrángelo e Suñé, todos comandados por Lorenzo naquele Unión.

O contexto da torcida auriazul era esse: no ano anterior, o rival River havia desfeito em alto estilo dezoito anos de jejum ao faturar tanto o Metropolitano como o Nacional. O Boca respondeu imediatamente o feito, conquistando também os dois torneios em 1976. No Metropolitano, conseguiu uma grande recuperação após um início ruim no qual Lorenzo quase perdeu o cargo – o time cresceu na fase final, ganhando mesmo com menos pontos acumulados no total que o vice Huracán. Mas o mais especial, claro, foi o Nacional. Afinal, foi a única vez em que Boca e River decidiram uma verdadeira final argentina. Deu Boca 1-0. Gol de Suñé, batendo de surpresa uma cobrança de falta perto do fim enquanto Ubaldo Fillol ainda armava a barreira.

O lance foi tão inesperado que não há registros em vídeo daquele gol, obra de pura astúcia de Suñé, que como capitão havia sido comunicado pelo árbitro que na semana prévia à decisão uma alteração nas regras permitia que faltas fossem cobradas sem necessidade de esperar-se pelo apito ou pela conclusão da barreira. Com isso em mente e notando que Fillol demorava a arma-la, El Chapa arriscou e terminou eternizado. E ficaria ainda mais pelo que viria a seguir.

Suñé cobrando “aquela” falta contra o River e celebrando o gol com Alberto Tarantini. À direita, ergue o Mundial, ao lado do cartola Alberto Jacinto Armando

Os títulos de 1976 credenciaram o Boca à Libertadores. O clube, ainda sem títulos continentais, emendou três participações seguidas na decisão, ganhando as duas primeiras (sobre Cruzeiro, detentor do título, e Deportivo Cali, perdendo em 1979 para o Olimpia). Conquistas simbolizadas por Suñé, eternizado nas fotos em que, como capitão, erguia a taça. Em ambas as campanhas, houve o gosto de eliminar o River – na primeira fase em 1977 e na semifinal em 1978, com direito a vitória por 2-0 dentro do Monumental. Nesse período também veio em 1978 o primeiro Mundial, em disputa válida ainda por 1977 contra o Borussia Mönchengladbach, batido em plena Alemanha

Suñé ficou no Boca por mais duas temporadas, sem títulos. Mas os oito que levantara em onze anos de Boca fizeram dele o maior vencedor do clube. No Top 20, ele é o único a aparecer (em oitavo) sem ter jogado na Era Carlos Bianchi, ou a partir dela. Dessa forma, foi o xeneize mais vezes campeão no século passado, e após sua saída o clube só conseguiu mais dois títulos argentinos até a chegada do próprio Bianchi em 1998. Foram 52 gols, dois deles no Superclásico, em 526 jogos. Chegou a ser o quarto em número de partidas, estando hoje em sétimo.

El Chapa pendurou as chuteiras em 1981, no San Lorenzo, para um último ano de carreira. Já tinha 34 anos, mas sua contratação, exatamente em função da experiência do volante, não deixou de ser cara para as quebradas finanças de um time que já havia perdido seu estádio em 1979. Lá, voltou a compartilhar elenco com Omar Larrosa, ex-colega de Boca e Huracán (e campeão da Copa de 1978) que tornou-se seu cunhado. Na reta final, voltou a ser treinado por Juan Carlos Lorenzo.

Mas foi em outras circunstâncias: Lorenzo chegara sob emergência. Havia sido o técnico que treinara o Sanloré campeão tanto do Metropolitano como do Nacional em 1972, algo até então inédito. Dessa vez, apareceu a partir da 27ª rodada para tentar fazer o clube escapar do rebaixamento. A parceria não foi exatamente renovada: Suñé vinha sendo uma decepção como o resto do elenco e jogou pela última vez na 29ª rodada, após a goleada de 6-2 para o Instituto de Córdoba. Os cuervos reagiram a ponto de ter chances reais de escaparem na última rodada, mas foram derrotados. Falamos aqui do primeiro rebaixamento de um grande clube argentino.

A aposentadoria não fez bem a Suñé. Foi atacado pela depressão, chegando a tentar o suicídio em 1984 ao jogar-se do sétimo andar de um edifício, salvando-se milagrosamente. O Boca o traria de volta a seu seio, para treinar as inferiores. Em 22 de dezembro do ano passado, exatamente quarenta anos após aquele gol de falta a dar o título nacional sobre o River, El Chapa desenrolou a própria estátua oferecida pelo clube que tanto honrou. Falamos desses quarenta anos neste outro Especial.

As outras camisas argentinas de Suñé: Unión e nos rivais Huracán (à sua frente, Houseman e Brindisi) e San Lorenzo. Nenhuma lhe caiu tão bem

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

2 thoughts on “70 anos de Rubén Suñé, maior campeão do Boca no século XX e último a virar estátua na Bombonera

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

19 − 1 =

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.