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Quando a Argentina precisou da repescagem

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Estamos na reta final das eliminatórias à Copa 2014: as repescagens. A Argentina esteve longe de precisa-las agora. Mas há vinte anos foi diferente, pela única vez.

Em 1930, nossos hermanos, como as demais seleções participantes, vieram sob convite. As eliminatórias foram implantadas a partir da Copa de 1934, mas só para a de 1998 é que as nações da Conmebol passaram a jogar todas umas com as outras – na verdade, para a de 2002, pois o Brasil não precisou lutar por lugar na Copa de 1998 por ser campeão de 1994.

Até 1994, as vagas eram dos líderes dos grupos que se formavam, tornando a disputa mais acirrada. Costumavam ser três grupos com três participantes cada (a Venezuela só veio a participar a partir de 1986), com Argentina, Brasil e Uruguai separados. Bolívia, Chile, Colômbia, Paraguai e Peru geralmente se classificaram por brechas, quando Argentina ou Brasil não participavam como detentores do título ou por serem sede (caso do próprio Chile em 1962).

Em 1934, a Argentina se classificou sem jogar: lutaria contra o Chile, que desistiu. De 1938 a 1954, diferentes razões levaram a própria Albiceleste a cometer o equívoco histórico de abrir mão de tentar. Para a de 1958, avançou no grupo de Bolívia e Chile. À de 1962, passou pelo único concorrente, o Equador. À de 1966, por Paraguai e Bolívia.

À de de 1970, veio a única eliminação argentina em campo. Em grupo que outra vez tinha a Bolívia, perdeu a vaga para o Peru: clique aqui. As outras vezes em que um membro do trio sul-americano campeão mundial perdeu a vaga antes do sistema todos-contra-todos foi em 1958, 1978, 1982 e 1994, respectivamente com Paraguai, Bolívia, Peru e novamente Bolívia eliminando o Uruguai.

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À de 1974, a Argentina liderou o grupo de Paraguai e Bolívia. Não participou na de 1978 por ser país-sede, nem na de 1982 por ser detentora da taça de 1978. Em 1986, bateu o Peru, Colômbia e Venezuela, estreante em eliminatórias. Como campeã da Copa de 1986, a Argentina não participou das eliminatórias para 1990. À de 1994, seriam outra vez nove participantes porque o Chile estava excluído, como punição do escândalo do goleiro Ricardo Rojas em 1989 contra o Brasil.

Mesmo assim, a divisão tradicional de grupos foi alterada. Um, com cinco seleções (o de Brasil, Bolívia e Uruguai), classificava os dois primeiros. O outro, o argentino, tinha quatro. Classificava automaticamente só o líder; o segundo iria à repescagem intercontinental contra o vencedor da Oceania.

Em meados de 1993, a Argentina tinha, desde 1991, a melhor seleção do mundo: bi continental seguida (a Copa América não era vencida desde 1959) em 1991 e 1993 e vencedora da Copa das Confederações de 1992, chegou a ter um recorde de 32 jogos seguidos de invencibilidade – a Espanha atual parou nos 29. Detalhe: Caniggia e, principalmente, Maradona não vinham sendo usados, ambos por detecção de cocaína. Quem imaginaria que seriam até hoje os últimos títulos da seleção principal?

Era mais crível pensar que a Albiceleste se igualaria nos EUA a Brasil, Itália e Alemanha como tri mundial, cumprindo um ciclo a cada oito anos “inaugurado” em 1978, do que supor que o Brasil quebraria com Parreira um tabu pós-Pelé de 24 anos. Mas não: na campanha, a invencibilidade caiu, para a Colômbia, em Bogotá. Mesmo assim, bastava vencer esse oponente em casa que a classificação viria. A história é bem conhecida. Colômbia 5-0, em Buenos Aires: clique aqui.

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Os colombianos terminaram o grupo na liderança. E por bem pouco não foi o Paraguai quem ficou com a repescagem. Era preciso demonstrar rapidamente uma renovação, e o técnico Alfio Basile, para enfrentar suas primeiras grandes contestações, incluiu novidades: a estreia dos defensores Chamot e MacAllister e do volante Hugo Pérez e as voltas do atacante Balbo e, principalmente, de Maradona, então em um início bastante promissor no Newell’s Old Boys (clique aqui) na retomada da carreira de Dieguito no futebol argentino. Caniggia ainda enfrentava sua suspensão de um ano e meio.

O clima de desconfiança foi tamanho que praticamente um terço do time se renovou para enfrentar a Austrália, ainda longe da seleção menos subestimada do século XXI. A única participação dos Socceroos em Copas havia sido na de 1974. No país, a bola redonda que mais importa era e é a pequenina do críquete (a do tênis só seria raquetada por Patrick Rafter e Lleyton Hewitt alguns anos depois): em 1993, sua seleção na modalidade havia vencido a Inglaterra em julho em solo inglês na supercentenária série de melhor-de-seis entre ambas, conhecida como The Ashes.

Na época, os aussies também detinham os títulos das últimas Copas do Mundo de outros esportes bretões, o rugby union (1991) e o rugby league (1992) e tinham acabado de ter Sydney escolhida em setembro sede das Olimpíadas de 2000. O soccer era mais ligado às comunidades não-britânicas, especialmente as da antiga Iugoslávia – e ainda é. Apenas um jogador daquele elenco teve a sensação de classificar-se à uma Copa, o zagueiro Tony Vidmar, de origens eslovenas, à de 2006 (porém, um problema cardíaco detectado às vésperas da convocação o deixaria de fora da lista final).

O irmão mais velho de Tony, Aurelio Vidmar, marcou no jogo de ida, um 1-1 em Sydney, endurecendo o jogo contra os sul-americanos, tanto que a partida chegou a ser apontada na época como a maior dos auriverdes. A El Gráfico, principal revista argentina esportiva, reconheceu na edição pós-jogo: “[a seleção argentina está] próxima do mundial, longe do futebol”. O gol visitante foi do reestreante Balbo, aos 37 do primeiro tempo, testando indefensavelmente no ângulo esquerdo de Mark Bosnich uma grande e raçuda jogada pela ponta-direita de um insistente Maradona até então bem marcado.

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Vidmar empatara logo aos 43, emendando na cara de Goycochea passe do irmão Tony, que havia recebido (em posição duvidosa) bom lançamento de Ned Zelić. Os 43 mil espectadores no Football Stadium deliraram, mas nada aproximado da habitualmente intensa torcida argentina para a partida da volta em Buenos Aires, no Monumental de Núñez. A “outra” seleção verde-e-amarela (na verdade, o Brasil ironicamente adotou essas cores no futebol muito tempo depois dos australianos, que desde 1899 as usam no críquete e posteriormente em outras seleções, a partir de uma acácia local) se dispôs a jogar a partida da sua vida, mas não foi párea e a sorte também não ajudou.

O gol veio em um cruzamento de Batistuta pela ponta-direita em que a bola, sem ângulo, desviou em Tobin e encobriu um goleiro sem jogo de cintura pego no contrapé. Aquele foi o último jogo das eliminatórias à Copa 1994 – as demais 23 seleções já estavam definidas. Dos usados na repescagem (Borelli, José Basualdo e Cáceres só atuaram na ida), só dois não iriam ao mundial: MacAllister, que, apesar de invicto na seleção, foi humilhado pelo novato Ariel Ortega em um Boca-River às vésperas da convocação (o próprio Ortega iria) e Zapata, que se prejudicou ao ir ao futebol japonês.

A partida foi relembrada em 2011 pelo sempre polêmico Maradona, que declarou ter havido doping argentino na ocasião. Afirmação rechaçada pelo técnico Basile, desafeto de Dieguito: clique aqui.

FICHA DA PARTIDA – Argentina: Sergio Goycochea, José Chamot, Sergio Vázquez, Oscar Ruggeri e Carlos MacAllister, Hugo Pérez, Fernando Redondo, Diego Simeone e Diego Maradona, Gabriel Batistuta e Abel Balbo (Gustavo Zapata 25/2º). T: Alfio Basile. Austália: Robert Žabica, Tony Vidmar (Carl Veart 19/2º), Mehmet Duraković, Milan Ivanović e Alex Tobin, Frank Farina, Aurelio Vidmar, Paul Wade e Robbie Slater, Graham Arnold e Jason van Blerk. T: Eddie Thomson. Árbitro: Peter Mikkelsen (DIN). Gol: Tobin, contra (13/2º)

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Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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