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10 anos do título argentino do Arsenal. Ele e o vice lutavam pelo título e também para não caírem!

Publicado originalmente na meia década da conquista, em 24-06-2017

A data de 24 de junho de 2012 foi o dia em que Julio Grondona chorou e sua família fez festa, conforme notícias da época publicadas no Futebol Portenho. Pudera: o clube familiar, oficializado em 11 de janeiro de 1957 para minorar o luto do velho chefão da AFA pela perda do pai em 1956, vencia pela primeira e única vez a elite argentina, o primeiro a conseguir isso tendo jogado as cinco divisões. O incrível é que não só o campeão brigava para não cair, um roteiro não raro desde a implantação dos polêmicos promedios em 1983, como também o vice Tigre, que antes de decidir a Sul-Americana no fim do ano chegou à última rodada do Clausura podendo ser campeão… e rebaixado!

O Arse já existia desde pelo menos 1943, juntando torcedores de Racing e Independiente (daí as cores) em Sarandí, subúrbio de Avellaneda no qual o avô de Grondona se instalara após ser deserdado na Itália pela família, que não aprovava seu casamento. O pai do cartola nasceu já na Argentina e criou uma serralheria que prosperou, permitindo que Julio estudasse engenharia na Universidade de La Plata. Julio deixou os estudos para virar chefe da família após 1956. “Era tanta a dor e a obsessão pela morte do meu velho que precisava de algo para suprir o pensamento permanente nele”. O time informal de bairro onde jogava (“no fim de semana, fazíamos guerra e na segunda devia atender do outro lado do balcão um cara com quem havia andado aos socos”), inclusive ao lado de um jovem Roberto Perfumo, foi oficializado pouco depois e assumido por todos os Grondona.

Além de Julio, foram presidentes seu irmão Héctor, também técnico e maior artilheiro do clube; o filho Humberto (nascido no mesmo 1957, e que leva o nome do avô), que também jogou e treinou o clube, com passagens de técnico também pela dupla de gigantes vizinha; Gustavo, sobrinho filho de Héctor que também jogou; e o filho Julito é o atual presidente rubroceleste. Uma ironia é que o estádio foi erguido em terreno doado por Alberto De Stéfano, irmão de Juan De Stéfano, futuro presidente do Racing – época em que foi adversário de Julio Grondona quando este, antes de assumir a AFA, presidia o Independiente. Um dos protagonistas do título, Luciano Leguizamón apontou o lado positivo: “é um clube sem pressões, onde não há eleições. É o clube dos Grondona, eles manejam. E manejam muito bem”.

A chegada à elite veio em 2002 (em trajetória que as demais torcidas amaram odiar, memória revivida com a suspeita ascensão meteórica recente do Barracas Central, por sua vez o clube do atual chefão da AFA…) e em cinco anos uma instituição de só três mil sócios já era campeão continental na Sul-Americana, em 2007, justo nos 50 anos de história oficial. “Não valorizarão essa Copa como você e o Arsenal merecem e isso será minha culpa”, lamentou Grondona ao técnico da façanha, Gustavo Alfaro.

Alfaro seria o mesmo treinador outros cinco anos depois, naquele Clausura, e também na vitoriosa Copa Argentina de 2013. “Construir uma equipe sólida leva muito tempo e destrui-la, destróis da noite para o dia. Quando saí, destruíram o coração dessa equipe: saíram Nervo, Campestrini e Bicho Aguirre, tiveram problemas com Marcone, perdeu-se a essência”, lamentaria Alfaro em 2015, já demitido. Levou mesmo algum tempo: saíra antes em 2008 e voltou em 2010, e ao fim do Apertura 2011 o clube estava só três posições acima dos quatro condenados na tabela de promedios, onde voltou a se afundar sem o treinador: brigou para não cair em 2017.

Julio Grondona como jogador do Arsenal. Ao meio, o time nas divisões inferiores com patrocínio simbólico dos Alfajores Jorgito, conhecidos pelo baixo glamour. E o acesso à elite em 2002

Outro de ascensão e queda era o Tigre: o Matador subira à elite em 2007 após ausente desde 1980. De forma meteórica e contando com o veterano lateral Rodolfo Arruabarrena (técnico em 2012), foi vice da elite em 2008 apenas nos critérios de desempate contra o Boca, mesmo vencendo-o no jogo final. Mas ao fim do Apertura 2011 era o penúltimo entre os condenados. Dessa forma, ninguém apostava muito na dupla. Campeão invicto pela primeira vez em sua história em 2011, ainda que com um futebol mais de resultados do que vistoso, o Boca era natural favorito e de fato lutou bem em três frentes naquele semestre: na raça, foi vice da Libertadores, ganhou a Copa Argentina e liderou boa parte do Clausura.

O Vélez era outro cotado, embora também se focasse na Libertadores, onde seria eliminado pelo Santos de Neymar. O Arsenal também jogou a Libertadores de 2012 (o 3º lugar no Apertura 2010 lhe pôs na Sul-Americana 2011, onde foi o melhor argentino, conseguindo assim a vaga em La Copa), mas caiu na primeira fase no grupo de Boca e Fluminense. Pôde focar-se só no torneio doméstico.

E as outras camisas tradicionais? O River estava na segundona junto de Rosario Central, Gimnasia LP e Huracán. O San Lorenzo, penúltimo nos promedios, buscava evitá-la até politicamente e por milagre não caiu, conseguindo ir à repescagem contra o Instituto de Córdoba (pior para o adolescente Paulo Dybala, às lágrimas enquanto Walter Kannemann comemorava). Racing, vice no Apertura 2011, e Independiente disputavam quem era o pior de Avellaneda, pois ficaram respectivamente em 16º e 17º – o que não impediu jogos memoráveis do Rojo, que, mesmo acabando de demitir o técnico Ramón Díaz, impôs o histórico 5-4 no Boca na Bombonera com tripleta do refugo Ernesto Tecla Farías ou o 4-1 no clássico (resultado que provocou as saídas do técnico-ídolo Alfio Basile e do polêmio Teo Gutiérrez, repassado ao Lanús para a Libertadores). Afinal, sem o River (o Millo venceu a segundona na véspera, em 23 de junho), o dérbi de Avellaneda era o superclássico da temporada.

Porém, alertávamos que o Rojopensava no rebaixamento para 2013, embora a torcida apoiasse o presidente Javier Cantero contra os barrabravas; para piorar, Gabriel Milito anunciou aposentadoria com o torneio em andamento, após mais uma lesão. O Estudiantes, ainda que longe do precipício, também vinha em baixa desde o ano anterior. Juan Sebastián Verón havia se programado para aposentar-se ao fim de 2011, mas mudou pela primeira vez de ideia e inicialmente esticou a carreira até o fim daquele Clausura.

Já o Newell’s, que começou o torneio seriamente ameaçado (empatado com o Arsenal nos promedios), contratou para técnico o velho ídolo Gerardo Tata Martino, que já ali deu mostras do bom trabalho que viria: 6º lugar, a um ponto do bronze. Até sonhou com o título, assim como o 5º All Boys, outro nanico a se aproveitar da má fase dos clubes mais expressivos e que igualmente chegou a sonhar. Terminou empatado em pontos com o 4º Vélez (que acabara de contratar Lucas Pratto) e o 3º Boca, na melhor campanha do Albo.

Gustavo Alfaro com a Sul-Americana 2007 e na conquista do Clausura 2012. Ainda venceria a Copa Argentina 2013. Maior técnico do Arse, sem dúvidas

O vice Tigre, que o artilheiro do campeonato no ídolo Carlos Luna (presente no acesso em 2007 e na Copa da Liga de 2020, El Chino pendurou as chuteiras no ano passado como segundo maior goleador tigrense, abaixo só de Juan Marvezy), acumulou 36 e o Arsenal, 38. Mesmo o 9º Estudiantes chegou a liderar em algum momento, no embalo de treze jogos invictos. Foi ainda no início do campeonato, graças, curiosamente, à vitória do Arsenal sobre o Tigre, resultado que adiante faria a diferença. Afinal, o Tigre começou logo em alto nível, lembrando os tempos do Arruabarrena jogador. E em março chegou a ocupar a liderança, o que não mudou os planos iniciais de fugir do rebaixamento.

Essa situação esdrúxula de ser líder e permanecer na zona motivou esta outra matéria. Em abril, o Boca já era o líder. Mas o Tigre, com o olho do retrovisor, atropelava. A ponto de uma vitória por 2-1 sobre o Boca ainda em abril terminar em pancadaria entre jogadores auriazuis e torcedores oponentes. Em abril, o Arsenal também chegou a liderar, graças a um empate do Vélez, mas o Boca ainda se recuperava. Um confronto direto com o Newell’s, no dia 23, rendeu o único gol do reserva mais ilustre do time futuramente campeão: um ainda anônimo Darío Benedetto (o careca na imagem que abre essa matéria) abriu o placar empatado em Sarandí pelos rosarinos. Já o mês de maio viu uma verdadeira dança de cadeiras. Segundo Alfaro, a crença no título veio na 13ª rodada, no 3-1 sobre o Independiente.

Na rodada seguinte, o clube de fato goleou por 4-1 fora de casa o San Martín e chegou à liderança. Que foi tomada pelo Newell’s, que venceu seu jogo enquanto Boca e Vélez empatavam entre si. Newell’s que na rodada seguinte perdeu confronto direto para o Tigre e foi por ele ultrapassado. Os rosarinos perderam de vez o embalo após tomarem virada de 3-2 em jogo onde derrotavam o San Lorenzo por 2-0. O triunfo heroico tirou os azulgranas da zona de rebaixamento direto. O Tigre também saiu, após bater o próprio San Lorenzo naquele que foi visto como “o jogo da vida” para ambos, segundo Arruabarrena.

Avançando cada vez mais nos mata-matas da Libertadores, o Boca perdeu força na reta final. A penúltima rodada reservou confrontos diretos no G4. A primeira final antecipada foi entre Tigre e Vélez, cujo craque era Juan Manuel Martínez. O futuro corintiano estava em fase tão boa que sua especulação por 3 milhões de dólares ao Valencia era vista como irrisória. Já o Martínez do Tigre era o Román, para quem o campeonato para ele e colegas era deixar o clube na primeira. Mesmo fora de casa, os rubroazuis fizeram barba, cabelo e bigode: venceram por 1-0, saíram até da zona de repescagem e assumiram a liderança. Román Martínez agora desabafava que que “ninguém dava nada” pelos rubroazuis. Restava aguardar Boca x Arsenal.

O Viaducto, mesmo em La Bombonera, deu um show inapelável: 3-0, dois gols de Leguizamón (maior artilheiro rubroceleste na elite) para reassumir a ponta, a um passo do título – logo Leguizamón, que dez anos antes chorava a perda do acesso de seu Gimnasia de Entre Ríos exatamente para o Arsenal. Assim, o pessoal do Tigre retomou o velho discurso: Arruabarrena declarava preferir manter a categoria. Afinal, o Matador ainda estava com um pé no céu e outro no inferno (já quem só via o inferno era o San Lorenzo, que poderia ser rebaixado na penúltima rodada: na época, bem antes da glória na Libertadores, Néstor Ortigoza escancarou que treinavam usando roupas sujas).

Luciano Leguizamón, Lisandro López (o zagueiro) e Cristian Campestrini, em produção para a revista El Gráfico

O técnico rubroceleste Alfaro, por sua vez, foi diplomático: para ele, tanto Arsenal como Tigre mereciam o título e uma eventual final, se necessário um jogo-extra, não seria injusta. E nada improvável: ambos estavam empatados e jogariam em casa. Os de Sarandí pegariam o Belgrano e os de Victoria receberiam aquele péssimo Independiente. E era o que ocorreria ao fim do primeiro tempo, com os líderes vencendo por 1-0. O artilheiro Chino Luna anotou para o Matador, e Lisandro López, para o Arse. Foi o segundo gol da carreira do zagueiro, após aquela bicicleta contra o Olimpo em 2010 eleita entre os dez melhores gols do ano pela FIFA.

Curiosamente, Lichi esteve para ser vendido ao Internacional antes dos colorados comprarem “o outro” Lisandro López, o atacante apelidado de Licha. “Você vai ter grana no banco, mas nos vamos ao descenso e eu morro”, vetou Grondona em pessoa ao filho Julito. Nos primeiros quatorze minutos do segundo tempo o Independiente, de olho na calculadora para a temporada seguinte, virou, dois gols de Patito Rodríguez. A derrota não só alijava o Tigre do título como o colocava de volta na repescagem contra o rebaixamento. Cachete Morales tranquilizou e empatou, o que bastava para sair da zona. Não para ser campeão, com o título tigrense sendo mesmo escapar da queda: o 1-0 do Arsenal se manteve e rendeu um domingo com diversas facetas históricas sentidas no momento.

Afinal, achava-se na época que seria o último torneio curto no país. Verón desdenhava que a retomada de um campeão por temporada mudasse algo. E nada mudou mesmo: os nomes Apertura e Clausura foram apenas trocados por Inicial e Final, sendo que a temporada seguinte teve um fator esdrúxulo à parte, com uma final entre os campeões de Inicial e Final valendo um título argentino em separado (!). Nada que apagasse o feito do campeão que começou com um empate e três derrotas e terminou vencendo onze de dezenove jogos.

Curiosamente, com o tempo o título mais expressivo do Tigre viria sob circunstâncias similares às de 2012, ao vencer, sob regência de Walter Montillo, a Copa da Liga em 2020 mesmo já condenado previamente pelos promedios. Já em 2012 premiou-se uma defesa sólida, vazada só 15 vezes: obra da dupla de zaga formada por Lichi López e Guillermo Burdisso (irmão de Nicolás) e do goleiro que tornou-se o primeiro jogador do Arse a defender a seleção, ainda em 2009 (Cristian Campestrini, por sinal o goleiro do Tigre de 2007).

A revista El Gráfico concluiu: “sejamos sinceros, a nobreza obriga: o Arsenal vem se mantendo sem aditivos, por méritos esportivos, pelo esforço dos jogadores e a sabedoria dos seus técnicos, pelo equilíbrio e sagacidade que vem sabendo manejar seus dirigentes. A mensagem do Arsenal é outra: com ordem, trabalho, disciplina e uma identidade de jogo, até o mais humilde pode desfilar reluzindo a coroa de campeão. Até esse clube de bairro que nasceu de uma dor”.

https://twitter.com/ArsenalOficial/status/1540308171524382722

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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