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Marcelo Espina, 1º camisa 10 pós-Maradona na seleção e quem botava Trezeguet no banco do Platense

“Já nesse momento, com o Platense jogando na primeira divisão, era quase impossível, imagine agora”, refletiu Marcelo Fabián Espina Barrano em entrevista à El Gráfico ano passado sobre os tempos de seleção argentina. Para surpresa geral, inclusive a de si próprio, foi ele o primeiro capitão e camisa 10 da seleção argentina no ciclo iniciado após a Copa do Mundo de 1994 – ou seja, após a Era Maradona na Albiceleste. Hoje El Cabezón completa meio século de vida.

Torcedor do Racing na infância e sócio do River com três anos de atividade nas categorias juvenis millonarias, conhecendo ídolos históricos como Adolfo Pedernera (então coordenador dos juvenis, mas outrora o maior craque que Alfredo Di Stéfano dizia ter visto), da época como Juan José López e estrelas futuras como o adolescente Claudio Caniggia, Espina iniciou a trajetória no Platense ainda com 12 anos – ou seja, em 1979. Era o clube da municipalidade em que vivia, Vicente López.

Vivenciou um período maluco da história do Tense e do futebol argentino. O clube não joga a elite argentina desde 1999, mas após safar-se milagrosamente de rebaixamentos quase que seguidamente desde 1974 (!) – salvo um 4º lugar em 1980 e no auge de Espina, já na sua segunda etapa pelo Calamar. A primeira durou de 1983 a 1989.

O clube já vinha sendo apelidado de Fantasma del Descenso, salvando-se em 1984 na penúltima rodada; a da temporada 1985-86 foi ainda mais espetacular, com o time precisando enfrentar nas quatro rodadas finais o “clássico” com o Argentinos Jrs vice-campeão mundial (derrota de 2-0), os grandes San Lorenzo (3-3 após estar perdendo de 3-1), Independiente (derrotado por 2-0 em Avellaneda) e o River campeão de tudo naquele ano: 4-4 após parciais desfavoráveis de 3-1 e 4-2. Quem acabou indo à repescagem – e depois efetivamente caindo – foi o “sexto grande” Huracán.

Nenhuma das salvações foi tão famosa quanto a de 1986-87. Os marrons chegaram na última rodada precisando vencer o River no Monumental torcendo por um tropeço do Temperley, que em casa receberia o Rosario Central. O concorrente ficou no 1-1 e o Platense perdia de 2-0, mas virou na última meia hora. Foi em 1987 que Espina começou a jogar mais constantemente. Na temporada seguinte, o mínimo de 38 pontos necessários para a salvação foi alcançado com vitórias fora de casa sobre os grandes, como outra sobre o River e a primeira sobre o Racing dentro do Cilindro de Avellaneda. Ambas por 1-0, com Espina marcando sobre os racinguistas.

A temporada seguinte rendeu a terceira vitória seguida sobre o River no Monumental, com Racing e Boca também perdendo em casa para a equipe de Vicente López. Espina terminou vendido ao Irapuato, do México. Naquela entrevista, declarou que foi a única vez que trocou de clube por fatores meramente econômicos. Considerou a experiência desastrosa, mas é agradecido ao futebol asteca: outra temporada depois, no Atlante, foi treinado por Ricardo La Volpe.

Espina classificou La Volpe como um gênio que antecipou em vinte anos métodos de trabalho célebres com Barcelona e Bayern Munique. Treinado pelo ex-goleiro campeão da Copa de 1978, teria aprendido a correr em campo como um ponta, enquanto antes era o clássico “camisa 10 lento”. Foi repatriado pelo Lanús em 1992. Ainda não era uma estrela e, descontente como terceiro reserva, saiu após meros sete jogos. Acertou empréstimo ao Platense para ganhar “30%” do que recebia nos grenás.

Na primeira passagem pelo Platense, em uma das três vitórias seguidas sobre o River no Monumental; e na segunda, patrocinado pela empresa que bancou sua permanência

Espina já tinha 27 anos. Foi quando explodiu, especialmente no Clausura 1994. O clube chegou a liderar e seu craque terminou artilheiro do campeonato, com direito o gol de 35 metros sobre o ex-clube Lanús e dois em 3-1 de visitante sobre o River, incluindo outro fora de área. Foi nesse campeonato que David Trezeguet, ainda adolescente e pinçado dos juvenis pelo pai de Espina, estreou no futebol adulto. Já veterano no River e consagrado mundialmente, Trezeguet chegou a reclamar de uma retranca do San Lorenzo atacando-o com os dizeres “meu Platense era mais ambicioso”.

O futuro “Trezegol” fez sua estreia, contra o Gimnasia LP, exatamente porque Espina cumpria suspensão. Aquele Platense acabou se prejudicando com a pausa do campeonato para a Copa do Mundo, perdendo embalo na reta final e terminando em sexto. O Platense não tinha grana para comprar o astro em definitivo, com o Lanús sendo pago pela Maquivial, que em troca estampo sua logo na tradicional faixa marrom.

A convocação de Espina terminou sendo “um ato de justiça” segundo seu perfil no livro Quién es Quién en la Selección Argentina, com notas sobre todos os que a defenderam entre 1902 e 2010. Segundo o livro, o que surpreendeu foi a capitania. Como se não bastasse, era o camisa 10. Ambos os postos eram de Maradona e isso teria pesado, na avaliação do autor, Julio Macías.

Espina, na entrevista, por sua vez alegou que mal se deu conta na hora. De fato, sua estreia foi excelente: dentro de Santiago, a Argentina fez, com gol dele, 3-0 no Chile em amistoso em 15 de novembro de 1994. Mas aquele terminou sendo seu único gol pela seleção. Por outro lado, despertou interesse das potências chilenas. Fechou com o Colo-Colo e, chamado à Copa América de 1995, acabou um dos três que defenderam a Argentina vindos do país vizinho (ao lado de Sergio Vázquez e Alberto Acosta, ambos da Universidad Católica).

Até a Copa América de 1995, porém, Espina já não parecia ter a mesma graça com o técnico Daniel Passarella (que, aliás, convocou do Platense o goleiro titular Rolando Cristante, o último que, como calamar, esteve na seleção; Espina é o penúltimo). Após cinco jogos prévios onde fora sempre capitão (incluindo aí a Copa das Confederações, perdida para a Dinamarca), com o quinto deles sendo um 6-0 na Eslováquia já em junho de 1995, começou o torneio no banco. Só entrou no último jogo da primeira fase. Havia passado à reserva e ainda assim jogou fora de posição, como volante esquerdo.

Os argentinos, já classificados, usaram os suplentes, o que não diminuiu a vergonha: EUA 3-0 e amarga despedida de Espina pelos alvicelestes. Saiu para virar um vencedor no Chile. Foram duas passagens só como jogador no Colo-Colo e quatro títulos no campeonato, quase eliminando (perdeu nos pênaltis) na Libertadores 1997 o futuro campeão Cruzeiro. Como técnico colocolino, promoveu a estreia profissional de Arturo Vidal (2-1 no clássico com a Universidad de Chile). Angariou muito mais prestígio do outro lado da Cordilheira, jogando no clube mais popular do Chile. Ainda como jogador veterano, teve passagem elogiada pelo Racing Santander.

Já na Argentina sua casa é o decadente Platense. Ou era: naquela entrevista, não escondeu mágoa com sua dispensa em 2012 após uma série de apenas três resultados ruins, quando antes o clube liderava a terceirona. Nunca teria mais pisado no estádio de Vicente López. Onde sempre estará: quando os marrons fizeram 110 anos em 2015, elegemos seu time dos sonhos. Espina foi um dos únicos eleitos após os anos 40, época boa em que a equipe era a única “pequena” (desconsiderando o Huracán) ainda não rebaixada. Quase como nos tempos do último grande ídolo, que atualmente é repórter da ESPN Argentina.

Como jogador do Colo-Colo, onde aprendeu a ganhar, esteve na seleção argentina

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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