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Um brinde ao Quilmes, há 35 anos campeão argentino

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Capa autoexplicativa da El Gráfico pós-título

Há exatos 35 anos, com o perdão do trocadilho, o Quilmes era brindado: tornava-se pela segunda e última vez campeão argentino – a única, na era profissional. Muito mais que um tradicional nanico, é simplesmente o clube hermano de futebol mais antigo ainda em atividade: foi fundado em 1887 (clique aqui). E se você se encanta pelo festival de papel picado ou em rolos que as torcidas argentinas proporcionam, agradeça à torcida dele, a pioneira nisso, em 1961.

Como os primeiros clubes argentinos de futebol, ele nasceu na comunidade britânica, inclusive se vestindo nas cores das seleções inglesa e escocesa. Ela dominou o campeonato argentino nas duas primeiras décadas do torneio, vencendo todos entre 1891 e 1912. O primeiro clube “latino” foi justamente o rival do Quilmes, não por acaso chamado Argentino de Quilmes.

O último título da era britânica, em 1912, foi justamente do Decano (clique aqui), que só um bom tempo depois seria apelidado de Cervecero, embora a cervejaria homônima do qual é há tempos a principal patrocinadora tenha sido criada um ano depois do clube. Quando o clube foi campeão em 1978, já estava há muito tempo mais “nacionalizado”. Simbólico para os novos tempos o fato de o maior campeão pelo clube (três vezes) se chame Omar Gómez, vindo dos juvenis e apelidado de El Indio.

O campeonato de 1978, ainda que tenha sido pausado durante a Copa do Mundo realizada na Argentina naquele ano, não foi dos mais atrativos para o grande público. Na era profissional (desde 1931), é até hoje o de menor média de ingressos vendidos por jogo, 3.883. Por mais que o futebol argentino vivesse uma era de ouro, com craques de seleção mesmo em clubes pequenos, os principais estavam de fora: a preparação da seleção para a Copa começou em janeiro. Desde aquele mês, os convocados estiveram concentrados. E também pré-convocados só cortados na reta final, como o já astro Maradona.

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Gigante de Arroyito tomado pelos cerveceros há 35 anos

Não por acaso, os principais clubes da época ficaram longe da taça (todos bem longe dos tempos atuais…): River em 6º, Independiente em 8º, Huracán em 15º, precisamente os times que mais cederam jogadores à Albiceleste campeã. Já o vice e o 3º não estiveram representados no mundial, respectivamente o Boca e o Unión de Santa Fe. Mas os detratores do título quilmenho têm de lidar com os fatos de que uma menor parte das rodadas (16 de um total de 42) é que ocorreram até o fim da Copa.

Outro fato a enaltecer aquele Quilmes é que ele conseguiu reverter uma liderança de 5 pontos que o Boca chegou a ter a nove rodadas do fim, em uma época onde a vitória valia 2 e não 3. Um Boca que, se não esteve na seleção, não foi por falta de poderio: vencera em 1977 pela primeira vez a Libertadores. Em agosto de 1978, venceu a Intercontinental válida por 1977 (clique aqui). E um mês depois de ser vice argentino, conseguiria o bi da Libertadores.

O foco na competição continental é apontado como o causador da perda do título ao Quilmes. Por outro lado, os auriazuis eram líderes argentinos após se garantirem na final sul-americana. A classificação veio nada menos que sobre o River Plate, em 17 de outubro, na última semifinal. A primeira final só seria em 23 de novembro. Cinco dias após a vaga na decisão, o clube venceu no campeonato argentino (3-2 no Atlanta), mantendo-se no topo. A perda da dianteira só viria uma rodada depois, a penúltima.

Foi em 25 de outubro. Contra o fraco Estudiantes de Buenos Aires (que terminou rebaixado e até hoje não voltou à elite), o campeão do mundo ficou só no 0-0. A liderança era de 1 ponto. O Quilmes, que na mesma rodada venceu por 2-1 o Chacarita, conseguiu assim a ultrapassagem. Mas teria que vencer em Rosario para garantir a taça sem depender do concorrente. Seria contra o Rosario Central, enquanto o Boca pegaria o Newell’s em casa.

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Segundo pênalti convertido por Andreuchi, artilheiro do campeonato. Fez dois gols no jogo do título

Nada muito complicado, segundo Indio Gómez: “nós éramos uma equipe combativa, estávamos certos de que poderíamos lograr algo importante com essa camiseta”. Gómez afirmou também que, para os cerveceros estarem descansados e aclimatados para a partida, realizada em um domingo, viajaram na quinta-feira: “e, na mesma quinta, atrás do nosso ônibus, vão uma quantidade de carros de adultos e crianças que vão a Rosário convencidos de que esse time vai ser campeão”.

Foram mais de 20 mil visitantes no Gigante de Arroyito. Ainda segundo Gómez: “o árbitro olhou e murmurou: ‘garoto, com essa gente aí não se pode perder’”. De fato, o atacante chega a dar 90% do crédito do título aos torcedores, pois não foi simples: por duas vezes o Rosario Central esteve à frente do placar, ao passo que o Boca vencia o Newell’s. El Indio, com lesões e sem ritmo de jogo após voltar de uma suspensão de 5 jogos, iniciou a tarde na reserva.

Quem buscou duas vezes o empate foi outro herói, Luis Andreuchi, o artilheiro daquele Metropolitano, com 22 gols. Andreuchi marcou duas vezes há 35 anos, ambas providenciais e de pênalti: o primeiro, só 5 minutos após o Central ter aberto o placar. O segundo, só 1 minuto depois do adversário, também de pênalti, ter feito 2-1. Outro importante foi o zagueiro-artilheiro Horacio Milozzi, de dez gols na campanha. Mas quem mais personificou a conquista foi o volante Jorge Gáspari. Curiosamente, vindo de outro Quilmes, o de Mar del Plata, clube mais dedicado ao basquete.

Foi de Gáspari o gol da vitória: “Bianchini evita dois adversários. Perigo. Joga para Gáspari. Perigo. Chuta! Gol!! Golaço!!! Um canhotaço violento a meia altura! Um golaço! Gáspari… Quilmes 3, Rosario Central 2! Quilmes acaricia o título, senhores!”, foi o relato de José María Muñoz enquanto Gáspari virava base de pirâmide erguida por colegas que nele se empilhavam.

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O adolescente Gáspari marcando o gol do título e comemorando

“Bianchini se adiantou pelo meio, eu o acompanhava pela esquerda, como faço sempre. Me passou-a [bola]. Eu dominei a bola e saquei (…). Creio que o goleiro estava muito voltado sobre sua trave direita, por isso não chegou (…). Quando vi que havia sido gol, saí correndo como um louco. Depois, não me lembro de nada mais. Também, se todos os muchachos se atiraram em cima de mim!”, relatou o autor do gol do título. Um ano depois, foi convocado pela Argentina para a Copa América. Até hoje, foi o último jogador do Quilmes que a seleção usou. Neste 2013, Alejandro Sabella convocou Rodrigo Braña, velho pupilo no Estudiantes de La Plata, mas ainda não o colocou em campo desde então.

Outro destacado na conquista de três décadas e meia atrás foi o técnico José Yudica, único campeão argentino na função por três clubes não-grandes: venceria com o Argentinos Jrs em 1985 (e também a Libertadores) e com o Newell’s em 1988 (e vice na Libertadores: clique aqui). O título do Quilmes foi o primeiro do treinador. Era o técnico de 1977, saíra e voltou, substituindo Oscar López e Oscar Cavallero pouco antes da pausa mundialista. “Chegou no momento justo, nos deu tranquilidade, confiança, segurança a todos. Ordenou ao time, o fez jogar no limite de suas possibilidades, e logrou encravar-nos a ideia do máximo esforço, o sacrifício e a entrega total”, declarou sobre ele o artilheiro Andreuchi.

A taça de 1978, contudo, não mudou a imagem mais relacionada ao Quilmes, a de um clube “ioiô”. Havia vencido a 2ª divisão só três anos antes. Em 1982, conseguiu ser vice (no Nacional) e voltar a cair (no Metropolitano). Menos de dez anos depois do seu apogeu, o clube chegou a estar na 3ª divisão. Venceu-a justo no ano do centenário, em 1987. Foram estes os três títulos de Omar Gómez no clube.

FICHA DA PARTIDA – Rosario Central: R.Ferrero; Magistral, Craiyacich, Bauza (Coullery), J.A.García; Zavagno (Agonil), Manccinelli, Rubén Pérez; Bóveda, Trama, Orte. T: Carlos Griguol. Quilmes: Bernabé Palacios; Guillermo Zárate, Horacio Milozzi, Alberto Fanesi, Pedro Gaño; Horacio Bianchini, Gáspari, Horacio Salinas (Heriberto Recavarren); Miguel Filardo (Omar Gómez), Luis Andreuchi, Héctor Milano. T: José Yudica. Gols: Trama (31/1º), Andreuchi (36/1º), Orte (2/2º); Andreuchi (3/2º); Gáspari (7/2º). Árbitro: Arturo Ithurralde.

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Hugo Tocalli, Recavarren, Fanesi, Palacios, Milozzi, Gáspari, Zárate, Bourgeois e Gaño; Merlo, Filardo, Bianchini, Andreuchi, Salinas, Milano e Gómez no Gigante antes de jogo. E o técnico Yudica confundindo uma mão levantada do árbitro sinalizando 1 minuto de acréscimo: pensou que o jogo já houvesse acabado

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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