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Almagro: paixão em três cores

Desde Buenos Aires – Longe dos holofotes e de tudo que permeia a divisão de elite do futebol argentino, existem clubes de extrema importância no meio local e que fazem parte da história de bairros e de pessoas. É o caso do Club Almagro, que hoje figura na terceira divisão da Argentina e  um dos times mais emblemáticos do país. O clube centenário, completado em janeiro de 2011, já teve em seu elenco personalidades do esporte como Raimundo Orsi, Caruso Lombardi, Lucas Pusineri e Jonathan Santana.

Nossa reportagem foi até José Ingenieros e conheceu o estádio Tres de Febrero, casa do Almagro. Acompanhamos uma partida do Tricolor, conversamos com o presidente do clube e membros da Comisión Directiva que gentilmente nos mostraram cada sala da sede como quem abre as portas dos cômodos de sua casa a um convidado, com muita paciência e orgulho.

Estádio Tres de Febrero: fachada remodelada e pintada pelos próprios torcedores

Surgimento

Nova safra de torcedores

Diferentemente de outros clubes, o Almagro nasceu para se dedicar exclusivamente a um único esporte: o futebol. A centenária saga teve seu início em 6 de Janeiro de 1911, quando um grupo de amigos que residiam no populoso bairro obreiro de mesmo nome, decidiriam formar uma equipe para participar de pequenos torneios amadores na região. Nascia o Almagro Football Club.

Enfrentando muitas dificuldades na época, o clube foi fechado por duas vezes até retornar de maneira definitiva em 1916 já com o nome atual: Club Almagro. Adotou o azul, preto e branco como suas cores oficiais e junto com sua identidade oficial, ganhou também o apelido que o distinguiria no meio de tantos outros: “Tricolor”.

O bairro boêmio que emprestou o nome ao time de futebol cedeu também o hino, com a imponente voz de Carlos Gardel cantando um típico tango portenho; recitando as alegrias, os encantos e as particularidades deste argentiníssimo lugar. “Almagro, Almagro da minha vida, tu foste a alma dos meus sonhos”. (ver no final da matéria).

Passagens pela elite

Foram poucas as vezes que o Almagro disputou a primeira divisão. No profissionalismo, em apenas três oportunidades o Tricolor mediu forças contra os grandes do futebol argentino. Em todas essas, o clube manteve-se apenas por uma temporada na elite. O primeiro ascenso veio em 1938 e o time atuava como mandante no estádio do Argentino Juniors.

Mais de 60 anos se passaram até que o clube conseguisse novamente um lugar na máxima categoria do futebol. Em 2000, primeiro ano no sistema de “promoción“, o Almagro derrotou o Instituto de Córdoba em casa e conseguiu um histórico empate atuando como visitante. Depois, os torcedores não precisaram esperar tanto tempo para ver o time novamente na primeira divisão. Em 2004, a vitória veio numa sofrida disputa de pênaltis contra o Huracán.

Pelo pouco tempo que se manteve na elite, os feitos do Tricolor contra os dois principais grandes (Boca e River) são os “campeonatos” que essa torcida comemora. Contra os Xeneizes, o clube é um dos poucos na Argentina que possui retrospecto positivo. Foram seis partidas com três vitórias do Almagro, duas do Boca e um empate. O mais emblemático dos triunfos aconteceu no estádio do Ferro em 2001, quando a equipe de Bianchi e Riquelme, que pouco tempo antes havia vencido a Copa Libertadores, perdeu por 1 a 0. Contra o River em 2004, um histórico 2 a 0 no Monumental de Núñez. O Millonario era o atual campeão argentino e vinha em grande fase invicta.

Como diz uma das faixas da torcida: “Meu amor por você não entende categorias”

Títulos

Além das conquistas diante de adversários mais poderosos, o Almagro possui em sua história o título de campeão da segunda divisão em 1937, tornando-se o primeiro clube a vencer esta categoria e conseguir dentro de campo seu merecido lugar entre os melhores.

Outro título comemorado com entusiasmo pelo Tricolor, foi a Nacional B de 2004, entrando na elite pela porta da frente, como máximo campeão da segundona.

Seleção

Rigorosamente falando, apenas dois jogadores do Club Almagro foram utilizados pela Argentina, ambos há oitenta anos: o ponta-esquerda Óscar Correa (duas vezes) e o meia-direita Vicente Pérez (uma), que atuaram em amistosos contra o Uruguai em 1932. Pérez até chegou a ser convocado para a Copa do Mundo de 1934, em que a Albiceleste convocou somente atletas da liga amadora de Buenos Aires (onde o Tricolor se incluía) e do interior argentino, mas não esteve em campo.

Já na época em que chamava-se Sportivo Almagro, houve mais um: Humberto Recanatini, que atuava nas duas laterais. Campeão do Sul-Americano de 1927, jogou dezessete vezes pela seleção entre 1919 e 1931, marcando duas vezes (de pênalti) e em nove sendo capitão. Foi descrito como um dos principais jogadores do amadorismo e a revista El Gráfico inclusive o incluiu entre os 100 maiores ídolos da seleção, em revista especial de junho do ano passado.

O número sobe se forem considerados jogadores dos clubes que deram origem ao Almagro: o zagueiro Mariano Aldea realizou uma única, histórica por ter sido a primeira da Argentina contra o Brasil, em 1914. Foi o único atleta aproveitado pela seleção vindo do Hispano Argentino, que dois anos depois tornou-se o Columbian.

O Columbian, por sua vez, cedeu dois: o centroavante Juan Carlos Adet e o meia-direita Ernesto Vieyro, que jogaram contra o Paraguai em 1919, respectivamente quatro (tendo marcado dois gols) e duas vezes. Adet, posteriormente, tornaria-se um dos principais nomes da história tricolor, após seu antigo clube fundir-se ainda naquele ano com o então Sportivo Almagro.

Um lugar para sentir-se em casa

Como os recursos são limitados, os próprios membros da agrupación realizam as obras no estádio

Nascido em Almagro, criado em Parque Centenário, passou sua juventude em Parque Chas e agora ocupa seu lugar fora da Capital Federal. Isso devido a grande dificuldade em encontrar e adquirir um terreno onde pudesse construir seu estádio. Como cigano, o Almagro foi movendo-se pela cidade até que em 1956 recebeu uma doação do clube Juventud Unida. Uma área no município de “Tres de Febrero”, na localidade de José Ingenieros.

Ali, a poucos metros da General Paz, o clube levantou seu estádio com capacidade para pouco mais de 20.000 torcedores. Ganhou sua “cancha” e também seu maior rival, o Estudiantes de Buenos Aires, separados por apenas 12 quarteirões e com quem protagoniza o clássico da região.

O clube ainda mantém a sede no bairro de Almagro, onde tudo começou. Mas desde 1911 até hoje muita coisa mudou. O lugar antes composto em sua maioria pela classe trabalhadora de Buenos Aires cedeu espaço a uma elite em ascensão. O Almagro precisou se adaptar e, na sede de três andares, atualmente funciona uma academia onde os sócios da humilde zona de José Ingenieros não podiam frequentar até o ano passado. Apenas pessoas da vizinhança eram aceitas como sócias dali, mesmo muitas vezes nem eram torcedores do Almagro.

Isso gerou grande polêmica até que finalmente em 2011 a situação foi revertida. Agora, todos os sócios podem usufruir das instalações da academia que pertence a uma grande rede da cidade. A vitória foi conseguida pela nova “agrupación” que assumiu em 2010: a Lista Azul, Blanco y Negro.

A realidade

Amizade com o Grêmio: as cores uniram os clubes

“Compartilhemos as migalhas, porque o pão compartem os grandes”, frase do presidente do Almagro, Juan Carlos Carinelli, ao seu par do Colegiales durante intervalo da partida disputada em José Ingenieros e que nossa equipe acompanhou. O dirigente comentou para nossa reportagem sobre as dificuldades de manter um time com pouquíssimo ou quase nenhum patrocínio. Até o final de 2010, o Almagro não contava com nenhum ingresso vindo dessa fonte.

Ciente de que precisa aumentar seu quadro associativo, atualmente contando com aproximadamente mil torcedores, diversas campanhas estão em andamento com a finalidade de reforçar a arrecadação através de mensalidades. Para isso o clube sabe que precisa oferecer outros esportes à comunidade de José Ingieneros, bem como opções de lazer que aproximem os vizinhos do clube.

Agrupación se reúne para discutir possíveis melhorias

“A diferença é o que fazemos aqui dentro”, afirma Juan Manuel Benítez membro da Comisión Directiva e quem nos guiou por cada corredor do clube.

Sem poder contar com muitos recursos e empregados, existe um grupo de torcedores que desempenham papéis fundamentais no dia-a-dia do Almagro. “Antes das partidas, venho conferir se tudo está em ordem. Chego muito antes, me certifico de que as luzes nos vestiários funcionem bem, se os portões estão abertos, se há água para os visitantes. Depois, vou até a bilheteria ajudar na venda de ingressos. Quando começa a partida, estamos envolvidos no fechamento do caixa. Geralmente, vou para a arquibancada já na metade ou no final do primeiro tempo”, contou Juan Benítez.

O trabalho e a importância da Agrupación de torcedores

Assim como Juan Manuel, outras dezenas de torcedores atuam de forma silenciosa e da maneira que podem para auxiliar o Almagro em suas atividades como um clube de futebol. Foi este grupo que, em mutirão, se encarregou da pintura de todo o estádio. Trabalho que tardou semanas de dedicação, muitas vezes avançando por finais de semana e feriados. O grupo também reformou a zona das churrasqueiras e já têm planos para construírem uma academia e uma quadra poliesportiva. Tudo com o aval da atual presidência do clube.

Não recebem nenhum centavo pelos trabalhos que realizam e sentem que é necessário cumprir com a obrigação de ajudar o Almagro a se manter. “De fato existe uma amizade e por isso funciona” afirma Juan Benítez, como quem dá a dica do sucesso.

Torcer pelo Almagro

A paixão que move esses torcedores vai muito além de títulos

Existe alguma escala que sirva para mensurar a paixão de um torcedor por seu time de futebol? Os ditos “grandes” arrastam milhares de torcedores, arrecadam grandes valores em rendas e possuem patrocinadores disputando cada centímetro de sua camiseta. Mas até que ponto os fiéis torcedores destes clubes, sentem-se de fato parte deles?

O torcedor de um clube “pequeno” comparte outro tipo de experiências e emoções. Vai além do senso comum, foge do usual e abre um sorriso simplesmente por ver pintada a arquibancada de seu acanhado estádio. Saber que tudo ali foi conseguido fruto do seu próprio esforço e de outros tantos devotados. A paixão que move esses torcedores e a dedicação com que se empenham no trabalho, tornam esses fanáticos em tipos funcionais dentro da instituição.

Podem até serem considerados “pequenos” comparados aos títulos e triunfos dos demais, porém são sem dúvidas gigantes em sua paixão tricolor.

httpv://youtu.be/uHLeLHqadj0

Os torcedores que amigavelmente receberam nossa equipe

 

Nossos sinceros agradecimentos a todos que de alguma maneira, atenciosamente colaboraram para a produção desta matéria. Foi notório o esforço para que nós, visitantes, nos sentíssemos confortáveis em um lugar que para eles é a extensão de sua própria casa, o lugar de reunião da sua família Tricolor: Alejandro Aducci  “El Tano”, Lucas González, Sebastián Benítez “Toto”, Bruno Aquili, Juan Manuel Benítez “Tuska”, Gastón Romero “Pepe”, Mauro Alejandro Bolischki “El Gordo Mauro” e ao presidente Juan Carlos Carinelli.

Leonardo Ferro

Jornalista e fotógrafo paulistano vivendo em Buenos Aires desde 2010. Correspondente para o Futebol Portenho e editor do El Aliento na Argentina.

20 thoughts on “Almagro: paixão em três cores

  • Paulo Fuster

    Parabéns pela matéria Leonardo Ferro…

    Temos que valorizar os clubes considerados “pequenos”, pois são de lá que surgem muitos grandes jogadores, principalmente pra clubes grandes que não tem categoria de base….

    VLW…

  • Caio Brandão

    Curioso como Almagro originou este clube e o San Lorenzo, e hoje não tem nenhum dos dois – que, a despeito disso e de terem se enraizado totalmente em outros lugares (José Ingenieros e Boedo), ambos continuem a ostentar esse bairro no nome…

  • Navarro Montoya

    Nossa!!! Que matéria legal!! o futebol é o único esporte capaz de gerar sentimentos como este, muito manera esta reportagem e parabéns pelo trabalho e obrigado por este saite. Eu sou suspeito sempre que falo sobre futebol uruguaio e argentino, pois sou fã número um….
    valeu!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
    Agora só uma dúvida, quando o San Lorenzo migrou de Almagro para Boedo?

    Vengo del bairro de Boedo, bairro de murga e carnaval te juro que en los malos momentos nunca te voy abandonar….. Dale dale matadore! dale dale matadore, daldle dale dale matadore……..

  • Caio Brandão

    A primeira partida no Gasómetro (a cancha sanlorencista em Boedo) rolou em 6 de maio de 1916, contra o Estudiantes de La Plata. Ou seja, o terreno deve ter sido adquirido bem antes. Foi ainda nos primórdios do San Lorenzo mesmo (o time foi fundado em 1908)…

  • Parabéns pela reportagem… muito legal mesmo!!

    Essa é a realidade de muitos clubes, tanto aqui no Brasil quanto nos países vizinhos, emocionante…. eu me sinto como um deles, citados na reportagem, que independente de títulos e números de torcedores, seguimos apoiando o clube de nosso bairro ou nossa cidade.

    Torcer para os grandes é fácil, mas o que sentem os poucos e diferenciados torcedores desses clubes menores é sensacional, realmente somos parte do clube e fazemos a diferença.

    Mais uma vez, parabéns pela matéria e que outras tantas sejam feitas…. Dale Albo!! Dale Santa Cruz!! Aguante Alvinegros!!

  • Matias

    NOTA MUITO BOM, EU SOU O BALÕES CLUB Almagro e É UMA PAIXÃO INEXPLICÁVEL vai além de qualquer CATEGORIA EM QUE ESTAMOS JOGANDO, O QUE É O TRICOLOR agrupar seus laburo MUITO BOM. OBRIGADO POR MOSTRAR nossa humildade que apesar de ser um clube pequeno Sentimos a maior do mundo
    A SAUDAÇÃO A TODOS!
    ALMAGRO & GREMIO TRICOLOR GUILD

    MUY BUENA NOTA, SOY HINCHA DEL CLUB ALMAGRO Y ES UNA PASION INEXPLICABLE VA MAS ALLA DE CUALQUIER CATEGORIA EN LA QUE ESTEMOS JUGANDO, LO DE LA AGRUPACION TRICOLOR ES MUY BUENO SU LABURO. UN SALUDO PARA TODOS !
    ALMAGRO & GREMIO HERMANOS TRICOLORES

  • LEANDRO

    Excelente reportaje !!!! sigan asiiiii !!! saludos desde Argentina !!!!

  • LEANDRO

    AGUANTE EL TRICOLORRRRRRRR !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

  • Muy buena la nota muchas gracias!!
    Aguante Almagro!!!

  • Mathias

    PORTÃO 10!!! É DA GERAL!!
    GRÊMIO Y ALMAGRO!

  • Júnior

    Estes especiais do Futebol Portenho são sensacionais.

    Linda a história do Almagro. Sou torcedor de clube grande mas realmente os torcedores de pequenos devem sentir algo mais do que a maioria.

    Aguante Almagro!!!!

  • el gordo mauro

    gracias por esta nota fue muy emocionante relatarle el sentimiento que lleva uno como hincha de almagro y las cosas que hace uno por su club .desde ya muy agradecido por la entrevista

  • juan manuel benitez(tuska)

    totalmente agradecido por la nota,muy buen trabajo el de LEONARDO FERRO y la gente de FUTBOL PORTEÑO.COM,esto es un poco de lo que hacemos por el club,horas,dias,semanas,meses y años junto al tricolor dando una mano y tratando de que el club cresca dia a dia,soy parte de la AGRUPACION TODO POR ALMAGRO, un gropo de grandes amigos que hacemos todo con el carazon ojala mucha gente siga este mismo camino para poder llegar a ser el club que siempre fuimos,saludos para todos los hermanos tricolores,ALMAGRO,GREMIO,CADU, una sola pasion.

  • GREMIO + ALMAGRO = PASSION

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