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15 anos sem Oscar Basso, argentino (duas vezes) do time dos sonhos do Botafogo

Originalmente publicado nos dez anos sem o craque, em 2017, revisto, ampliado e atualizado

Só dezessete jogos pelo Botafogo bastaram para Oscar Alberto Américo Basso virar lenda alvinegra. E isso sem ser campeão, no que deve ser uma proeza única no futebol. Desde 1982, a cada doze anos a revista Placar vinha elegendo o time dos sonhos dos grandes clubes brasileiros. Não fez em 2018, mas em 1982 e 1994 a defesa eleita para o Fogão foi a mesma: Manga no gol, Carlos Alberto Torres e Nilton Santos nas laterais, com Sebastião Leônidas formando o miolo de zaga com o argentino (único substituído em 2006, por Mauro Galvão). Falecido há exatos 15 anos, o limpo Basso também foi bastante reconhecido no futebol de seu país, ainda que não chegasse a defender a seleção. Tal reconhecimento, e também a pendência com a seleção, também se atrelaram a fatores políticos. Vale relembrar sua carreira.

Nascido em 24 de abril de 1922 em Buenos Aires, Basso foi formado no pequeno Tigre, promovido ao time adulto em 1941. Estreou na 16ª rodada, em 1-1 na visita ao Gimnasia, em La Plata, e logo firmou-se na titularidade. Os rubroazuis terminaram com a 7ª melhor defesa do campeonato, algo notável em um cenário onde os grandes eram seis (Boca, River, Racing, Independiente, San Lorenzo e, informalmente, o Huracán). Mas, em 1942, caiu pela primeira vez, já após clubes como Argentinos Jrs (1937), Vélez (1940) e Rosario Central (1941) terem sofrido rebaixamentos prévios. O insucesso não foi exatamente atribuído ao zagueiro, que só participou basicamente de metade inicial da campanha tigrense, até a 17ª das 30 rodadas. Tanto que ele “caiu para cima”, contratado por um River campeão.

Era o River de La Máquina. Basso, contudo, não vingou em Núñez. No campeonato de 1943, só foi usado na 11ª (4-2 no Rosario Central) e na 22ª (derrota de 3-2 para o Lanús) rodadas do vice-campeonato riverplatense; o zagueiro titularíssimo pela direita nos millonarios era o ídolo histórico Ricardo Vaghi. Isso não significou exatamente inatividade, mas uma presença limitada basicamente à equipe B, pela qual o novato inclusive sagrou-se campeão do campeonato da categoria – junto a figuras reconhecidas antes ou depois da história do Millo, casos do goleiro Sebastián Sirni, do ponta Aristóbulo Deambrossi e do armador Antonio Báez. Se não adiantou para Basso firmar-se no time principal, ainda era suficiente para ser repassado a outro gigante.

Em pé na equipe B do River e enfretando-o pelo San Lorenzo: afasta o perigo do craque Labruna após o goleiro já estar batido no lance

Basso foi transferido ao San Lorenzo e ali logo se consolidou no time treinado pelo húngaro Emérico Hirschl. Em uma época de defensores rudes, destacou-se pelo jogo limpo e cavalheiro, ainda que a concorrência fortíssima de uma geração dourada o limasse da seleção: nas Copas América de 1945 e 1946 (ambas realizadas entre janeiro e fevereiro), o beque direito indiscutido era José Salomón, capitão e por trinta anos o recordista de jogos pela Albiceleste. O melhor de Basso viria justamente no decorrer de 1946. Se o ataque icônico do futebol argentino nos anos 40 foi La Máquina do River, o elenco sanlorencista de 1946 conseguiu o feito de somar 90 gols, números não superados por ninguém no campeonato argentino naquela década. Ataque onde se destacavam Rinaldo Martino, na época segundo maior artilheiro do clube, e René Pontoni, ídolo de infância do Papa Francisco.

O jovem Papa tinha dez anos e declarou ter assistido todos os jogos que o time fez em casa naquela campanha. Basso, por sua vez, foi um dos três azulgranas que estiveram em todos os trinta jogos da trajetória campeã, ao lado de Ángel Zubieta (até hoje o mais jovem estreante da seleção espanhola) e de Armando Farro. Foi o único título argentino do Ciclón entre 1936 e 1959 – falamos aqui. Para celebrar o título, o clube organizou sua primeira excursão à Europa, passando por Espanha e Portugal. Basso só não esteve na primeira partida (4-1 no Atlético Aviación, atual Atlético de Madrid) de uma viagem memorável, a incluir um 7-5 e um 6-1 sobre a seleção espanhola, um 3-3 com o Athletic Bilbao, um 1-1 com o Valencia, um 0-0 com o Deportivo La Coruña, um 5-5 com o Sevilla (campeão de La Liga na temporada 1946-47), um 9-4 no Porto e um 10-4 na seleção portuguesa. Aqueles 7-5 sobre a Espanha seriam incluídos em 2020 pelo jornal madrilenho As como um dos 100 jogos históricos dos próprios derrotados, por ter “sepultado o esquema de jogo espanhol”.

Houve Copa América também em 1947. Salomón, fraturado na final do torneio em 1946, já não atrapalharia. Só que aquela edição se realizou em dezembro e não no início do ano. E o San Lorenzo não havia defendido tão bem seu título em gramados argentinos, ficando só em 5º, a onze pontos do campeão River. Basso, por sua vez, se engajava na luta por melhores condições laborais aos jogadores argentinos. Virou o presidente do sindicato da categoria, que deflagrou a famosa greve de 1948. A greve paralisara o campeonato na 25ª rodada, em 31 de outubro de 1948. O San Lorenzo continuou jogando o torneio, mas com a equipe de aspirantes. Os titulares, por sua vez, jogaram três dias depois bem longe dali, justamente na última partida de Basso em sua primeira etapa no Sanloré. E também sua primeira vez no Brasil: vitória de 1-0 sobre o Expresso da Vitória do Vasco. Em São Januário.

San Lorenzo campeão de 1946: Colombo, Vanzini, Zubieta, Blazina, Grecco e Basso; Imbelloni, Farro, Pontoni, Martino e Silva. À direita, Basso na Internazionale: exílio após liderar a famosa greve de 1948

A greve não foi atendida e isso levaria ao exílio de astros de diversos clubes, especialmente ao Eldorado Colombiano. Do San Lorenzo, a lucrativa “liga pirata” da Colômbia levou Jorge Benegas ao Millonarios (que levara Alfredo Di Stéfano e outros craques do River, como o citado Antonio Báez), enquanto o Santa Fe atraiu Pontoni, Ángel Perucca, um jovem Héctor Rial (futuro parceiro de Di Stéfano no Real Madrid penta da Liga dos Campeões, até marcou o gol do primeiro título daquela série madridista) e até mesmo um inglês do Manchester United (Charlie Mitten). A Europa foi outro destino natural. Martino, Basso e o reserva Roberto Aballay rumaram à Itália, respectivamente para Juventus, Internazionale e Genoa – o enfraquecimento advindo da debandada foi uma das razões para a Argentina não participar das eliminatórias da Copa de 1950, temendo um vexame.

Basso ficou só uma temporada no calcio; em 1950, deixou de ser nerazzurro para virar alvinegro no país vice-campeão mundial. Geraldo Romualdo da Silva, do Jornal dos Sports, escrevera sobre o Botafogo ao argentino. Já no Brasil, foi levado a General Severiano pelo radialista Luís Mendes, um dos que futuramente o elegeriam para o time botafoguense dos sonhos: “era um argentino louro, alto, de técnica refinada, como o Domingos da Guia”, declararia Mendes. Basso só jogou o Estadual de 1950 (que já estava em andamento), o primeiro na Era do Maracanã. Naquele estadual, o Botafogo ficaria só em 4º, atrás até de Bangu e America, resultado que hoje seria um escândalo, mas não ali: os rubros, por exemplo, lideravam com cinco pontos de vantagem faltando três rodadas, mas foram derrotados nas três. Incluindo no jogo contra o Botafogo, ainda um clássico em tempos em que só três títulos estaduais separavam os dois. Tempos em que, na era pré-Garrincha, as torcidas americana e botafoguense tinham quantidade próxima de adeptos.

Moça Bonita, por sua vez, abrigava não só o craque Zizinho como também outro beque argentino dos mais reconhecidos no Rio de Janeiro, o ex-vascaíno Ramón Rafanelli. Basso, por seu lado, até estreou perdendo de 1-0 para o Canto do Rio, mas venceria doze dos seus outros quatorze jogos no torneio: 2-1 no Bonsucesso, 1-0 no Vasco, 1-0 no Flamengo, 4-1 no Madureira, 7-2 no Olaria, 2-0 no São Cristóvão, 3-1 no Canto do Rio, 3-0 no Madureira, 4-2 no Flamengo, 4-3 no Bangu, 3-3 com o Fluminense, 1-0 no Bonsucesso, derrota de 2-0 para o Vasco (o campeão) e aquele 2-1 no America. O Botafogo terminou a seis pontos do título após um torneio de pontos corridos de 34 rodadas, no qual o Glorioso contou com Basso somente em cerca de metade delas. É de se imaginar como poderia ser com o reforço atuando o campeonato inteiro, encerrado já em janeiro de 1951.

Basso entre Di Stéfano e o bigodudo José Manuel Moreno (descrito como superior a Maradona pelos argentinos mais antigos), em evento na cidade uruguaia de Colônia do Sacramento em benefício ao sindicato de jogadores argentinos, presidido por Basso

“Me orgulho de ter jogado com Nilton Santos, um grande companheiro”, declararia Basso após ser (re)eleito em 1994 para o time botafoguense dos sonhos. Os cariocas mais velhos não se esqueceram: dentre os que elegeram o argentino de menos de duas dezenas de partidas em General Severiano, estiveram as figuras ilustres do próprio Nilton Santos, Didi, Zagallo, Armando Nogueira, Sandro Moreyra, Paulo Amaral, dentre outros: veja você mesmo clicando aqui (página 53) e aqui (página 55).

Sobre a escolha, acolhemos as palavras de Emmanuel Do Valle, um especialista no futebol carioca pré (e após também) anos 70: “salvo raras exceções, o Botafogo teve poucos zagueiros de destaque até os anos 60, mesmo quando formou grandes times. O forte do Botafogo sempre foi o ataque. Naquele período de ouro entre 1957 e 1962, pode observar que a defesa é constantemente alterada. Os únicos que se firmam (e entram para a história) são Nilton Santos e Pampolini. Mesmo em termos de goleiro, o Botafogo testa vários até a chegada do Manga. E jogador da antiga costuma votar em jogador da antiga. Como o Basso, mesmo jogando pouco, era um oásis de técnica na zaga central do Botafogo na época deles, então o escolheram. É o que faz, por exemplo, colocarem Carlos Alberto Torres como maior lateral-direito da história do clube, tendo jogado só cinco meses.”

Em 1951, Basso foi anistiado na Argentina por seu papel na greve e acertou sua volta ao San Lorenzo; reestreou na liga argentina na 16ª rodada daquele ano, um 0-0 com o River, em 29 de julho; o mesmo duelo, no returno, com Basso em campo, seria o primeiro jogo televisionado da história do futebol argentino. A qualidade do defensor seguia ali: ídolo do Boca naqueles anos 50, José Borello declararia que “eu preferia jogar contra [Pedro] Dellacha ou Federico Pizarro, que iam ao choque. Por outro lado, ficava louco com Oscar Basso, que te antecipava sempre e saía jogando” (o tal Dellacha, de fato, seria descrito por Pelé como seu mais duro marcador).

O time botafoguense dos sonhos em 1982: Carlos Alberto, Manga, Basso, Sebastião Leônidas, Gerson e Nilton Santos; Garrincha, Didi, Heleno de Freitas, Jairzinho e Zagallo

Sem faltar em um só jogo da liga em 1952, 1953 e 1954, o beque penduraria as chuteiras em 1955 após um ano inteiro só sendo utilizado em amistosos dos cuervos. Pois, naquele 1955, a revista El Gráfico dedicou-lhe essas palavras: “quão terá jogado esse homem que brilhou frente aos forwards que o enfrentaram com tudo, porque sabiam que não receberiam golpes!”. Ao todo, Basso defendeu o San Lorenzo em 209 jogos no campeonato argentino, registrando onze gols. Não era de ir ao ataque; só um de seus gols foi com bola rolando, no 2-2 com o Racing em 1945. Com habilidade: passou pelo adversário Ruperto Castro e soltou um chute forte de 25 metros. Os demais dez gols vieram no segundo ciclo no San Lorenzo, como novo cobrador oficial de pênaltis, destacando-se sobretudo em 1952: fez cinco, incluindo em cada jogo contra o Boca (vencido em ambos, com o zagueiro fazendo o da vitória na Bombonera).

Dentre os jogos de segunda etapa de Basso no Ciclón, destaque a alguns amistosos internacionais, como o 8-4 já em 1951 em Bogotá no Santa Fe daquele Eldorado Colombiano (o oponente tinha, além dos ciatdos Pontoni e Rial, também o futuro goleiro flamenguista Eusebio Chamorro); um 4-1 sobre os ex-colegas de Botafogo em 1953; em 1954, um 3-3 com o Santos, já com Zito; e um 2-1 sobre o Rot-Weiss Essen, de Helmut Rahn (autor do gol do título da Copa do Mundo daquele ano) e que seria campeão alemão-ocidental na temporada 1954-55; e um 5-0 no Estrela Vermelha já em janeiro de 1955.

A morte de Basso, há quinze anos (e não em 2008, como sugere a não confiável Wikipedia) foi a parte triste de um primeiro semestre festivo que o San Lorenzo teve em 2007, no qual o elenco de Ezequiel Lavezzi e Gastón Fernández conquistou dali a alguns dias seu único título entre 2002 e 2013. No ano seguinte, o clube celebrou seu centenário e publicou-se então o Diccionario Azulgrana, com verbetes de TODOS os jogadores que defenderam os cuervos, com um seleto grupo de personalidades merecendo uma página inteira ou mais. Basso foi uma delas, descrito como “um pedaço substancial da história azulgrana” e “um jogador de ouro para uma época de ouro”. Bem antes, na época em que o clube perdeu o estádio Gasómetro, a revista El Gráfico recordou do zagueiro como alguém que desarmava limpamente e então saía jogando “como se pedisse licença”. Em 2018, escalamos ele no time sanlorencista dos sonhos, para o aniversário de 110 anos do clube.

Basso é um dos diversos pontos em comum da história entre San Lorenzo e Botafogo, a incluir longos jejuns, despejo de estádios e ídolos como Rodolfo Fischer e Loco Abreu: saiba mais. E clique aqui para ver todos os argentinos da história do Botafogo.

O time botafoguense dos sonhos em 1994: Carlos Alberto, Manga, Basso, Nilton Santos, Sebastião Leônidas e Didi; Garrincha, Jairzinho, Heleno de Freitas, Gerson e Amarildo

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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