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Adeus a Nelson Chabay, uruguaio dos mais argentinos, campeão com Racing, Huracán e interior

Vibrando com o acesso do Colón em 1995, após 14 anos do time na segundona

No dia 1º, Racing e Huracán se uniram nos festejos aos 75 anos do ex-zagueiro Alfio Basile, membro do elenco racinguista que entre 1966-67 venceu um campeonato argentino com recorde de invencibilidade profissional e a Libertadores e Mundial do clube de Avellaneda, bem como do plantel huracanense que obteve o único título profissional do clube de Parque de los Patricios. Já no dia 2 a união desses dois times pouco acostumados a títulos recentes foi no luto. Colega de Basile no setor defensivo dessas duas esquadras, o uruguaio Nelson Pedro Chabay faleceu aos 78 anos na Argentina de adoção.

Chabay nasceu em 29 de junho de 1940, na capital uruguaia, e seu primeiro Racing foi o de Montevidéu mesmo. Proveniente dos juvenis alviverdes, estreou no time adulto do clube do bairro de Sayago em 1964. Em 1965, o Cervecero saltou do penúltimo lugar de 1964 para um 4º, sempre uma posição honrosa em um torneio duopolizado por Peñarol e Nacional. Mas mesmo em 1964 o lateral-direito Chabay já fazia por onde para estrear pela seleção uruguaia ainda em 14 de maio, em vitória amistosa de 2-0 sobre a Áustria em Viena.

El Buche jogou mais três vezes pela Celeste: duas pelas eliminatórias à Copa de 1966, no ano de 1965 (ambas contra o Peru, no 1-0 em Lima e no 2-1 no Centenário), a uma última em 15 de maio de 1966 contra o Paraguai pela Copa Artigas, um empate em 2-2 em Assunção. Porém, a troca de Racing pelo argentino de Avellaneda significou a ausência no mundial da Inglaterra, em tempos em que as seleções sul-americanas abriam mão de jogadores que atuassem no exterior.

O campeonato argentino não se paralisou por conta da Copa e isso significou a oportunidade para Chabay pegar uma sequência de partidas como zagueiro mesmo, no lugar de Roberto Perfumo, ocupado com a seleção argentina no mundial. Não a ponto de tomar a titularidade da posição, mas para ficar como um reserva útil no título nacional daquele ano, que fazia da Academia ter só um título argentino a menos que o Boca, então o clube mais vitorioso do campeonato. Aquele elenco blanquiceleste, apelidado de El Equipo de José em referência ao treinador Juan José Pizzuti, venceria no ano seguinte a Libertadores e o Mundial.

Penúltimo em pé no Racing que decidiria em Montevidéu (daí a bandeira uruguaia) o Mundial de 1967, e no Huracán campeão de 1973

A lateral-direita tinha na titularidade Rubén Panadero Díaz, outra figura daquele time falecida neste ano de 2018. Calhou, porém, que ele sofresse distensão muscular em meio às três partidas necessárias ao Mundial. Chabay assumiu a posição a partir do segundo jogo e não comprometeu o feijão com arroz: era um lateral das antigas, quando a posição significava apenas marcar o ponta adversário, sem subir ao ataque para fornecer cruzamentos como um ala. O Mundial, por sua vez, seria o último título do Racing até a Supercopa de 1988, mas ninguém imaginaria isso na época. Inclusive porque o clube continuou no páreo pelos títulos seguintes.

La Acadé foi um dos três líderes do Nacional de 1968, levando a pior no triangular forçado com River e o campeão Vélez e fez a melhor campanha da primeira fase do Metropolitano 1969, sendo eliminado no finzinho da semifinal com o campeão Chacarita. Após certo declínio ao perder o técnico Pizzuti para a seleção, foi vice do Metropolitano de 1972. Chabay àquela altura já tinha 32 anos. Para 1973, ele foi repassado ao Huracán, onde reencontrou o ex-colega Basile, desde 1971 ali. O novo clube era justamente o time impregnado a jejum na época. Não vencia o campeonato argentino desde a edição de 1928. Chabay chegou a deu-se ao luxo de ser campeão de imediato no time treinado pelo iniciante César Menotti, (apenas dois anos mais velho que o uruguaio).

O setor defensivo daquele elenco destacou-se sobretudo no segundo turno, em que o ímpeto arrasador do primeiro acabara com o início de desfalques contínuos daquele setor para a seleção argentina, a maior adversária daquele Huracán. Mesmo sem jogar retrancado, o Globo pouco perdeu e chegou a emendar cinco jogos seguidos sem sofrer gols. Era tarde para o veterano Chabay retornar à seleção uruguaia, que para a Copa de 1974 usou pela primeira vez quem atuava fora do país. Ainda assim, ele alongou a carreira até 1977, integrando os bons momentos quemeros daquela década: o time de Parque de los Patricios foi semifinalista da Libertadores em 1974 e foi bivice no Metropolitano em 1975 e 1976, ano em que venceu os cinco clássicos com o San Lorenzo, algo único em qualquer rivalidade argentina.

Chabay seguiu no clube em 1977 ao ter uma primeira experiência como treinador, embora logo passasse a trabalhar como auxiliar de Miguel Juárez, o técnico do Huracán de 1976. Voltou à “carreira solo” em 1980, iniciando uma cigana rodagem pelo interior argentino, primeiramente no Guaraní Antonio Franco. Foram três anos, até 1982, no time misionero de Posadas. Em 1983, saltou ao Instituto de Córdoba, onde sucumbiu na segunda fase de grupos do Nacional e ficou em 10º no Metropolitano, mas a três pontos do 5º lugar. Em 1984, teve sua primeira passagem pelo San Martín de Tucumán, sem êxito em classificar o time de Ciudadela ao Nacional.

Carregado na volta olímpica do Huracán em 1973: o time desfez jejum de 45 anos, mesma seca que acumularia dali até 2018

Em 1985, seu clube foi, curiosamente, um terceiro Racing na vida: depois de jogar nos de Montevidéu e Avellaneda, agora passava a treinar o de Córdoba, no grande momento histórico da equipe do bairro cordobês de Nueva Italia. Mas não deu muito certo: penúltima colocação da elite na temporada 1985-86, embora o bom promedio livrasse da queda à segunda divisão. E foi justamente na segudona que Chabay viraria um técnico pé-quente. “De la mano del uruguayo, todos la vuelta vamos a dar” virou um mantra primeiramente no San Martín de Tucumán, cujos festejos de 109 anos ontem se misturaram à tristeza pela perda do ídolo. Ganhou a liga tucumana, trampolim para um Torneio do Interior que servia na época de classificatório aos mata-matas da segunda divisão nacional. Teve êxito e na mesma temporada, favorecido por aquele regulamento, obteve novo acesso, à elite.

O Deportivo Mandiyú havia sido o campeão da segundona de 1987-88. A segunda vaga de acesso não seria dada ao segundo colocado, o Quilmes, e sim ao sobrevivente de mata-matas que reuniriam os nove clubes abaixo do campeão ao campeão do Torneio do Interior. O Quilmes teria apenas o benefício de ingressar já nas semifinais. Assim, a campanha tucumana foi duas vitórias de 1-0 sobre o Tigre, seguidas de um 5-2 em casa e um 1-1 na Patagônia com o Cipolletti de Río Negro. O oponente seguinte seria então o Quilmes, que fez jogo duro, segurando o 0-0 em Tucumán. Mas os alvirrubros conseguiram o 2-1 fora de casa e adiante venceram as duas finais com o Chaco For Ever: 1-0 em casa e 2-0 fora sobre o próprio futuro campeão da segundona de 1988-89.

Na elite, o grande desempenho daquele San Martín foi aplicar um 6-1 sobre o Boca em plena La Bombonera. O clube ficou em um seguro 12º lugar para sobreviver aos promedios na temporada de chegada, mas não sobreviveu na segunda. Ainda assim, o uruguaio foi contratado por uma velha casa, o Racing, em meados da temporada 1989-90. Só conseguiu um 8º lugar. Voltou a Tucumán e reeditou o sucesso de anos antes, na temporada 1991-92. Dessa vez, o San Martín disputou regularmente o campeonato, terminando a temporada na 4ª colocação geral.

Novamente, só o campeão avançava diretamente, com mata-matas entre o 2º e o 10º colocado definindo a segunda vaga de acesso, que teve um gostinho a mais para Chabay e pupilos. Afinal, após eliminar o Arsenal com dois 1-0 nas oitavas, as quartas reservavam o Clásico Tucumano com o Atlético. Na temporada regular, os resultados haviam sido vitória de 2-1 em casa e empate em 0-0 fora. No mata-mata, a invencibilidade se manteve. O 1-1 fora foi seguido de um 0-0 em casa, premiando o gol na cancha rival. Adiante, o San Martín superou dois times cascudos do ascenso: o Nueva Chicago não superou o 0-0 em casa e caiu por 1-0 em Tucumán. Na final, um clube que jamais esteve na elite profissional e ali parecia perto como nunca o Almirante Brown. Os aurinegros, porém, caíram por 1-0 no interior e sofreram o 1-1 em Isidro Casanova.

Como treinador, teve toque de Midas no San Martín de Tucumán (três acessos) e no Colón: “se quer subir, chame Chabay”, diz a nota sobre o acesso rubronegro em 1995

O acesso era tucumano, ainda que o clube fosse rebaixado de imediato ao fim da temporada 1992-93 da elite. Chabay inicialmente seguiu na primeira divisão, trabalhando um período no Deportivo Mandiyú, mas ainda em 1993 acertou com o Colón. O time rubronegro de Santa Fe não jogava desde 1981 a primeira divisão, chegando a perder em 1989 o acesso para o rival Unión. A agonia do Sabalero terminaria na temporada 1994-95. Não houve como competir pelo título com o Estudiantes do jovem Verón, mas o time de Chabay pôde terminar em 3º e ainda ganhar os dois Clásicos Santafesinos: 2-1 na casa rival e 3-1 no Cementerio de Elefantes, este já na reta final; por dois pontos a menos, o rival não conseguiu ficar entre os sete abaixo do campeão classificados aos mata-matas pelo segundo acesso – eles se juntariam ao campeão da terceira divisão (!), o Atlanta.

Inicialmente, o Colón fez o básico: não perder fora. Nas quartas, o 1-1 em Buenos Aires com o All Boys premiaria os rubronegros com o 0-0 em Santa Fe. Nas quartas, o 0-0 em Mendoza com o Godoy Cruz era ambíguo, mas o Tomba tombou (com o perdão do trocadilho) por 5-0 no Cementerio. El Buche já não se inibia em ver as finais como protocolares, ainda que contra seus velhos fãs do San Martín de Tucumán. E foram mesmo, com vitórias nas duas partidas, por 1-0 fora e 3-1 em casa, e as comemorações de antemão de Chabay ao apito final são a imagem que abre a matéria. Para a torcida colonista, era a história sendo reescrita trinta anos depois do primeiro acesso, logrado em 1965 também sob um uruguaio, José Etchegoyen. Por discussão contratual, o técnico não permaneceu, trabalhando na elite em 1995 regressado ao Huracán.

Foram duas temporadas de volta ao Globo, 5º colocado no Apertura 1995 a três pontos do vice Racing. No Clausura 1996, foi 7º, mas o time desandou no Apertura com a penúltima colocação. Chabay voltou a Santa Fe em 1997, dessa vez para treinar o Unión na elite, mas sem repetir no Tatengue o êxito que tivera no vizinho. Foi o último trabalho do uruguaio. Uma de suas últimas aparições públicas foi no aniversário de 105 anos do San Martín, em 2014. Naquele mesmo ano, sofreu um AVC que debilitou-lhe seriamente.

Quando o Racing festejou os 50 anos do seu Mundial, em 2017, houve ressalvas de que questões de saúde impediriam a presença de Chabay e do ponta Jaime Martinoli para reportagem da revista El Gráfico. Martinoli de fato faleceu poucos dias depois; em julho de 2017, já havia partido outro componente do elenco, o atacante Néstor Rambert. Em janeiro de 2018, foi a vez do Panadero Díaz e em fevereiro, o do capitão Oscar Martín. Ontem, Chabay não resistiu a uma pneumonia. Agora jaz em Ler de Paz, em González Catán, no interior da província de Buenos Aires.

Chabay, Alfio Basile, Humberto Maschio, Fernando Parenti, o nonagenário técnico Juan José Pizzuti, Juan Carlos Cárdenas, Rubén Díaz e Oscar Martín (dois já falecidos nesse 2018) no festejo dos 50 anos do título mundial, no Cilindro, em novembro de 2017

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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