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100 anos do maior jogador europeu do futebol argentino: Ángel Zubieta, mais jovem estreante da seleção espanhola

Europeus não são raridade no futebol argentino, desde os britânicos que implantaram o futebol no país até Gonzalo Higuaín, o mais recente jogador nascido em terra estrangeira adotado pela seleção argentina. Porém, a ampla maior parte se criou no país, como o também francês David Trezeguet, Renato Cesarini, Mierko Blazina, Ernesto Vidal, Nicolás Novello (três nascidos na Itália, com Cesarini defendendo as duas seleções e Vidal sendo campeão em 1950 pelo Uruguai) ou Giovanni Simeone, filho de Diego nascido em Madrid quando o pai jogava pelo Atlético. Aqueles importados propriamente do futebol europeu são mais raros. E dá para dizer que nenhum foi tão significativo quanto Ángel Zubieta Redondo. Em meio à morte do último czar e ao nascimento de Mandela, Zubieta nasceu há cem anos.

Nessa matéria, consideraremos “europeu” exatamente aqueles que vieram da Europa já como jogadores, diferentemente dos outros nomes mencionados acima ou ainda de Pedro Suárez, espanhol que defendeu a Argentina na primeira Copa do Mundo. De modo que Vladimiro Tarnawsky, nativo da Ucrânia que defendeu o San Lorenzo e a seleção argentina nos anos 50, é desconsiderado; ao passo que Fernando Amorebieta, campeão com o Independiente na última Sul-Americana, seria um exemplo mais legítimo embora nascido na Venezuela: de pais bascos, cresceu na terra deles a ponto de ser lançado pelo restrito Athletic de Bilbao.

Zubieta, por sinal, é justamente uma conexão entre Athletic e Sanloré. Ele não foi exatamente um pioneiro de jogador formado na Europa aproveitado no futebol argentino: Marius Hiller já havia defendido a seleção alemã quando defendeu também a Argentina nos anos 1910 (só ele e o ítalo-uruguaio Roberto Porta defenderam uma seleção europeia antes de jogar por uma sul-americana). E em seu tempo nem foi exclusivo: Ferenc Sas, vice-campeão mundial pela Hungria na Copa de 1938, foi campeão argentino de 1940 pelo Boca e por tabela salvo do holocausto (era judeu).

Foi exatamente uma prévia da Segunda Guerra o fator que trouxe Zubieta a Buenos Aires. A Guerra Civil Espanhola, além de vidas, interrompeu carreiras. Como a de Zubieta pela seleção espanhola. Prodígio na lateral direita, o jogador nascido em Gualdácano estreou no time principal do Athletic de Bilbao em 1935. O clube foi o campeão de La Liga na temporada 1935-36, isolando-se na época como o time mais vezes campeão espanhol, superando o Real Madrid (consegue-se imaginar isso hoje?).

Era a época dourada de uma equipe que havia sido base da Espanha que eliminou o Brasil na Copa de 1934, fornecendo cinco jogadores à Furia, todos titulares naquele 3-1 que também significou a estreia do país na história da competição. Foi nesse contexto que Zubieta ganhou lugar no time alvirrubro. Além dos cinco jogadores do Athletic, outros cinco que enfrentaram os brasileiros também eram bascos – a exceção era o goleiro, o catalão Ricardo Zamora. E foi nesse contexto que Zubieta estreou pela seleção, em 26 de abril de 1936, em derrota de 1-0 em Praga para a então vice-campeã mundial Tchecoslováquia.

No dia 3 de maio, veio a vitória por 2-0 sobre a Suíça em Berna. O lateral ainda estava a cerca de oitenta dias de completar 18 anos. Ele ainda é o mais jovem estreante na seleção – quem mais esteve perto de supera-lo foi Bojan no início de 2008, mas o próprio recusou a chance inicialmente, estreando ao fim do ano já após completar 18 anos. O jogo contra os suíços foi também o último de Zubieta na seleção. Dois meses e meio depois, eclodiu a guerra civil. A seleção do País Basco então foi reunida para captar fundos contra as falanges franquistas, realizando excursões pelo mundo. Chegaram em fevereiro de 1938 na Argentina.

Zubieta não ficou ainda no país: na temporada 1938-39, a seleção basca se converteu no Club Deportivo Euzkadi na disputa do campeonato mexicano, sendo vice no pódio liderado pelo Asturias e com o España ficando com o bronze. Foi o ano em que o conflito na terra natal cessou. Alguns atletas voltaram, outros ficaram pelas Américas. Zubieta havia sido observado pelo San Lorenzo na estadia argentina daqueles bascos. Aceitou a proposta azulgrana e estreou pelo clube do bairro de Boedo já na quarta rodada do campeonato argentino de 1939, em vitória por 4-2 em casa sobre o Estudiantes.

Abriu as portas para diversos colegas: o clube recebeu ainda naquele ano nada menos que os autores dos gols dos 3-1 sobre o Brasil na Copa de 1934 – José Iraragorri, autor do primeiro gol espanhol das Copas, e o superartilheiro Isidro Lángara. Em 1940, foi a vez de Emilio Alonso Larrazábal, o Emilín, basco ex-Real Madrid.

Zubieta no San Lorenzo entre Lángara e Nando García, três espanhóis do clube

O San Lorenzo não foi o pioneiro em aproveitar refugiados bascos – em 1938, o Tigre já usava Pedro Areso, ex-Barcelona e integrante do único título espanhol do Real Betis. Em 1939, Leonardo Cilaurren, eleito para a seleção ideal da Copa de 1934, apareceu no River, que em 1940 importaria Gregorio Blasco (ambos ex-Athletic). O Vélez importaria o catalão Julio Munlloch, ex-Barcelona. Mas nenhum time argentino conseguiu empolgar tanto com os reforços ibéricos. Lángara, mesmo disputando só parcialmente o campeonato de 1939, conseguiu a vice-artilharia, com o mês de sua estreia angariando dois mil sócios espanhóis para o clube.

Em 1941 e 1942, os azulgranas foram bivices para La Máquina do River. Já eram “o time dos espanhóis”, fossem refugiados ou não da guerra, fossem bascos ou não – em 1941, por exemplo, o time teve Nando García, proveniente da Cantábria. Lángara e Iraragorri deixaram o time em 1943. Já Zubieta, em meio aos títulos que ainda não vinham, perseverou: ficou até 1952, uma dedicação a atravessar três décadas no mesmo clube, algo ainda incomum na época. Sabia marcar e tinha técnica para vez ou outra marcar seus golzinhos: em 352 jogos, foram 29 gols, ainda que vinte como cobrador de pênaltis que viraria a partir de 1944.

Cinco dos gols foram no clássico com o Huracán, no qual marcou nos dois realizados no campeonato de 1946. Exatamente ali, o San Lorenzo obteve seu único título entre 1936 e 1959. Outro fator especial daquela conquista se deve ao ataque, a marcar noventa gols, o mais goleador de uma década dourada do futebol argentino – nem mesmo a celebrada La Máquina do River conseguira tantos em uma única edição.

Foi o torneio em que o Papa Francisco teria visto todas as partidas que seu time fez em casa. E coube a Zubieta ser o capitão da conquista: “não podem ter nem remotamente uma ideia da satisfação que experimento nesse momento. A conquista do torneio é cristalização dos meus mais caros anseios. Meu querido San Lorenzo vive uma de suas melhores páginas”, declarou à imprensa. Para celebrar, o clube resolveu excursionar por Espanha e Portugal.

A gira começou ainda em dezembro de 1946, com um 4-1 sobre o Atlético Aviación, nome que o Atlético de Madrid tinha na época. No primeiro dia de 1947, houve embate contra a própria seleção espanhola, que já tinha Lángara de volta. Ele deixou o dele, mas foi incapaz de evitar derrota de 7-5. Quinze dias depois, a revanche contra a seleção encerrou em 6-1 para Zubieta e os colegas argentinos (sim, houve tempo em que os hermanos venciam espanhóis por esse placar ao invés de serem derrotados assim, como no amistoso de 2018).

A turnê ainda rendeu um 9-4 sobre o Porto, um 10-4 sobre a seleção portuguesa e um 5-5 com o Sevilla, campeão espanhol da temporada 1946-47. Zubieta foi titular em todas essas partidas, mas o momento mais especial a ele não entrou nas estatísticas: foi quando o clube, em retribuição ao basco, o liberou para jogar uma partida na Gualdácano natal para que pudesse ser assistido pela mãe, que jamais o vira em ação nos gramados.

Ele e o clube ainda manteriam um intercâmbio frequente com a Espanha nos anos seguintes, batendo no fim de 1949 por 3-2 tanto o Barcelona em Les Corts como o Athletic em San Mamés e arrancando em janeiro de 1950 um 3-3 com o Atlético no Metropolitano (além de vencer em Lisboa o Benfica por 5-2 e o Sporting, na época o time português mais vencedor, por 3-1). Zubieta saiu em 1952 após 352 partidas, que faziam-no ser o então recordista de jogos pelo San Lorenzo; atualmente, é o terceiro, atrás das 425 de Roberto Telch e das 447 de Sergio Villar.

Zubieta voltou a La Liga para defender o Deportivo La Coruña, estendendo a carreira até 1956, quando pendurou as chuteiras na equipe galega. Não deixou de voltar à Argentina: já em 1958, venceu a quarta divisão e em 1960 a terceira pelo recém-fundado Deportivo Español, criado para ser o time “oficial” da comunidade hispano-argentina. É o técnico que mais vezes dirigiu partidas do clube, fundado em 1956. E em Buenos Aires o lateral faleceu, em 28 de outubro de 1985. Desde 2016 enfeita o bairro de Boedo na forma de um mosaico, na imagem que abre a matéria.

Colombo, Vanzini, Zubieta, Blazina, Grecco e Basso (ex-Botafogo); Imbelloni, Farro, Pontoni (ex-Portuguesa), Martino (ex-São Paulo) e Silva. O San Lorenzo campeão de 1946

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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