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Seleções nórdicas: históricas pedras nas chuteiras argentinas

O decepcionante empate em 1-1 com a Islândia, no primeiro jogo que a Argentina fez na história com a ilha de Björk, não é um episódio isolado. Em nove jogos contra seleções nórdicas (contando com o de hoje), foram rigorosamente duas vitórias, três empates e quatro derrotas. E, em Copas do Mundo, duas eliminações – ambas precoces.

Suécia

O primeiro encontro do tipo foi na Copa de 1934, que já começava em mata-matas. A associação argentina reconhecida pela FIFA ainda era oficialmente amadora, inviabilizando que os principais jogadores do país, já profissionalizados em ligas rebeldes institucionalizadas em 1931.

Times como Defensores de Belgrano, Almagro e Barracas Central acabaram representados na seleção amadora enviada à Itália. Ignorados pelo grande público, os chacareros não fizeram feio e chegaram a estar vencendo a Suécia. Em partida com duas viradas no placar, o adversário terminou ganhando por 3-2. Daquela seleção argentina, o grosso dos jogadores terminou sem maior sucesso na era profissional, efetivada em 1935. Uma exceção foi Arcadio López, então no extinto Sportivo Buenos Aires e que depois defenderia Boca e Flamengo, seguindo na seleção.

O reencontro com os suecos se deu na rodada final da fase do “grupo da morte” da Copa de 2002. A história é conhecida: precisando ganhar para avançar, os argentinos saíram atrás (gol de falta de Anders Svensson, jogador mais à direita na foto que abre essa matéria) e só empataram no finzinho, e graças a duas irregularidades – Ortega cavou pênalti inexistente, só convertido no rebote, em chute de um Crespo que invadira a área ainda antes da cobrança. O 1-1 foi insuficiente, sem chances mais agudas dos hermanos, que ainda sofreram a esdrúxula expulsão do “turista” Caniggia em pleno banco.

Devincenzi enfrenta o goleiro sueco na Copa de 1934

A outra única partida contra o país do ABBA foi em amistoso realizado em 2013 em Estocolmo. Foi a única vitória argentina: por 3-2, com gol contra de Mikael Lustig aos 3 minutos, Jonas Olsson empatando aos 18 e subsequentes gols de Agüero (19), Higuaín (23) e Rasmus Elm (90).

Vale ainda mencionar que foi naquele país que a Argentina sofreu a maior goleada de sua história, o 6-1 para a Tchecoslováquia, a eliminar prematuramente a Albiceleste na Copa de 1958; o resultado abreviou a carreira da lenda Amadeo Carrizo pela seleção (a defendeu até 1964, mas recusando muitas convocações) e foi repetido pela Bolívia em 2009 e pela Espanha nesse 2018.

Dinamarca

Argentina x Dinamarca é outro duelo de três partidas na história. Nenhum deles por Copa do Mundo. Mas, como um Argentina x Suécia, dois deles não deixaram de ser “copeiros”.

A primeira partida foi um amistoso pré-Copa dos hermanos para 1966. Em Copenhague, contra uma seleção dinamarquesa ainda amadora, os sul-americanos venceram por 2-0 em 13 de junho. O reencontro ocorreu em 24 de fevereiro de 1993 e foi válido pela Copa Artemio Franchi, um tira-teima entre os vencedores da Copa América (de 1991) e da Eurocopa (de 1992), que perdeu sentido após a efetivação da Copa das Confederações.

A grande atração argentina era o retorno de Maradona à seleção após dois anos, em que Diego esteve marginalizado pela suspensão por cocaína. Néstor Craviotto, contra, pôs os vikings na frente em Mar del Plata, com Caniggia empatando de pênalti. Adiante, a taça se encaminhou à decisão por pênaltis. Caniggia, ironicamente, desperdiçou o dele. Mas nela Goycochea fez valer sua fama de pegador, crescendo contra Kim Vilfort e Bjarne Goldbæk: Argentina 5-4.

O último troféu de Maradona: a Copa Artemio Franchi de 1993 contra a Dinamarca, que levou a melhor sobre Ortega na Copa das Confederações de 1995 (à direita)

Adiante, a Argentina venceria em julho a Copa América de 1993 e nessa condição jogou a Copa das Confederações em 1995, a contar com a Dinamarca ainda como campeã europeia de 1992. Com os irmãos Laudrup novamente juntos (pois Michael, ainda brigado com o técnico Richard Møller Nielsen, ausentara-se da Euro e da Copa Artemio Franchi), os compatriotas de Lars Ulrich prevaleceram por 2-0 na final. O próprio Michael Laudrup, de pênalti, abriu o placar, ampliado por Peter Rasmussen em Riad, capital saudita e então sede tradicional do evento.

Noruega e outros

A “freguesia” do Brasil para a terra do a-ha é conhecida. Menos sabido é que os hermanos também jamais venceram a Noruega. Foram dois amistosos, ambos em Oslo, o primeiro deles preparatório à Copa de 1986. Mesmo na capital norueguesa, a derrota de 1-0 para uma seleção ainda semiamadora (Kjetil Osvold, a sete minutos do fim) ligou o alerta na imprensa e público contra as chances da Albiceleste no México.

Em 22 de agosto de 2007, os argentinos se reuniram pela primeira vez após a decepcionante final de Copa América. E não puderam se reanimar: a seis minutos do fim foi que Maxi Rodríguez diminuiu o placar aberto e ampliado por John Carew. O placar final ficou nos 2-1 para a Noruega. Outras seleções nórdicas, por sua vez, ainda não enfrentaram os argentinos, ainda sem duelos com as Ilhas Faroe e com a Finlândia – e nem com a Estônia, também classificada, por alguns entusiastas, entre esses países.

Na Argentina, o jogador de origem escandinava mais célebre tem mais fenótipo indígena do que viking: José Sand (seria primo distante de Ebbe Sand?), o veterano artilheiro da Libertadores de 2017 pelo vice-campeão Lanús. O lateral-esquerdo Javier Pinola, ídolo de Rosario Central e hoje no River, por sua vez, carrega sobrenome finlandês.

Assim como o Brasil, a Argentina jamais venceu a Noruega: perdeu dela até em 1986…

Outro nome destacado foi o do também lateral-esquerdo Alfredo Fogel, segundo jogador com mais partidas pelo Rosario Central, seu clube entre meados dos anos 30 e meados dos anos 50. Campeão da Copa América de 1945, El Colorado (apelido comum a ruivos na Argentina) era filho de um imigrante sueco.

Há ainda o peculiar caso de El Polaco Alejandro Semenewicz, que por pouco não nasceu na Dinamarca – país cujo goleirão Peter Schmeichel, adversário argentino em 1993 e 1995, é provavelmente o mais famoso representante da comunidade local descendente de poloneses (consequentemente estendida ao ilustre filho Kasper Schmeichel, do plantel atual daquela seleção). Volante ou defensor polifuncional, Semenewicz virou ídolo no Independiente como curinga no tetra da Libertadores entre 1972-75. Seus pais eram poloneses em fuga de uma Europa destruída pela Segunda Guerra Mundial; refugiaram-se primeiro em Copenhague, onde nasceu a irmã mais velha do jogador, e então viram na Argentina uma terra mais próspera naquele contexto.

Outro membro da comunidade escandinava instalada na Argentina, o ator Viggo Mortensen (nascido nos EUA, mas com origens dinamarqueses e norueguesas herdadas do pai) ligou-se ao futebol como torcedor: o intérprete de Aragorn na trilogia O Senhor dos Anéis passou em Buenos Aires a infância e se tornou o mais ilustre hincha do San Lorenzo até o conclave que elegeu o Papa Francisco. É tão fanático que já doou dinheiro ao clube (veja), já usou a camisa cuerva em festa pós-Oscar e teve de prestar esclarecimentos a policiais em um aeroporto dos EUA após vibrar efusivamente com um resultado positivo do Sanloré contra o rebaixamento quase iminente em 2012…

Mas o intercâmbio mais famoso da península com o Rio da Prata está inegavelmente nas cores azul y oro que o Boca incorporou da bandeira sueca, inspiração que há alguns anos até rendeu uma camisa com a característica cruz nórdica – já na música, que tanto permeou essa matéria, o nome é o de José González, nativo de Gotemburgo como filho de um casal argentino em fuga da ditadura dos anos 70.

Islândia, a nova pedra nórdica no sapato

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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