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35 anos sem o maior (e melhor) artilheiro profissional do Racing. Também o melhor jamais aproveitado pela seleção

O século XXI ainda não conheceu ídolo no Racing maior do que Diego Milito. Mas ele perde feio para diversos atacantes de lá em média de gols (só 52 em 189 jogos), incluindo para um do próprio século XXI, Facundo Sava e seus 29 gols em 66 partidas. Em 2013, a revista El Gráfico lançou edição especial sobre os 110 anos do clube e apresentou Evaristo Vicente Barrera exatamente como “um Sava dos anos 30”. Comparação até grosseira: Barrera fez incríveis 136 gols em 142 jogos. Números relativos e absolutos ainda insuperáveis no profissionalismo blanquiceleste. Faleceu há exatos 35 anos.

Nascido em Rosario em 30 de setembro de 2011, cresceu em Cruz del Eje, no interior cordobês. Despontou em um dos principais clubes da província, o Instituto. O Racing o importou em 1933, ano do único título que o atacante logrou: a Copa Competencia, uma Copa Argentina só com os seletos clubes da liga profissional, desde 1931 dissidentes da associação argentina oficial ligada à FIFA. Essa associação ainda era amadora e assim a seleção foi à Copa do Mundo de 1934 representada só por amadores.

Não que Barrera fizesse jus à convocação ao mundial, ao contrário do que sugere seu perfil em outra El Gráfico especial, a que elegeu em 2011 os cem maiores ídolos da Academia (sem ele na capa, mas com Milito). Não foi titular na final da Copa Competencia. E, exceto os três gols que fez em um 4-1 sobre o Lanús, não teve um campeonato argentino exatamente deslumbrante. Foram só oito gols somando as demais rodadas. O primeiro gol só veio na quarta partida e a própria El Gráfico (publicada desde 1919) escreveu sobre ele naquele ano que “Evaristo Barrera poderá jogar bem, regular ou mal, mas o mais difícil que acontece será o primeiro”.

A impressão equivocada daquela El Gráfico de 2011 deve ser fruto do que Barrera conseguiu no ano da Copa. Barrera surpreendeu e foi artilheiro com 34 gols, enquanto seu Racing ficava apenas em sexto – mas vale lembrar que o campeonato começou em 15 de abril, a apenas um mês e meio do mundial. O centroavante vazou todos os demais grandes, incluindo o “sexto grande” (como visto na época) Huracán e em dois clássicos com o Independiente (3-1 e 1-1).

Barrera, porém, ficou de fora também da Copa América de 1935, travada logo em janeiro, ou seja, imediatamente após seu sucesso. Apesar dos números, contra ele pesava a falta de agilidade e de leveza, defeitos que lhe renderiam o apelido de Ómnibus. Em suma: um atacante premiado mais com oportunismo e faro do que com habilidade, o que não bastava contra a fortíssima concorrência da época. Ele “não era muito bom. Sobretudo para essa época. Um grandalhão com potência e olfato para meter gols, nada mais”, explicou o especialista Esteban Bekerman.

De fato, o cenário se repetiu em 1936 (ano em que abriu um triunfo de 4-2 sobre o Independiente, marcando ainda outro gol). Barrera foi outra vez artilheiro do campeonato, com 18 gols em um certame de turno único, com destaque aos cinco em um 7-2 no Chacarita. Semanas depois, houve nova Copa América, travada do fim de dezembro daquele ano até janeiro de 1937. A média de 0,95 gols de Barrera não é só a melhor de um jogador argentino jamais aproveitado pela seleção: é a segunda melhor do próprio campeonato argentino.

Racing de 1933. Barrera não era a figura central ainda: é o primeiro agachado

Essa média só foi superada pela de Bernabé Ferreyra, outro goleador monstruoso que igualmente não teve êxito na seleção (só quatro jogos, sem marcar). Falamos dele há alguns dias, explicando como ele foi responsável por tornar o River um clube popular. De fato, quando Barrera já fazia sucesso, as crônicas da imprensa já eram outras: “o Racing tem o seu Bernabé”. Se Barrera ainda poderia ter chances de ir à Copa do Mundo de 1938, dessa vez a politicagem sim atrapalhou: descontente por perder a sede do evento para a França, acreditando que ele deveria alternar-se entre Europa e América do Sul e julgando-se natural merecedora de recebê-lo, a federação argentina desistiu de jogar as eliminatórias.

O Racing também já não era exatamente bem organizado naquela época: Barrera, que nunca conseguiu viver luta a sério pelo título argentino, largou o clube em 1939 reclamando de meses e meses sem receber salários. Deixou para o final sua melhor impressão: em 1938, o clube conseguiu nada menos do que TRÊS jogos seguidos marcando oito gols no adversário. Barrera somou dez gols na série implacável, com três um um 8-2 no Platense, dois em outro 8-2, no Estudiantes (em La Plata), e cinco no 8-1 sobre o Lanús. Precisamente os seus últimos gols pelo clube de Avellaneda. A Lazio havia contratado para técnico o argentino Alfredo Di Franco, que não hesitou em recomendar diversos compatriotas.

Até 1940, o clube romano reuniu uma colônia argentina, importando Barrera, Enrique Flamini (também do Racing), Silvestre Pisa (Independiente), Anselmo Pisa (Banfield), Alberto Fazio e Salvador Gualtieri (ambos San Lorenzo). Quem se daria melhor foram os coadjuvantes: Barrera, concorrendo com o astro Silvio Piola, não empolgou, o que não o tirou do calcio. Rumou por diversos clubes menores, com algum destaque por Napoli e Ascoli. E se enraizou em Novara, trabalhando no clube local como jogador e treinador, incluindo a última temporada da equipe celeste do Piemonte na elite italiana entre 1956 e 2011. Foi naquela cidade onde faleceria, em meio à Copa do Mundo de 1982.

A data de 7 de junho de 2017 também marca outro aniversário redondo de falecimento de um ídolo do Racing: cinquenta anos sem o zagueiro Fernando Paternoster (que por algumas semanas não viu seu ex-clube vencer a Libertadores em 1967), vice-campeão olímpico e da Copa pela Argentina em 1928 e 1930 e campeão da Copa América de 1929. Foi um defensor alto e magro apelidado de Marqués pela elegância e cavalheirismo em campo: “nunca poderia ir sobre o rival; para mim, acima está o jogo limpo. É mais importante a bola do que a perna de quem a leva”, explicava.

Essa boa fama que pesou no primeiro jogo profissional do clube: apesar do 5-1 no Platense, ele e o colega Pedro Pompey trocaram agressões. O capitão Natalio Perinetti, também da Copa de 1930 e único remanescente do hepta nacional seguido nos anos 10, não teve dúvidas em mandar expulsar alguém do próprio time. Que foi Pompey.

Paternoster defendera antes Sportivo Boedo e Atlanta, passando pelo Racing entre 1927 e 1932. Sua nobreza não foi retribuída, com uma lesão em 1933 virtualmente encerrando sua carreira, ainda que tenha voltado por parcos minutos pelo Argentinos Jrs em um time de veteranos astros em 1936. Paternoster depois seria um dos pioneiros do futebol colombiano, trabalhando como técnico da seleção cafetera em 1939, muito antes de imaginar-se o Eldorado vivido por lá (e que tanto atraiu argentinos) na virada dos anos 40 para os 50. Foi o técnico do primeiro título do maior campeão local, o Atlético Nacional, em 1954. No vizinho Equador, experimentou suas últimas glórias no futebol, treinando o Emelec campeão provincial de 1962, 1964 e 1966 e nacional de 1965.

Paternoster na seleção em 1929 com o capitão uruguaio José Nasazzi (ambos nasceram em 24 de maio!) e como técnico do Emelec

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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