Acesso

Temperley está de volta à B Nacional

Roja solta a camisa e corre para soltar o grito de alívio
Roja solta a camisa e corre para soltar o grito de alívio

Jogo foi só sofrimento. Para os dois times. Foi pior ainda mais para o Temperley por 90 minutos de jogo. Foi pior ainda mais para o Platense depois. Após conseguir o empate, a pelota do acesso chegou nos pés de Quiroga. Só que a redonda passou antes que seus pés a tocassem. Sinal de que a sorte não estava do lado do Calamar. Nos pênaltis, voltou a aparecer um dos heróis de Lomas de Zamora, o porteiro Crivelli. E ele fez a diferença. Defendeu três cobranças, encheu o coração dos hinchas de alegria e deu o acesso ao Gasolero, que volta à B Nacional após 14 anos.

Mas a história do acesso remonta a 19 de junho de 2012. Na data, um vídeo apareceu denunciando o ex-presidente Antonio e o seu filho, então o atual manda-chuva, Mauro Morrone junto aos barras. Nas imagens, Antonio aparece oferecendo dinheiro para os “torcedores” “acertarem” as contas com aqueles que criticavam a gestão de seu filho. Imediatamente Morrone pediu demissão e livrou o Temperley de sua gestão maldita e incompetente.

Hernán Lewin e Alberto Lecchi assumiram com a missão de jovializar o sangue que corria nas artérias entupidas do Gasolero. De cara precisavam lidar com uma dívida de 1,5 milhão de pesos em salários atrasados. Traçaram planos e metas rigorosas para o time de futebol e para a solução de problemas institucionais. A ideia era seguir exemplos dos dois maiores rivais. Do Los Andes descartaram os altos salários que, a exemplo do próprio Platense, incompatibilizavam a reestruturação da equipe de futebol. Do Lanús, copiaram a gestão séria e responsável em todos os níveis. Aos poucos, os meses passaram a ter de 27 a 29 dias em termos de compromissos com os salários dos atletas. E essa revolução culminou no início de 2014 com a chegada de um rei do acesso, Ricardo Rezza. Que havia treinado os últimos bons time do Platense na elite, entre 1993-94.

Confronto com o Calamar

Primeiro jogo foi em Vicente López e deu Platense. Só que o resultado foi magro e deixou tudo aberto para a noite deste domingo, no Sul do Conurbano. Ocorre que era uma Final. Disto resulta a tensão. E a tensão penetra nas veias que levam sangue para o cérebro. E ninguém pensava direito. E o jogo era feio, administrado demais pelo Tense e com predomínio dos sistemas defensivos, que não deixavam a pelota sobrar no ataque para ninguém. Primeiro tempo teve, porém, uma ou duas chances. Ambas do Gasolero. Todavia, Flores pegou.

Na etapa complementar, o conjunto liderado por Rezza voltou ainda mais animado em sua busca frenética pela vitória. Desnecessário dizer que não parecia ter um plano para isso. E foi só ataque. E deixou campo para o Calamar golpear. Com o meio-campo transformado em rota aberta de fuga, os atacantes visitantes fizeram a festa. Só não fizeram o gol. Sempre se deparavam com o ótimo Crivelli, disposto a fazer do domingo a sua noite dos sonhos. Mas se tudo ia mal para a Celeste ficou pior. Gente indo para o chuveiro mais cedo, dez homens em campo e a torcida, comendo unha, não parecia disposta a ajudar.

Jeito foi mandar todas as pelotas para a área de Flores. E a redonda subia e descia e não achava a cabeça de ninguém. Uma ou outra passava pela defesa do Tense e parecia endereçada ao abraço íntimo das redes. Flores intervia em prol do brioso conjunto de Vicente López. Destino parecia traçado num cenário desenhado para a festa da visita e para o velório de 22 mil hinchas incrédulos do anfitrião do baixo Conurbano. Sequer vibravam, pois pareciam desistindo da vida. Nada se ouvia na cancha, exceto choro e alguns gritos que mais pareciam uivos de lobos em noites de profunda solidão.

Eis que aos 45 minutos uma pelota matreira invadiu a área militarizada do Tense. E no desespero do tempo a calma irrompeu dos cérebros de Di Lorenzo e de Rojas. O primeiro não tratou de cabecear para o arco. Tratou de passar cuidadosamente a redonda para Rojas. Já este não tratou de cabecear, parar ou arrematar de qualquer jeito. Espalmou todo o pé na pelota e a colocou com delicadeza entre os quatros paus e os braços gigantes de Flores. Ela ainda tocou caprichosamente na trave antes de morrer lá no arco. Foi a explosão da massa torcedora. Teve gente no banco correndo com apenas um pé. Teve animação e loucura. Mas teve sobretudo um grito vibrante e em uníssono. O grito do acesso sofrido que estava prestes a chegar.

No inferno dos pênaltis, Flores defendeu duas para o Platense. Crivelli defendeu três, fez o seu e ainda contou com a má pontaria do último cobrador calamar para também ele se consagrar. Nas tribunas, todos gritavam em forma de vingança contra o mesmo Platense, 27 anos depois de o Gasolero ser expulso da elite argentina em parte, na opinião dos hinchas, por causa do Calamar (entenda lendo aqui). O Club Atlético Temperley está de volta à B Nacional. E com méritos.

Joza Novalis

Mestre em Teoria Literária e Lit. Comparada na USP. Formado em Educação e Letras pela USP, é jornalista por opção e divide o tempo vendo futebol em geral e estudando o esporte bretão, especialmente o da Argentina. Entende futebol como um fenômeno popular e das torcidas. Já colaborou com diversos veículos esportivos.

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