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50 anos de Sergio Zárate, o primeiro de uma dinastia de irmãos atacantes do Vélez

Sergio, Rolando e Mauro Zárate. O último só defendeu a Argentina nas competições juniores

Atualmente, falar em Zárate e em Vélez remete à “traição” do atacante Mauro no ano passado. Um dos temperos extras desse sentimento é a longa relação familiar que o antecede. Afinal, embora os Zárate não tenham se projetado tanto na seleção (especialmente o próprio Mauro), é justo dizer que são os irmãos mais proeminentes do futebol argentino profissional. O mais velho deles, a inaugurar a dinastia, faz hoje 50 anos, e foi também um dos primeiros argentinos a brilhar no futebol alemão: o habilidoso e oportunista ponta-direita Sergio Fabián Zárate Riga, El Ratón.

Estreou em 1987, mas foi em 1990 que ganhou continuidade, aparecendo então com quatro gols nas sete rodadas finais da temporada 1989-90 – contribuindo para que o clube terminasse a um ponto do bronze. No semestre seguinte, foram cinco gols no Apertura 1990, incluindo em vitórias no clássico com o Ferro Carril Oeste (1-0, com o rival ainda tendo mais títulos que o Fortín na época) e em 4-3 em Avellaneda sobre o Independiente. Em jejum desde seu único título na época, o de 1968, o Vélez ficou efetivamente em terceiro no Apertura 1990. Era o suficiente para o jovem falar publicamente em projetar-se rumo ao mundial de 1994, não descartando uma etapa “por Boca ou River”. Zárate tinha como empresário um dos maiores ídolos riverplatenses, o ex-armador Norberto Alonso. Mas quem se atentou melhor a ele foi o Nuremberg.

El Ratón esteve entre os primeiros argentinos da primeira divisão alemã, o que pesou no início, com somente três gols na Bundesliga ao longo do ano de 1991 – um pela temporada 1990-91 e dois no primeiro turno da seguinte. Em 1992, já parecia mais ambientado no norte bávaro. Foram sete gols no returno da Bundes de 1991-92, dentre eles dois para bater em Munique o Bayern por 3-1; o que abriu a vitória por 2-1 sobre o Borussia Dortmund e outro no time que liderava até a rodada final, o Eintracht Frankfurt.

Foi o suficiente para que em 18 de junho de 1992 o mais velho dos Zárate aparecesse na seleção argentina que venceu por 2-0 um amistoso contra a Austrália – o mesmo encontro também marcou a estreia de Fernando Redondo na Albiceleste. Ele foi apenas o segundo jogador que a Argentina convocou do futebol alemão, após José Basualdo (do Stuttgart na Copa de 1990). Acabaria sendo a única partida de Zárate pela Argentina: seu desempenho na Alemanha serviu para chamar a atenção do disputadíssimo futebol italiano da época, onde mesmo equipes menores tinham o luxo de algum astro. O ponta foi contratado pelo Ancona, mas não vingou. Seus dois únicos gols vieram em uma única partida, em 3-0 sobre o Foggia pela Copa da Itália (curiosamente, o outro gol também foi argentino, de Oscar Ruggeri, também ex-Vélez).

Assim, Zárate foi esquecido na convocação para a Copa Rei Fahd que se desenrolou em outubro, vencida pelos hermanos na primeira edição do torneio que hoje é a Copa das Confederações. A solução foi voltar à velha casa, em empréstimo solicitado não pela direção técnica e sim pela cartolagem. De fato, Carlos Bianchi não lhe teve em conta. Para inibir estrelismos, o novo treinador já não tivera pudor de na pré-temporada em desfazer-se de dois ídolos locais: Ricardo Gareca e Alejandro Mancuso. A aposta na prata da casa aplicada e disciplinada provou-se certeira e o time, após 25 anos, enfim obteve no Clausura 1993 o seu segundo título argentino. O antigo ídolo, porém, mal se sentiu campeão. A ponto de pedir para sair quando ainda faltavam duas semanas para o fim do torneio.

Vélez de 1990, cheio de gente conhecida no Brasil: Mancuso, Acosta, Bidevich, Ruggeri, Fillol e Lucca; Gareca, Acuña, Zárate, Zalazar e Cardozo.

Zárate teria caído de vez em desgraça com o técnico ao, supostamente, voltar tarde demais de uma farra; em outras versões, teria sido por ir jogar sem autorização em um showbol televisivo. Foi usado oito vezes, quase sempre saindo do banco, e só marcou um gol na campanha redentora – ainda pela quinta rodada, no 3-0 sobre o Huracán. A alternativa imediata à dupla de tanques formada por Oscar Turco Asad e José Turu Flores foi Esteban Gallego González (curiosamente, também nascido em um 14 de janeiro, em 1962). Humilhado também com seu uso pela equipe B do Vélez, El Ratón não ficou no bairro de Liniers para o ano ainda mais vitorioso que o time dali teria em 1994: no segundo semestre de 1993, voltou à sua outra casa, o Nuremberg. E saiu atirando, limitando os méritos de Bianchi a uma mera “sorte de campeão”, conforme depoimento duríssimo dado à revista Solo Fútbol:

“O que aconteceu comigo é algo difícil de explicar, porque nem eu sei que tipo de problema houve, ou se aconteceu algo que talvez irritou o técnico. (…) Bianchi não falou comigo em nenhum momento, nem sequer quando cheguei. Só joguei desde o início na quarta partida, com o Ferro, e estive uma barbaridade, mas aos 15 minutos do segundo tempo me tirou. Não entendia, mas enfim. Depois me pôs no banco. Contra o Newell’s voltei a jogar, muito bem, e outra vez, aos 10 minutos do segundo, me tirou de volta sem me dar explicações, e daí em diante não joguei mais. Não sei o quê pode ter acontecido. O que penso de Bianchi? Que é um técnico que apareceu e teve muita sorte. Fala pouco e te dá pouca motivação (…). Para Bianchi tudo dava certo (…). Me usou como se fosse um pano de chão. Ele não em respeitou nada. Nem o nome, nem a trajetória, nem como pessoa, porque nunca me falou na cara (…). Me deixassem onde eu estava… eu na Itália perdi grana para vir aqui, ao Vélez. Para o quê foram me buscar, se o técnico não me queria?”.

Ele também negou os boatos de que teria cavado a própria cova por alguma boemia inoportuna: “isso me deu risada e também bronca, porque não posso permitir que alguém diga essas coisas. (…) Eu sou casado, tenho minha família. (…) Essa pessoa tem que ser um demente. (…) A questão é que cheguei ao Vélez sendo ‘Maradona’ e saio com a cabeça baixa. São coisas que acontecem. Vim engrandecido animicamente para jogar e ser protagonista, e tenho que ir embora mal, sem ter jogado, e sem a seleção. (…). Eu treinava à altura de todos. Não era dos primeiros, mas estou à altura de todos. Eu fiz as coisas da melhor maneira possível. (…) Talvez até me desse vergonha em dar a volta olímpica sem tê-la ganho. No dia em que não quis mais, falei com [o presidente velezano Raúl] Gámez, lhe disse que me sentia usado, e que deixássemos tudo assim. Aceitou minha decisão e pronto. E esclareço que não quis falar antes publicamente por respeito a meus companheiros, que se mataram para ganhar esse título. Não ia atirar contra a equipe, que foi um exemplo”.

Nas três passagens pelo Vélez: promessa para a Copa 1994 em 1990; como opção no time campeão de 1993 (na ordem: Asad, Flores, González e ele); e em 2000

De volta à Bundesliga, Zárate fez treze gols na edição de 1993-94. Na convocação aos EUA, a seleção lembrou-se de Leo Rodríguez, ponta que atuava no quarto colocado, o Borussia Dortmund. O Nuremberg, por sua vez, terminou em antepenúltimo, rebaixado nos critérios de desempate. As novidades de última hora para pontas na seleção terminaram sendo Ariel Ortega e Claudio Caniggia (que voltava em cima da hora de suspensão de um ano e meio por cocaína). El Ratón, por sua vez, ainda seguiu na Alemanha por mais um semestre, no Hamburgo, historicamente o clube local mais associado a argentinos. Marcou em 4-1 em clássico fora de casa com o Werder Bremen, mas foi só. 

O ponta passaria a metade seguinte da década no México. E se deu bem. Em um time historicamente modesto na liga mexicana, esteve no bicampeonato de 1995 e 1996, os dois primeiros títulos profissionais do clube no torneio – foram quatro gols na segunda metade da temporada 1994-95 e mais doze na de 1995-96 (dois deles, em um 4-0 no Chivas Guadalajara e outro em 4-4 com o América), em trio com Ricardo Peláez e Luis Hernández municiado por Álex Aguinaga. Na temporada seguinte, onda a liga passou a render títulos semestrais como no futebol argentino, o Necaxa quase foi tri. Terminou no vice do Torneio de Inverno e o argentino acumulou quinze gols, terminando contratado pelo mais tradicional América junto com Peláez. A dupla fez valer a lei do ex contra o Necaxa, marcando os gols de um 2-0, mas ficou sem títulos.

O argentino voltou ao ex-time ao fim da temporada, a tempo de classifica-lo na seletiva à Libertadores com um gol na “final” contra o Toluca, batido por 3-0. Na sequência, deixou dez gols ao longo da temporada 1998-99 pelos alvirrubros. Zárate não prosseguiu ali, porém, transferido ao Puebla. Deixou cinco gols na campanha que levou o time aos mata-matas, mas sobreveio a eliminação de 9-0 no placar agregado contra o Toluca. Até ali, dois irmãos mais novos se profissionalizaram: o segundo mais velho, o meia Ariel, El Chino, não chegou a estrear no time adulto, e a grife o fez disputar o futebol alemão na temporada 1994-95 e o mexicano posteriormente, saltando para pequenos times espanhóis na virada do século.

O terceiro mais velho é o atacante Rolando, o Roly, que havia integrado como opção de banco o elenco velezano campeão em 1998, a última taça fortinera nos dourados anos 90. Rolando chegou a ser testado pelo Real Madrid na temporada 1999-2000, mas não foi adquirido em definitivo. Assim, no segundo semestre de 2000 o Vélez teve um primeiro jogo com dois Zárate em campo, em 3-1 sobre a Universidad de Chile pela Copa Mercosul. Afinal, Sergio estava de volta, em um terceiro e último ciclo em Liniers – pois, no início de 2001, já regressava ao Puebla para uma passagem rápida de um único gol no elenco semifinalista mexicano de 2001.

Decadente, El Ratón rumou a um figurante da quarta divisão argentina, pendurando as chuteiras no Deportivo Merlo em 2003. O Zárate mais proeminente já era Roly, artilheiro do Clausura 2004 e que em março de 2005 faria suas duas aparições pela seleção argentina – com direito a gol na estreia, em 1-1 com o México em Los Angeles. No mesmo semestre, venceu o Clausura pelo Vélez, no único título que o clube teve entre 1998 e 2009. No mesmo elenco, já figurava o mais jovem dos Zárate: o problemático Mauro.

Os quatro Zárate com Maradona: Mauro, Sergio, Ariel e Rolando

A trajetória de Maurito é a mais conhecida. Protagonista do último título argentino no Mundial Sub-20, em 2007, sempre foi considerado pelos próprios irmãos como o mais talentoso da família, mas se Sergio conseguiu ir à Bundesliga e Rolando integrou brevemente o Real Madrid, ao caçula foi necessário passar pelo Qatar antes de brilhar na Lazio, embora nunca fosse lembrado pela seleção principal. Roly resumiu em 2011:

“Mauro dizia ao Vélez: ‘o Benfica ofereceu 12 milhões’. E a resposta era ‘não’. ‘O Valencia ofereceu 13’. ‘Não’. ‘Al Sadd ofereceu 20’. ‘Me interessa’, disse o Vélez. Mauro disse aos qatarianos: ‘eu quero isto, isto, isto e isto’. E lhe responderam a tudo que sim. Pediu para acabar o contrato em três anos, que lhe dessem dias para vir à Argentina e cláusulas frouxas para ir a empréstimo a outras equipes interessadas. E lhe saiu perfeito, porque em seis meses foi à Inglaterra, voltou, foi à Lazio, fez um torneio bárbaro e o compraram. Estava claro o tema: nós sabíamos que aos 23 anos terminava o contrato, Mauro ficava com o passe na mão e totalmente salvo no econômico. Isso tratamos de fazer-lhe entender, porque a princípio ele não queria ir. Me surpreendeu quando Mauro chegou no primeiro ano na Itália, onde arrebentou, meteu 17 gols, 19 assistências, ganhou a Copa da Itália, a Supercopa e na seleção de Diego [Maradona] iam jogadores que haviam metido apenas 3 gols. Isso nos surpreendeu a todos. Mauro estava muito doído porque via que iam jogadores que não mereciam estar, e ele não. Merecia uma chance, não tenho dúvidas”.

Neto de uma italiana e filho de um chileno, Mauro Zárate chegou a ser sondado pela Azzurra e depois anunciar publicamente que não descartaria uma chamada da Roja, mas nada disso se concretizou – e sim um racha familiar após abandonar um Vélez a perigo do rebaixamento para, desmentindo reiteradas declarações de que jamais vestiria outra camisa na Argentina, acertar com o Boca vice da Libertadores 2018. Uma pena: irmãos de sucesso abundaram no futebol argentino, mas praticamente sempre em duplas.

Nesse sentido, pode-se citar os dois maiores artilheiros do Rosario Central, Harry e Ennis Hayes, que nos anos 70 obteve seus primeiros títulos tendo na defesa Daniel e Mario Killer (Daniel estaria na Copa de 1978); dois componentes do Racing hepta argentino nos anos 10, Juan e Natalio Pertinetti, este presente na Copa de 1930 – que teve Juan e Mario Evaristo entre os titulares da seleção; um maestro e um grande zagueiro do Independiente, Antonio e Oscar Sastre; no River, Daniel e Ermindo Onega brilharam nos doídos anos 60 enquanto Carlos e Héctor Enrique (campeão da Copa de 1986), nos 80; e casos peculiares, com Jorge Solari associando-se ao Newell’s enquanto Eduardo (pai do técnico do Real Madrid) era campeão no Rosario Central, e Diego e Gabriel Milito adotando respectivamente Racing e Independiente. Todos eles defenderam a seleção também. Para encontrar uma família acima dos três (ou quatro) Zárate é preciso recorrer aos primórdios amadores da seleção, onde os Brown forneceram cinco irmãos, além de um primo, para formar a base da escalação argentina nos anos 1900. Em 2011, falamos aqui dos Brown; dos Solari, aqui; e relembramos outros irmãos em quatro especiais distintos – clique para acessar a parte I, a parte II, a parte III e a parte IV. Desde então, a única dupla de irmãos na seleção foi a dos gêmeos Funes Mori.

https://twitter.com/1_fc_nuernberg/status/1084777792166858752
https://twitter.com/LOSRAYOSN/status/1084805152362717185
https://twitter.com/LOSRAYOSN/status/1084901115441934336

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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