Primeira Divisão

70 anos de Omar Larrosa, campeão da Copa de 1978 e artilheiro do lendário Huracán vencedor de 1973

Omar Rubén Larrosa (leia “Larôça”, não “Larróza”) não é o primeiro nome a ser lembrado na campanha pela primeira vez campeã da Argentina em Copas, mas jogou as duas partidas mais importantes: contra o Peru, onde foi titular e partícipe de três dos seis gols, e boa parte da final contra a Holanda, substituindo o ícone Osvaldo Ardiles. Ele foi, sobretudo, o goleador do time que foi semente para aquela conquista: o Huracán campeão do Torneio Metropolitano de 1973 – o treinador era César Menotti, que por causa daquele feito assumiria a seleção. Hoje faz 70 anos aquele antigo ponta-esquerda lento a inábil convertido em volante de grande leitura de jogo, revelado no Boca e com passagens ainda por outros dois gigantes, Independiente e (heresia!) San Lorenzo.

Larrosa não cresceu miserável, dispondo de um sítio familiar com árvores frutíferas e galinheiro, mas sua narrativa não foge da clássica trajetória de ascensão social dos jogadores que, outrora humildes, precisaram exercer trabalho infantil em dado momento. Para ele, foi a partir da perda do pai, aos 13 anos. Parou a escola na sexta série. A 15 quadras de casa, trabalhava das 6 da manhã às 3 da tarde durante a semana e de 7 às 11 nos sábados. “Era tanto o entusiasmo em jogar que não sentia o cansaço”, declarou Larrosa (que morava próximo de Villa Fiorito, a favela famosa por abrigar o jovem Maradona) em entrevista neste ano na qual detalhou essa parte da vida; na época, foi levado a testes no Boca por um tio. Um de seus treinadores foi o mitológico Adolfo Pedernera, considerado o melhor jogador argentino da história por quem o acompanhara nos anos 40 (ironia: no River).

Pedernera, sabendo do emprego do garoto na metalurgia, chegou a bancar-lhe uma ajuda de custo no valor do salário que Larrosa lhe contara receber lá, para pudesse ter dedicação integral. Foi só ao receber o primeiro salário propriamente do Boca que o garoto notou isso: exigiram-lhe pela primeira vez que assinasse um recibo no clube. Após passar por todas as categorias juvenis, teve sua primeira vez no time adulto do Boca em amistoso de 1-0 contra o Quilmes na antevéspera de Natal em 1966. Mas foi necessário esperar mais um ano inteiro para voltar a ser usado; em jogos competitivos, a estreia foi na rodada final do Torneio Nacional de 1967 (derrota de 2-0 para o Rosario Central, em 15 de dezembro). Pouco usado em 1968, foi emprestado ao Argentinos Jrs no ano seguinte.

Foi importante para evitar o rebaixamento dos colorados, marcando duas vezes no 4-1 sobre o Gimnasia LP, na rodada final do torneio-repescagem pela permanência. O time teve somente um ponto a mais que os rebaixados Deportivo Morón e Banfield. Larrosa voltou ao Boca em 1970, participando do título do Torneio Nacional, mas no máximo como um 12º jogador. Seu último jogo como xeneize foi em 10 de dezembro daquele ano, entrando no intervalo para marcar o gol do clube no empate em 1-1 com o combinado “Resto da América” – era o jogo-despedida do ídolo Antonio Rattín. Ao todo, considerando amistosos, foram 70 jogos (aproximadamente metade como titular) e 7 gols pelo Boca.

No Boca, foi campeão jogando pouco. No clássico de bairro, foi campeão no Huracán e rebaixado no San Lorenzo

Sem nunca vingar de fato (segundo ele próprio, por falta de maturidade, sem a gana e atitude que demonstraria posteriormente), sua grande conquista por lá foi a esposa, irmã de Rubén Suñé, seu colega de elenco desde o primeiro juvenil. Com os times em má situação financeira, a AFA ordenara que os contratos profissionais de cada um fossem reduzidos de 25 para 20. Larrosa foi um dos “cortados” pelo treinador, mas o presidente tinha a intenção de empresta-lo ao Ferro Carril Oeste. Larrosa negou, lembrando dos quatro meses sem receber no Argentinos Jrs, e ganhou passe livre. Pedernera recomendou-lhe ao futebol mexicano, o destino inicial. Mas ela até na Guatemala jogou (“fomos campeões e meti um montão de gols. Há uns anos o Deportivo Municipal me convidou para me fazer uma homenagem, porque dizem que fui o melhor estrangeiro que jogou na Guatemala”).

Larrosa voltou à Argentina no fim de 1971 e se declarou à disposição em reportagens. Iria acertar com o Gimnasia, comprometendo-se a definir os detalhes finais pessoalmente na sede do clube, em um sábado. Diversos acasos o levaram ao Huracán: ausente do país, Larrosa estava sem carro e pediu emprestado o do cunhado Suñé. O motor não funcionou em dado trecho da viagem a La Plata e o jogador foi apanhado pelo sogro. Tratou de explicar o contratempo ao presidente gimnasista por volta do meio-dia, sendo solicitado que adiasse o encontro para o fim da tarde da segunda-feira. Na manhã daquele dia, leu no jornal que César Menotti iria começar a treinar o Huracán. Resolveu comparecer para cumprimentar o ex-colega de Boca.

Menotti, que já o havia convidado a jogar no Newell’s quando era auxiliar técnico por lá, renovou o convite. Fizeram-lhe um contrato imediatamente. O Huracán de Menotti havia terminado em 1971 de modo irregular, mas decisivo, “tirando” o campeonato do Vélez para dar ao Independiente. Já em 1972, o Globo evoluiu para um 3º lugar no Metropolitano. Havia trinta anos que a equipe não fazia uma campanha tão boa, desde o 3º lugar em 1942. A ascensão foi ofuscada pelo desempenho ainda melhor do rival San Lorenzo, campeão tanto do Torneio Metropolitano como do Nacional. A resposta veio em 1973, como relembramos anteontem. O Huracán encerrou 44 anos de jejum em altíssimo estilo.

A campanha, de um futebol vistoso, lembrou a do Corinthians de 2017: um primeiro turno notável e algum declínio no segundo, onde o time começou a ser reiteradamente desfalcado por convocações da seleção. Larrosa era justamente o único membro do quinteto ofensivo com René Houseman, Carlos Babington, Roque Avallay e Miguel Ángel Brindisi (todos convocados à Copa de 1974; Avallay terminaria cortado por lesão) ausente dessas chamadas. Assim, foi a referência ofensiva na segunda metade da campanha, onde as goleadas deram lugar a vitórias por um gol de diferença, além de ser cobrador oficial de pênaltis. Destacou-se sobretudo no 3-2 sobre o Newell’s na 19ª rodada, marcando os três gols quemeros (dois, de pênalti). Ao todo, foram 16 gols, seis deles de bola rolando, incluindo um no 5-0 sobre o Rosario Central. No Gigante de Arroyito.

No Huracán: artilheiro do time campeão de 1973 e peça-chave das boas campanhas entre 1972 e 1976

Larrosa também foi vice-artilheiro geral do campeonato, posto que teria sido seu se não errasse dois pênaltis nas últimas rodadas, com o título assegurado desde a antepenúltima. Mas evitou que a festa na última rodada fosse aguada, empatando um jogo que o Boca havia virado por 2-1 no estádio Ducó. Para mais detalhes daquele torneio histórico, clique aqui. O clube também chegou às semifinais da Libertadores de 1974, campanha em que Larrosa marcou um dos gols no 4-0 sobre o Rosario Central de Mario Kempes, em tira-teima para definir o líder do grupo, o único que avançaria em um regulamento duríssimo. No triangular-semifinal, o Globo começou bem, chegando a arrancar empate em 1-1 com o Peñarol dentro do Centenário – com outro gol da Larrosa, acompanhado no elenco pelo cunhado Suñé. Sucumbiria naquela fase, em chave a contar ainda com o campeão Independiente.

Menotti assumiria a seleção dias depois. Mas o clube de Parque de los Patricios continuou uma potência em curto prazo: em 1975, chegou a aspirar ao título na reta final do Metropolitano, diante de um líder River que cambaleava, mas os millonarios terminaram mesmo campeões tanto do Metropolitano com do Nacional (Larrosa destacou-se especialmente por um gol no 2-2 com o Argentinos Jrs, em jogada que lembrou a de Maradona driblando meia Inglaterra em 1976; “nessa noite, todos queríamos a mesma coisa: que o replay do Canal 7 não terminasse nunca”, exaltou na época a revista El Gráfico). O Boca conseguiria o mesmo em 1976, um ano agridoce ao Huracán: reforçado com Ardiles, ganhou os cinco clássicos travados com o San Lorenzo (Larrosa marcou nos dois primeiros, ambos 3-1) e foi quem mais acumulou pontos no Metropolitano.

Só que o torneio previa uma segunda fase e nela o embalo foi perdido. O Boca, que começara muito mal, pegou ritmo justo na segunda fase, vencendo no confronto direto naquele que Larrosa considera ser o dia mais triste da carreira. No Torneio Nacional, o carrasco foi o mesmo, com os auriazuis eliminado os quemeros na semifinais. O Huracán conseguira em 1975 e em 1976 oito vitórias seguidas, a melhor de sua história, mas não conseguiu o título nem a vaga na Libertadores em ambos os tira-teimas de vices (contra o Estudiantes em 1975 e contra o River em 1976). A não-classificação à Libertadores de 1977 foi a gota d’água para uma debandada de insatisfeitos. Larrosa foi um deles e transferiu-se ao Independiente, clube pelo qual seu pai torcida. Deixou 44 gols em 238 jogos pelo Huracán.

Foi só como rojo que ele enfim estrearia pela seleção, mas Larrosa foi daqueles jogadores mais respeitados conforme o tempo. Já sofria com vaias naquele Huracán (por muitas vezes preferir recuar a bola, segundo ele para não perder a posse) e na época não foi diferente em Avellaneda, onde lhe exigiam, como um ponta, para jogar no limite das laterais. Hoje prevalece o respeito de quem venceu os Nacionais de 1977 e 1978; o de 1977, finalizado somente em janeiro do ano seguinte, foi épico, com o time superando a expulsão do próprio Larrosa e de outros dois jogadores, furiosos com a arbitragem validando um gol marcado escandalosamente com a mão do anfitrião Talleres. Falamos aqui. A expulsão lhe valeu 20 rodadas de suspensão no campeonato argentino, que ele não sentiu: após o título, juntou-se à longa concentração da seleção rumo à Copa, iniciada em fevereiro.

No Independiente, ganhou os Nacionais de 1977 e 1978. A foto é do de 1977, onde aparece à direita no êxtase por um título com oito jogadores na casa adversária

A estreia pela Argentina dera-se em 29 de maio de 1977, em 3-1 na Polônia em La Bombonera, em série de amistosos preparatórios a quem, como anfitrião, não jogaria as eliminatórias. Larrosa jogou outras quatro vezes em 1977, a última ainda em junho, e mais quatro em 1978 antes da competição. Nela, foi titular contra o Peru em função da lesão de Osvaldo Ardiles. O segundo gol, reoxigenando a Albiceleste no fim do primeiro tempo, surgiu em escanteio originado de uma tentativa de Larrosa, mandada para a linha de fundo pelo goleiro Ramón Quiroga. Larrosa também participou da joga do quarto gol, enviando o cruzamento pelo qual Daniel Passarella, em dividida, repassou para Leopoldo Luque marcar de peixinho; e do sexto, roubando a bola para entregar a Luque. Ao fim do goleada, Larrosa recebeu a única nota 10 na reportagem pós-jogo da revista El Gráfico, a descrevê-lo como “um condutor claro e sagaz” da classificação.

Apesar do desempenho notável de Larrosa, Menotti preferiu usar um infiltrado Ardiles de titular na final. Mas Larrosa substituiu-o no segundo tempo e teve participação ativa em lances dos instantes finais regulamentares: aos 35, o empate holandês foi propiciado em parte por ele, que dava condições de livrar Nanninga do impedimento e de marcação (“é que Tarantini perdeu a bola e me surpreendeu, então não cheguei a pressionar o rival”, justificou). Aos 44, tabelou com Houseman, que caiu na área em lance reclamado como pênalti, mas ignorado. Aos 5 da prorrogação, poderia ter sido expulso em falta duríssima contra Haan. Por outro lado, o gol que matou a partida, o terceiro, começou em falta cobrada por ele – sob algum protesto de de Kempes e Passarella, que pretendiam cobra-la. O título também foi a despedida involuntária de Larrosa da seleção.

O Independiente caiu ainda na primeira fase da Libertadores de 1978 (em julho, na ressaca da Copa). Terminaria o ano campeão novamente do Nacional, mas após a eliminação na semifinal da Libertadores de 1979, iniciou uma entressafra. Desentendido com Julio Grondona, na época ainda presidente do Independiente, Larrosa foi emprestado ao Vélez no segundo semestre de 1980, após 24 gols (um, no clássico com o Racing) em 173 partidas pelo Rojo; o Vélez ficou a três pontos da classificação aos mata-matas do Torneio Nacional, mas o meia já jogava mais com o nome. Ainda assim, dali foi queimar mais cartuchos no San Lorenzo, o clássico rival do Huracán.

Como azulgrana, chegou a marcar dois gols em vitória por 3-2 no ex-clube, mas, atrapalhado por pubalgia, pouco pôde fazer para evitar o primeiro rebaixamento de um gigante argentino. Em 2017, confessou que se pudesse escolher de novo, não teria virado a casaca. Prolongou a carreira no Sportivo Patria da província de Formosa em jogos regionais e pendurou as chuteiras, chegando ser técnico do Quilmes já em 1982 (rebaixado). Chegou sofrer um infarto treinando o San Martín de San Juan. Treinou também o Huracán, em 1998, mas desistiu da nova carreira. Atualmente, ele coordena aulas de escolinhas sazonais do Boca pelo interior. Uma curiosidade: em 2017, na mencionada entrevista (à revista El Gráfico) onde relembrou a carreira, foi indagado sobre o melhor entre Pelé, Maradona (enfrentou ambos) e Messi: “os três estão em um nível parelho, mas El Negro foi maravilhoso, um escalão acima. Tinha tudo”.

Celebrando o apito final de 1978. Cena da propaganda da Coca-Cola pelo “Abrazo del Alma”

https://twitter.com/HuracanRetro/status/931870317785600000

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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