Arquivo

River fica no zero ao se deparar com um grande adversário no pequeno Merlo

O que foi visto hoje na cancha do Independiente foi o encontro de um pequeno clube de futebol com um gigante. O River cometeu alguns erros que são os de sempre, como um sistema defensivo que pouco se importa com o próximo e a velha impressão de que o campeonato termina na rodada que vem. Além desses erros apresentou um outro. Um assustadora falta de criatividade na articulação das jogadas, o que afetou a profundidade da equipe nos momentos decisivos. Se o problema estava na má colocação de Carlos Sánches, ele tampouco foi resolvido quando Almeyda tirou Aguirre e recuou “Chori” Domínguez para a posição. Mas isso foi só mais um dos problemas do River. Teve outro. Seu adversário. Embora com falhas na primeira etapa, o Merlo demonstrou um sistema defensivo brilhante; de dar inveja. Um luxo. Além disso, demonstrou determinação, garra, leitura tática da partida e articulação de boas jogadas no campo de ataque. Mas o principal mérito de los Charros foi outro: a grande coragem de encarar o River Plate como se fosse um clube tão majestoso quanto o Millionario de Núñez.

O início do cotejo apresentou um Deportivo Merlo destemido e disposto a mostrar à equipe de Núñez quem de fato era ele o verdadeiro mandante do encontro. E a correria foi incrível. Com jogadores bem distribuídos no campo de ataque as jogadas saíam por atacado e o Merlo assustava. Aos quatro minutos, jogada nas costas de Juan Manuel Martínez e a bola sobrou para Barreiro que a chutou sem muita intimidade com o ofício e a viu subir sobre o arco de Chichizola. Dois minutos depois foi a vez de Emanuel Martínez chegar em uma típica jogada ensaiada dos comandados de De La Riva. Após cobrança de corner, López passou pela bola e ela ficou limpa para Martínez a jogar por sobre o gol do arqueiro millionario. E foi só. E o protagonismo do Merlo desapareceu da partida. Intimidou-se. Tímido optou pelo recuo e, sem surpresa, seus jogadores passaram a ocupar o único local destinado a quem tem medo, o campo de defesa.

O fato é que curiosamente a proposta do Merlo era de jogo ofensivo, e se não era clara a falta de qualificação para tal, o que ficou evidenciado é que era paradoxalmente o aspecto físico que falhava no alimento à continuidade da proposta. E se jogava no campo de ataque também deixava espaços uma vez que esse mesmo aspecto físico falhava. O nó estava feito e prendia os animados jogadores de los Charros. Com o campo à sua disposição, a equipe de Almeyda pouco a pouco foi ocupando-o a seu bel-prazer e ditando as ações da partida.

As jogadas foram saindo. Primeiro com Sánchez aos 14; depois com Cavenaghi aos 20, após ótimo lançamento de Aguirre. E foi só. A posse de bola do River era assustadora. Só dava o River diante de um Deportivo Merlo assustado e sem bem saber onde estava. Mas o gol não saia. Por quê? Porque faltava profundidade. E sem profundidade não havia penetração à área adversária. Por quê? Porque o time millionario estava mal distribuído em campo, pessimamente reinventado por Matías Almeyda para o encontro.

Peguemos só um caso, o de Sánchez. Ao atacar a equipe do Merlo, Sanchez permanecia no ataque. Era meia, era atacante próximo à linha lateral da grande área e até mesmo, em muitos casos, era um típico centroavante. Era tudo, menos um ala. Assim que o Merlo recuperava a pelota, dificilmente dava tempo ao uruguayo de retornar. Quando o fazia, retornava para o setor congestionado pela presença de Ledesma e Domingo. Era tudo, menos um lateral.

Quanto à função de articulação a partir do meio-de-campo ela recaía sobre o abandonado e sobrecarregado Martín Aguirre. Ou seja, Matías Almeyda deu a receita de como se perde um jogador. Embora a equipe se deparasse com um adversário que deixava jogar, como nenhum outro até agora, como em nenhum outro caso o River não sabia como fazê-lo. Do outro lado, o Merlo era tudo de desarticulado e inofensivo no cotejo, menos um time que não soubesse como se defender. O 0x0 da primeira etapa foi justo no final das contas.

O início da segunda etapa foi muito semelhante ao da primeira, com um Merlo indo ao ataque. Mas com uma diferença. De La Riva acertara a marcação na meia cancha e danificou uma das poucas peças milionárias que havia funcionado bem nos primeiros 45 minutos: Ocampos. Com a marcação acertada, a equipe de De La Riva continuou propondo um jogo corajoso e aberto. Encarou o Millionario como um time grande e não decepcionou sua hinchada. Aquela história de chutão para qualquer lado não existe no repertório de uma equipe cuja zaga, ainda que em momentos de tensão, tenta sair jogando de tal forma articulada que dá inveja a muita grande equipe do mundo afora. Um luxo.

As jogadas sucediam-se de ambos os lados. Do lado do River, a equipe chegou aos 18 com Ocampos, em bela cabeceada na bola para a defesa segura de Capogrosso. Aos 22 com Cavenaghi, aos 28 com Funes Mori, além de outras chegadas menos perigosas. Contudo, diferentemente dos cotejos anteriores em que o passe decisivo sempre saía, neste encontro o grande articulador millionario havia sido anulado. Não pelo Merlo, mas pelo próprio treinador millionario que na tentativa de acertar a equipe acabou por anular sua capacidade criativa.

Aos 15, o conjunto local chegou com Martínez, aos 23 com Siqueira, aos 36 com López. Na maioria das vezes com muito perigo. Contudo o gol não saiu porque o Deportivo Merlo pode ser qualquer coisa, menos uma equipe com potencial matador. Seus atletas cometeram os mesmos erros que na partida anterior, quando los Charros perderam a grande oportunidade de vencerem ao Quilmes em plena cancha cervecera.

Então o árbitro Mauro Vigliano apitou o final do cotejo. No início do encontro era comum ver o Merlo no campo de ataque. No fim foi o mesmo cenário. Talvez como um testemunho de uma performance em que como poucas vezes na história o Deportivo Merlo foi grande. De uma grandeza que se não estava no ataque estava no meio-de-campo, na defesa, na garra e determinação tática de seus jogadores. Também no orgulho e na coragem. O empate foi justo e dá ainda mais confiança à equipe treinada por De La Riva. Foi ruim para o River Plate que conquistou seu terceiro empate consecutivo. Demonstrou as mesmas deficiências dos outros jogos. Demonstrou problemas graves de formação da equipe. Não bastasse tudo isso, o resultado pode trazer consigo a instabilidade para Núñez, justamente aquilo que o River menos precisa neste momento.

Formações:

River: Leandro Chichizola; Carlos Sánchez, Agustín Alayes, Jonatan Maidana, Juan Manuel Díaz; Martín Aguirre (Funes Mori), Cristian Ledesma (González), Nicolás Domingo, Lucas Ocampos (Ríos); Domínguez e Cavenaghi. Técnico: Matías Almeyda.

Deportivo Merlo: Darío Capogrosso; Emanuel Martínez, Alejandro Manchot, Daniel Delgado, Mauricio Almada; Diego Sequeira (Yeri), Leonardo Melián, Leonel García, Jorge Ribolzi (Menendez); Ramiro López e Maximiliano Barreiro (Conti). Técnico: Felipe De La Riva.

Joza Novalis

Mestre em Teoria Literária e Lit. Comparada na USP. Formado em Educação e Letras pela USP, é jornalista por opção e divide o tempo vendo futebol em geral e estudando o esporte bretão, especialmente o da Argentina. Entende futebol como um fenômeno popular e das torcidas. Já colaborou com diversos veículos esportivos.

One thought on “River fica no zero ao se deparar com um grande adversário no pequeno Merlo

  • Lucas Castro de Oliveira

    A leitura é perfeita do jogo, infelizmente. Assistir a partida e fiquei com muita raiva, nem vou assistir mais porque não quero trocar meu futebol de sabado a noite pelo desespero de ver esse time jogar. Acho até que o comentário foi bonzinho com o River que não falou nada sobre o penalti. Vamos ver se ganha na próxima; tô muito pra baixo mesmo com esse time.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

dois × 4 =

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.